A queda da Torre de Babel

Uma das situações que me faz mais espécie é o fato de os canais nacionais de televisão dublarem tudo. Contrariamente a Portugal, em que falamos, na maioria, duas ou três línguas, o brasileiro, pela fraca educação dada ao longo da sua vida, fala somente a língua portuguesa do Brasil. Penso que deveria haver uma aposta maior no sistema educacional brasileiro, embora Portugal esteja seguindo o mesmo diapasão. Agora até ao final do Ensino Médio todo mundo é aprovado, independente de saber da disciplina ou não. É raro o brasileiro que domine outro idioma para além da sua língua materna. Não consigo assistir um filme dublado. Nem os palavrões são iguais.

O uso de palavrões para nós não tem um peso negativo, acaba sendo uma forma de nos expressarmos entre amigos. Usamos muitos palavrões, sim usamos, mas nunca com a intenção de ofensa, sempre como forma de expressão quando nos sentimos à vontade. Acredito que abusamos um pouco dos palavrões, mas sem maldade, acaba sendo uma forma carinhosa (contrassenso) de comunicação.

Um ponto bastante divergente são os encontros para café. Enquanto no Brasil as pessoas vão em um boteco tomar cerveja, em Portugal marcamos encontro em um café e tomamos café. O clima e a cultura causam essa diferença abismal. Tomamos café como o brasileiro toma cerveja.

O que falar então dos encontros entre amigos. Como falei anteriormente, o brasileiro se encontra para tomar cerveja no bar, nós portugueses juntamos os amigos em nossa casa e fazemos um jantar. Também vamos em restaurantes, mas não há como a nossa hospitalidade. Por tradição quem é convidado para um jantar em casa de um amigo leva a bebida (vinho normalmente) e a sobremesa, enquanto os anfitriões preparam as entradas e os pratos principais. E os horários são para cumprir, hora marcada é hora a que chegamos aos encontros.

Por norma somos pontuais, mais que os brasileiros, se marcamos uma hora, podem acreditar, a maioria dos portugueses chega em cinco minutos antes do combinado. Não é a pontualidade britânica, mas fica bem perto, pelo menos não chegamos 30 minutos depois da hora marcada como vocês. Mas uma coisa que ficamos bem atrás de vocês é no quesito do otimismo. A positividade do brasileiro é extraordinária, enquanto nós portugueses enxergamos o copo meio vazio, vocês têm a capacidade de ver sempre o copo meio cheio. É por isso que somos mais fechados, mais sisudos, mais contidos, vocês têm sempre um sorriso estampado no rosto, mesmo que o mundo esteja ruindo. Por isso, acham que somos muito reclamões, porque reclamamos de tudo. Ao sairmos da nossa zona de conforto e percebemos que não somos o centro do universo, que o mundo, apesar de falar a mesma língua, é bastante diferente daquele em que vivíamos, começa a luta interna para uma nova vida de aprendizado, de conhecimento, de autoconhecimento e aprender a aceitarmos a cultura do país que escolhemos para viver.

Mas tenho falado muito de diferenças entre culturas, porém também podemos falar de semelhanças entre os dois povos, se bem que as diferenças sejam maiores, é sempre bom vermos as afinidades.

Qualquer um dos povos é extremamente acolhedor, cada um do seu jeito, mas ambos são prestativos, amigáveis, sempre prontos a ajudar.

Quem diria que o café é um ponto em comum, tornando-se uma paixão inigualável. A diferença é que no Brasil se toma muito café coado, enquanto nós tomamos muito de máquina.

O que falar então das festas juninas? A festa junina, em Portugal, conhecida como festa dos santos populares, de S. João, Santo António ou São Pedro (também em junho), é originária do nosso país e foi trazida para o Brasil durante a colonização.

Não posso deixar passar em claro a música, com o seu famoso pimba em Portugal e o sertanejo no Brasil. A música pimba é parte da cultura assim como o sertanejo. Sertanejo e pimba assentam suas raízes no ruralismo, nas cidades do interior dos respectivos países.

A Cultura nada mais é que os comportamentos, tradições, conhecimentos de determinados grupos sociais, onde incluímos a língua, a religião, as comidas típicas, a música local, as artes, as vestimentas. Por tudo que vos tenho mostrado dos dois países podemos facilmente concluir que, no meio de tantas diferenças, acabamos encontrando muitas semelhanças. Somos mesmo países irmãos, não há como negar. Até na língua somos unidos, com diferenças, mas o Brasil faz parte dos países de Expressão Oficial da Língua Portuguesa. O Brasil, não vamos falar em número de falantes, mas sim em população arredondada, tem 213 milhões de habitantes, Angola com 33 milhões, Moçambique com 32 milhões e Portugal com 10 milhões. Depois temos a Guiné Bissau com dois milhões, a Guiné Equatorial com 1.5 milhões, Timor Leste com 1.4 milhões, Macau com 649 mil, Cabo Verde com 558 mil e São Tomé com 220 mil. Podemos entender desta forma como a língua portuguesa consegue estender as suas raízes pelo Mundo.

