Como seria o alterego do líder ‘Bolsonazi’?

Por Jota Carneiro
É de se entrar em parafuso quando assistimos a um filme cujo protagonista passa a se relacionar intensamente com alguém de comportamento altamente inconsequente e desequilibrado, fazendo-o se enfiar num caos angustiante e notadamente sem solução otimista, mas que no final descobrimos que esse outro alguém se trata, na verdade, dele mesmo. Para não cometer spoilers, citarei apenas à comédia “Eu, eu mesmo e Irene”, a qual o título, mesmo quando no idioma original, já nos remete a informações que também são apresentadas logo no início do filme. Assim, não possui um mistério revelado apenas no final, mas é um exemplo válido para se ter ideia de como são histórias em que o personagem principal desenvolve outra personalidade, geralmente extrema e delinquente.
A expressão alter ego vem do latim e significa outro eu, em tradução livre. Algo muito peculiar nos filmes que se utilizam desse recurso como alma do enredo é que geralmente o personagem é alguém de boa índole e de conduta extremamente controlada. Daí vem o “outro eu” e toca o terror, realizando todas as insanidades, obscenidades e quaisquer tipos de desejos reprimidos pelo “eu”. Muito provavelmente, estes desejos seriam reflexo direto dos sonhos enquanto dormimos, como nos ensinou o pai da psicanálise, Sigmund Freud. Ou seja, o nosso “outro eu” faz aquilo que temos vontade de fazer mas que não possuímos a coragem de realizar, seja por coibição moral, legal ou física.
De qualquer modo, o dualismo acaba imperando nesse tipo de filme: o protagonista era do bem, mas teve um surto e se tornou do mal. – clássico! – Porém, certo dia, num devaneio peculiar, peguei-me imaginando como seria o alter ego de um personagem maligno. “Será que ele seria do bem?” Mas a resposta foi mais assustadora do que eu pudesse inicialmente imaginar. A dualidade acaba aqui: o alter ego de alguém maldoso seria um alguém ainda mais maldoso. Seria uma arma de matar, um genocida desenfreado.
Hitler nasceu na Áustria e, mesmo antes de se mudar para a Alemanha, já odiava os judeus e admirava os líderes que pregavam o discurso de purificação dos povos, inclusive um de seus únicos professores com o qual teve afinidade. A combinação desse ódio com o poder político, de um homem que teve uma escalada fundamentada na arte da retórica e na demagogia, com a missão de devolver a dignidade ao povo ariano após a derrota na Primeira Guerra Mundial e a decorrente crise militar e econômica, teve como resultado a morte de mais de 6 milhões de civis judeus, entre 1936 e 1945, além de outros grupos considerados impuros, étnica, genética  ou ideologicamente, como comunistas, homossexuais, ciganos e deficientes. Mas Hitler não agiu sozinho. Durante seu poderio, o fascismo já aflorara na Itália e o ódio e a xenofobia estavam bem distantes de serem invenções recentes.
O fascismo costuma florescer das crises econômicas. Hoje, o líder ‘Bolsonazi’ no Brasil, em seu mais pleno “eu”, já se posicionou a favor da tortura, do fuzilamento dos inimigos políticos (mesmo que custando a vida de inocentes), da guerra civil e da posse de armas a todos os cidadãos. Além disso, ridiculariza os conceitos de racismo, fascismo, xenofobia, homofobia, machismo e misoginia – sendo que o mesmo já chamou deputada de vagabunda e disse que não a estupraria, por ela não merecer. – Não obstante, já se manifestou contrário à imigração ao nosso país,  ao mesmo tempo em que é a favor do fim de qualquer demarcação de terras para fins de reserva indígena (dos únicos nativos de fato) ou quilombola.
Mas não nos iludamos: o líder “Bolsonazi” não age sozinho. Há uma infinidade de seus alteregos espalhados por aí, antes mesmo da sua existência. A única coisa que no momento impede que esse expoente maligno se manifeste em práticas  desumanas muito além do discurso é a ausência do poder legal. Infelizmente,  pessoas já morrem e sofrem diariamente vítimas da propagação da violência e do ódio, mas nada que não possa piorar.
Preconceitos e intolerâncias emanam da vontade do imediatismo, do desejo de cortar todo e qualquer mal alheio pela raiz, sem ao menos conhecer os galhos, julgando com base nas folhas, negligenciando os frutos. A dificuldade extrema de empatia e alteridade é reflexo direto da dificuldade do auto-conhecimento. Estando seduzida pelos juízos imediatos, qual força contribuirá para que uma pessoa mergulhe dentro de si mesma para decifrar de fato as suas razões? O resultado disso tudo é que pessoas altamente preconceituosas e intolerantes são facilmente manipuladas, tanto quanto, ou até mais que, as ingênuas.
Por fim, o filme “A Onda” é uma excelente indicação para a compreensão do discurso fascista. Trata-se da história de um professor que tenta ensinar a seus alunos, na prática, como foi a doutrinação para a aceitação da maioria da população alemã à ideologia nazista. Afinal, quantos alemães assumem hoje a responsabilidade pelos milhões de mortes de inocentes em nome de um suposto bem maior durante o holocausto judeu? E quantas mortes os seguidores do líder “Bolsonazi” são capazes de assumir?
Jota Carneiro é Professor de História e Escritor de contos e poesias

APOIE

Seu apoio é importante para o Jornal Contratempo.

Formas de apoio:
Via Apoia-se: https://apoia.se/jornalcontratempo_apoio
Via Pix: pix@contratempo.info