Parte 1: Um xeque mate perpétuo.

Por Filipe Luiz dos Santos Rosa

Vários pontos precisam ser esclarecidos sobre essa constante e aparentemente infinita escalada de tensões na península coreana, sem mais delongas vamos deixar algo às claras: não parece razoável supor que a curto ou médio prazo teremos uma ação militar dos EUA contra o regime de Kim Jong-Un e existem certos motivos para isso:

Primeiramente temos a forma como o conflito entre as duas coréias se consolidou em um “xeque mate perpétuo”* desde o armistício assinado em 1953, desde o fim das agressões entre as partes existe um equilíbrio de forças bastante complexo na região.

Se por um lado a Coréia do Sul é apoiada hoje pela maior potencia militar do planeta enquanto a Coréia do Norte se encontra isolada e sufocada por décadas de sanções econômicas, por outro lado essa idéia de fragilidade e sucateamento das forças norte-coreanas não podia ser mais distante da realidade. Além de destinar em torno de 20% de seu PIB para a defesa, é importante esclarecer que as forças armadas da Coréia do Norte foram construídas em seus mínimos detalhes durante os últimos 60 anos com um único objetivo em mente: resistir a uma invasão dos EUA e nada mais.

Tal fato fica evidente ao se observar os desfiles militares na capital Pyongyang, onde se encontra um grande número de veículos e tecnologias militares essencialmente defensivos: poucos tanques, muitas peças de artilharia sobre lagartas, poucos aviões de caça, uma infinidade de baterias antiaéreas, praticamente não se encontra fotos de navios de guerra norte-coreanos, o mesmo não é verdade para submarinos e mísseis antinavio.


Desfile militar norte-coreano, predominam tecnologias defensivas.

Outro fator não menos importante está na geografia da região, além de ser uma área em geral montanhosa e com razoável cobertura de florestas (o que favorece o largo emprego de artilharia), temos a região metropolitana de Seul à perigosa distância de 40 km do território norte coreano, o que coloca cerca de 25 milhões de sul coreanos dentro do alcance da especialmente poderosa artilharia inimiga.

É Importante ressaltar que a essa distância mesmo os canhões Koksan 170-mm ou os lançadores múltiplos de foguetes 240mm, que sequer são os mais poderosos à disposição de Kim Jong-Un, são capazes de atingir com facilidade e com um absurdo volume de fogo a capital sul-coreana. Além disso, Pyongyang tem investido pesado na artilharia baseada em mísseis balísticos de alcance médio e longo, de forma que mesmo desconsiderando os mísseis mais antigos e os experimentais ainda não testados, a Coréia do Norte possui amplas reservas de mísseis Scud e derivados** amplamente testados em situações reais de combate, sendo capazes de causar amplos danos colaterais para qualquer núcleo urbano nos países adjacentes em caso de uma invasão ocidental.

Infográfico da Al jazeera, destaque para o alcance dos mísseis Scud, Nodong e Hwasong-12 encobrindo todo o território japonês e sul coreano.

Posto isso, vemos que não é simples coincidência que a Coréia do Norte investiu tanto na sua artilharia a ponto de tê-la separado do exército regular e a subordinado a um comando  autônomo. Assim a busca por capacidade nuclear intercontinental que temos visto nos últimos anos vem apenas para consolidar essa capacidade de dissuasão.

* No xadrez, o xeque perpétuo ocorre quando um jogador realiza uma série sem fim de xeques. Isto ocorre tipicamente quando um jogador não pode dar um xeque-mate no seu oponente, enquanto que qualquer outro movimento resultaria em uma chance de vitória para o oponente.

** Os mísseis russos Scud foram amplamente empregados por países árabes como o Iraque e Egito, derivações do Scud como os Nodong foram desenvolvidos em conjunto com o Irã.

Intro: Coréia do Norte, ou “como aprendi a parar de me preocupar e amar a bomba”.
Parte 2: Um tabuleiro nem um pouco quadrado.
Parte 3: “Parar de me preocupar e amar a bomba”? (em breve)

Filipe Luiz dos Santos Rosa é graduado em geografia e possui especialização em história militar.

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