Portugal é dos países com menos voz na União Europeia. É dos Países com uma Economia que envergonha o nosso povo, quando já dominamos o mundo, quando estivemos no topo. Dominamos um Império nos sécs. XV a XVII. Fomos grandes, chegámos inclusive ao Tibete. A nossa posição geográfica possibilitou que nos aventurássemos pelos mares, já que tínhamos pouquíssimas riquezas internas. A nossa decadência começa quando Holanda e Inglaterra se lançam nos mares.

Após o 25 de Abril de 1974, data em que militares do Movimento das Forças Armadas ocuparam os estúdios de uma rádio, a Rádio Clube Português, explicando à população que pretendiam que o país fosse de novo uma democracia, com eleições e liberdade para todos, termina o período da ditadura (de 1933 a 1974). Em 1986, o país estava de rastos e aderiu à CEE, hoje União Europeia. Foi o passaporte para atravessar o deserto rumo à modernidade. Acabou sendo a segunda liberdade para os Portugueses. Surgiram os Fundos Comunitários e o país, mal ou bem, teve um “boom” de desenvolvimento. Lembro de uma frase de Marcello Caetano, último primeiro-ministro do regime de ditadura que vivemos, sobre a famosa revolução dos cravos: ” Em poucas décadas estaremos reduzidos à indigência, ou seja, à caridade de outras nações, pelo que é ridículo continuar a falar de independência nacional. Para uma nação que estava a caminho de se tornar numa Suíça, o golpe de Estado foi o princípio do fim. Resta o Sol, o Turismo e o servilismo da bandeja, a pobreza crônica e a emigração em massa. Veremos alçados ao poder analfabetos, meninos mimados, escroques de toda a espécie que conhecemos de longa data. A maioria não servia para criados de quarto e chegam Presidentes de câmara, deputados, administradores, ministros e até Presidentes da República.”

Jamais no meu pensamento ou ação irei defender um regime ditatorial ou um ditador, mas este comentário acaba sendo o retrato a cores dos nossos dois países. A política atingiu um nível tão baixo, que temos frotas e venturas como Deputados.

A imagem de uma nação corrupta leva-nos a pensar somente no Brasil, mas acontece que a corrupção é comum em países desenvolvidos. O esquema da Lava Jato, com o maior escândalo, o da Odebrecht, que conseguiu transportar os seus tentáculos aos países sul-americanos e a Angola. Portugal, sendo país irmão, não fica atrás. 83% dos portugueses acreditam que corrupção e suborno são práticas comuns (dados de 2015). José Socrates, ex primeiro-ministro de 2005 a 2011, foi preso por corrupção, lavagem de dinheiro e evasão fiscal.

Outro grande sistema de corrupção, o “Golden Visa” (uma autorização de residência mais rápida por troca de um investimento no país), serviu de ponte para lavagem de dinheiro. Não temos somente uma ou duas maçãs podres nos dois países, temos que admitir que a corrupção existe. Portugal, assim como o Brasil, estão corrompidos até ao tutano. Temos que admitir, caso contrário a corrupção continuará a espalhar seus tentáculos, que nós, mais pobres, continuaremos a sofrer diariamente. Quando se praticam atos ilícitos os pobres vão sofrer, não há dinheiro para educação, para saúde, porque o primeiro lugar de onde se tira o dinheiro é de lugares que afetem primordialmente as classes mais baixas. Os ricos nunca vão sofrer como os pobres. Basta ver nesta pandemia em que os ricos ficaram mais ricos e os pobres paupérrimos.

Quando esta pandemia começou o grande debate seria saber como o ser humano iria sair desta Arca de Noé. Muita gente falou que iríamos sair melhores, mas sempre defendi que não, que o ser humano iria mostrar a sua real faceta. Quem era bom antes, continuou ou até melhorou, mas quem era ruim teve a capacidade de ficar satânico.

Para mim, o pior de tudo é ver políticos usando dinheiro que deveria ser aplicado para combate à pandemia, encher os bolsos e sacrificar a população, que fica sem defesas perante este nefasto vírus. É o pior que se poderia ver numa sociedade totalmente destruídas de valores, de amor e de empatia. Quero voltar para o embrião, não gosto da sociedade em que estamos vivendo. Exemplo disso é uma frase de Leandro Karnal, Historiador e Professor Brasileiro, ” Quem respeita o Governador e não respeita a faxineira, não é um líder e sim um interesseiro”. Como se torna tão acertada estra frase nos dias de hoje. Fui educado a respeitar todo mundo, fui educado a estar em um ambiente de cinco estrelas bem como num boteco. Prefiro o boteco, porque tem menos falsidade, menos bajulação, as pessoas são verdadeiras, honestas. No ambiente de cinco estrelas reina a incerteza de quem é nosso amigo ou de quem está por interesse.

Aproveito para vos deixar com outro pensamento de Leandro Karnal sobre a epidemia e desigualdade. ” A epidemia revela de forma violenta a desigualdade. Enquanto as classes média e alta enfrentam o tédio no entretenimento dos filhos, as classes baixas enfrentam a fome e a sobrevivência.”

Pedro Saldida

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