Coluna – Luiz Bosco: Onde encontrar bom senso na mídia e nas pessoas?

Tem algo de errado por todos os lados e isso não passa despercebido por ninguém. Em cada notícia, programa de TV, vídeo ou link, uma mentira se esconde. A todo momento duvidamos das informações que nos chegam, avaliando quais interesses escusos se insinuam nas entrelinhas.

A manipulação midiática é tão antiga quanto a própria imprensa e é muito bem conhecida. É mais fácil encontrarmos momentos em que ela e a indústria do entretenimento agiram a favor de interesses estatais ou próprios, do que em prol da democracia, da igualdade e de seu público. A alcunha “quarto poder”, aplicada à imprensa, nunca foi renegada por esta. Pelo contrário, é abraçada com orgulho e deixa clara a intenção de manobrar as sociedades modernas em direção à realização de seus desejos, intimamente ligados aos de seus patrocinadores, famílias proprietárias, grupos políticos e à especulação financeira.

Enquanto a soberania da televisão se manteve sem nenhuma ameaça à altura, a denúncia de seu uso ideológico, bem como de outras mídias, restringia-se a nichos críticos, geralmente dentro do mundo acadêmico e da militância progressista. Grupos que defendem “teorias conspiratórias” também atacam a hegemonia da grande imprensa há algumas décadas, mas ganharam popularidade maior a partir da disseminação da Internet.

Hoje desconfia-se de tudo. Colocar como suspeito qualquer conteúdo, empurra-nos a dar mais crédito àquilo que corrobore nossos pontos de vista e nos afastar do que não o faz. Se nada é confiável, qualquer coisa pode ser confiável, contanto que me seja familiar ou condizente com o que eu defendo.

Despreza-se elementos que apontam para uma informação confiável como: a coerência, a busca por  diferentes origens para as informações, o equilíbrio ou sensatez em sua divulgação, evitar conclusões precipitadas, ser fundamentada no que já se tem de conhecimento anterior sobre o assunto e ter consenso mínimo entre aqueles que se dedicam a pensar e pesquisar sobre o assunto.

Parece muita coisa para a alta velocidade das informações que nos chega por WhatsApp e exige de nós tomada de posição imediata.

De fato, senso crítico e o hábito de checar informações tem de ser construídos ao longo dos anos de escolaridade e continuamente exercitados posteriormente. Informações científicas também são parte da caixa de ferramentas para lidarmos com as informações que nos cercam.

A falta desses critérios, hoje, está fundada na desinformação sistematicamente disseminada pelo atual Governo, aliada à descrença generalizada nas instituições e a intensa propaganda neoconservadora feita há anos (tanto em mídias tradicionais, quanto na Internet).

A legitimidade das informações, para os adeptos da onda de questionamento de tudo aquilo que não esteja de acordo com os valores neoconservadores, acaba por se fundamentar nos seguintes pontos:

– coerência estritamente moral: se condiz com o que eu acredito, é verdadeiro, não importando sua racionalidade ou relação com o bom senso;

– quanto maior a minha identificação com a fonte, mais confiável ela é: falar como um de “nós” constrói a ilusão de que “eu” poderia dizer a mesma coisa (essa é a mais antiga estratégia da demagogia);

– a sensação de se estar diante de uma informação bombástica, mantida oculta por forças misteriosas, conluios e conspirações, é mais importante do que qualquer bom senso. Isso vale para as fraudes políticas, como a “mamadeira erótica” supostamente distribuída para crianças; vale também para mentiras científicas, como a disseminação e autismo pelas vacinas;

– autoridade baseada na forma e não em seu conteúdo: apresentadores de televisão, líderes religiosos e populistas de toda espécie são mais confiáveis, pois expõem “a verdade” de forma clara, direta e enérgica. Pesquisadores e intelectuais são enfadonhos, complexos, falam demais, logo, não podem estar a dizer a verdade.

A consolidação de uma visão de mundo fundamentada em princípios tão anti-racionais, adotada por parte significativa da população, é o que torna possível um Governo que promove intensamente polarizações conforme o interesse do momento. O bolsonarismo ataca o IBGE, a FIOCRUZ, a ONU, as universidades públicas, o legado de Paulo Freire, na medida em que as instituições não se alinhem a seus interesses e convicções.

Tudo aquilo que se oponha minimamente ao projeto de Bolsonaro, seja ele qual for, é taxado como falso, ou formulado pelo “inimigo”. Não faz a mínima diferença a relação com a verdade: esta é aquilo que um presidente “designado por Deus” disser.

Os absurdos alimentados por essa postura são gritantes e já apresentam consequências que podem ser observadas na Saúde Pública, na Educação, na Economia, e no esgarçamento de nossas relações cotidianas.

É urgente a reeducação de nosso País para a razão, a ciência e o bom senso. Se não o fizermos, não teremos a base para um Brasil soberano e democrático, mas sim, para sua sepultura.

Luiz Bosco
Mestre e Doutor em Psicologia pela Unesp
Especialista em Psicologia Escolar e Educacional pelo CFP

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