O fascismo nos quer temerosos e infantis

Estudar o que já se disse sobre qualquer assunto pertinente às ações humanas é indispensável para compreendermos o presente e evitarmos erros já cometidos. O momento que vivemos no Brasil e em parte do mundo pode ser pensado a partir das pesquisas de muitos autores. Gostaria de contribuir com as ideias de um personagem peculiar da História das ideias: Wilhelm Reich.

Psicanalista, judeu, comunista e pesquisador da sexualidade, Reich vivia em Berlim no ano de 1933, quando o partido nazista chegou ao poder. A partir de suas observações e pesquisas, escreveu “Psicologia de Massas do Fascismo”, obra essencial para compreendermos os mecanismos psicológicos e sociais desses regimes autoritários.

O que preocupava Wilhelm Reich não era apenas a adesão entusiástica de parte dos alemães ao nazismo. Era a atitude apática e resignada da população que não o aceitava, mas simplesmente nada fez diante da progressiva escalada de violência, que foi do incêndio no Reichstag à eliminação de partidos políticos, execução de comunistas e, por fim, o extermínio de judeus.
Para Reich, as restrições morais, particularmente no que diz respeito ao sexo e à disciplina para o trabalho, modelam o caráter do “zé-ninguém”, o homem comum do mundo capitalista urbano, levando-o a não somente temer e aceitar o autoritarismo, mas a sentir-se culpado e envergonhado por não ceder totalmente a seus mandos. Como uma figura paterna entranhada em nós, podemos reconhecer seu autoritarismo, mas não lutamos contra ele, pois seria como afrontar nosso pai. O parricídio é a grande traição que todos cometemos inconscientemente um dia e ir contra as figuras que encarnam sua suposta autoridade, sua pretensa moral exemplar e sua intransigência com o “mal” é como colocar-se ao lado do próprio mal.
A criança em nós, que foi punida por mentir e por tocar os próprios genitais, envergonha-se e se intimida diante das figuras que encarnam a punição que outrora nos foi infligida. A iniciativa de se fazer campanha pela abstinência sexual vem reforçar esses receios infantis, aumentando a sensação de insegurança, pois o abstinente vive em luta consigo mesmo e  contra tentações que espreitam por todos os lados. Vai, então, buscar a segurança na dependência de um grande pai messiânico-mitológico, que o incita a expurgar sua sexualidade em manifestações agressivas contra aqueles que representam o pecado.

Essa relação fica ainda mais sensível se levarmos em conta que é nosso dever moral amar e submeter-se a essa figura paterna autoritária. Para o criador das psicoterapias corporais, essa questão inscreve-se no corpo e o aperto no estômago quando nos vemos diante da palavra dura e do rosto sério do fascista lembra-nos de que nossa carne foi moldada para obedecer.
A passividade com que estamos vivenciando o atual momento político se inscreve na propaganda intensa que as mídias vêm fazendo e no individualismo neoliberal, mas os fatos têm tomado rumos tão marcados pela irracionalidade, que o referencial freudo-marxista volta a ser necessário para compreendermos que os movimentos da história contemporânea tanto são construídos pela dialética crise-ajuste do capitalismo do século XX, quanto pela estrutura psíquica passivo-autoritária da qual somos constituídos.

A saída não é “botar o Brasil no divã”, mas lutar contra toda a moral autoritária, que é tão perversa quanto a destruição de nossa economia que está em marcha. As Artes precisam continuar ousadas e ganhar visibilidade; a Educação deve expurgar superstições e medos infantis, disseminando informações sólidas; lideranças progressistas devem se manter firmes na defesa dos ideais de igualdade, justiça e democracia, mesmo diante das circunstâncias grotescas. Todos nós, individualmente, precisamos compreender como funcionam as armadilhas do autoritarismo e superá-las, através de uma vida de mobilização política, de fraternidade e de vivência livre e autônoma do próprio desejo.

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