Conto – Em terra do sol a pico, só não reluz quem está na sombra | Weber Carvalho

A cidade de Preciosinha é uma dessas cidades iguais a outros tantos povoamentos no Brasil que desejava crescer e gerar progresso aos seus moradores. Era administrada por pessoas de muita inteligência, que sempre tomavam as melhores decisões para todos. Em Preciosinha. ninguém questionava as ações dos administradores para o desenvolvimento, porque no fundo acreditavam que era tudo fruto de muita inteligência. Em uma cidade tão reluzente nas decisões que as pessoas simples eram incapazes de questionar as grandes ideias desses sábios. As poucas que falavam preferiam criticar as ações de povoamentos que estavam a léguas de distância, até porque, em Preciosinha, questionar custaria ser tido como bocó por todos da cidade, e se tinha uma coisa que todo mundo tinha, era o medo de ser bocó.

Mas um acontecimento em Preciosinha chamou atenção da população, as árvores, que antes eram motivo de orgulho, passaram a atrapalhar o progresso e o desenvolvimento e, aos poucos, mas depois muito rápido, a pacata cidade perdia suas frondosas árvores e os motivos eram os mesmos: se as raízes levantam a calçada… corta! Se faz sujeira e ninguém pode limpar… corta! Se atrai bichos e insetos ou então acaba energia, é culpa dela… então corta.

Nessa leva de cortar e manter, a todo custo, o progresso e o desenvolvimento, transformou Preciosinha em um verdadeiro deserto. As poucas árvores que resistiram, fingiam ser qualquer coisa, algumas se fingiram de lixeira, outras fingiam sinalizar estacionamento, outras fingiam ter nascido para ser vaga na sombra. Dessa maneira, sem ninguém perceber, cresciam escondidas, mas deu que um desses sábios que administra uma empresa do desenvolvimento e progresso ficou fulo ao ver os gastos que tinha quando os galhos dessas árvores se encontravam com a fiação elétrica. Aí foi à gota d’água para os homens sábios da administração de Preciosinha, temeram andar pra traz ou perder o rumo do desenvolvimento e progresso.

Sem titubear, reuniram-se às escondidas e chamaram os maiores especialistas sobre cidades, realizaram inúmeros estudos, argumentos de um lado e de outro para sempre tomarem a melhor decisão. Duraram dias, a Assembleia das Árvores, veio os professores das universidades, das escolas, e até seu Antonio que cuidava do jardim administrativo apareceu sem ser convidado, mas como era conhecido por sempre dar um jeito nas Árvores, pensaram os sábios talvez pudesse ser útil tê-lo ali.

Seu Antonio, um caboclo caipira sem muita instrução acadêmica, foi logo sugerindo que o problema não era as Árvores, para o espanto dos sábios como alguém poderia ser tão óbvio na resposta, seu Antonio continuou, e quanto maiores forem suas copas, maiores serão suas sombras, que serviam para as pessoas que caminhavam por Preciosinha tivessem um minuto de descanso do sol escaldante de todo dia. Os sábios perderam a paciência com Antonio; o rumor de que ele era um bocó se espalhou rapidamente pelo recinto e foi confirmado com louvor por todos, quando seu ele falou que “o problema não são as Árvores e sim os postes” e sugeriu, então, que eles fossem enterrados.

Foi a gota d’água para os sábios, que ficaram indignados com aquela resposta, e logo o mais sábio de todos Seu Damoto Sierra disse: façamos o seguinte, o problema é que as Árvores crescem sem o nosso controle, cortemos essas e plantemos uma Árvore de porte pequeno, incapaz de chegar até a fiação. Todos aplaudiram e comentavam a sabedoria daquele sábio e de como seu Antonio era bocó, para as pessoas que acompanhavam a Assembleia das Árvores, era muita esperteza trocar a Árvore grande por uma pequena e o problema esta resolvido. Arvore é tudo igual!!!

E foi isso que aconteceu, cortaram as Árvores e no lugar ficou planejado para o momento oportuno um grande plantio de Árvore de porte incapaz de atrapalhar a fiação.

Anos depois, voltei a Preciosinha, e pude testemunhar que aquele que julgaram ser bocó, seu Antonio tinha mesmo previsto o futuro. Os mesmos sábios que tiveram a grande ideia de cortar as Árvores e replantar outra em seu lugar de porte adequado, motivados pelo mesmo progresso e desenvolvimento, resolveram aterrar a fiação, foi uma beleza.

A cidade transbordava alegria e a administração convidou a todos de Preciosinha, para ver o que de mais moderno existia: entre as cidades mais próxima, Preciosinha seria a primeira a ter toda a sua fiação elétrica e de telefonia aterrada, os convidados apareciam para verem com os próprios olhos o início da grande obra, mas, incrivelmente, algo aconteceu. Ninguém conseguiu ficar próximo dos sábios que inovaram com o uso do guarda sol e aos poucos foram saindo, por não suportarem o calor. Não havia um lugar que o sol não torrasse o corpo dos transeuntes, nem as pessoas com carro paravam, os Sábios deixaram apenas os trabalhadores no encargo de realizar o grande feito.

Como solução para o sol escaldante nas costas dos trabalhadores e dos pedestres, resolveram os Sábios construir guaritas e passarelas com ventiladores para que os pedestres e trabalhadores da obra se escondessem do sol, um deles pensou em chamar novamente seu Antonio, mas lembraram de que as ideias de seu Antonio inclua sempre preservar as árvores, sendo assim, contra o progresso e desenvolvimento. E todos na cidade concordaram com os sábios da administração:era melhor queimar na modernidade do que viver nas sombras do passado.

Placas em árvores ourinhenses. As árvores devem se adequar à fiação, não a fiação às árvores.

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