Saúde e Educação pagarão o pato pela crise

Do Luis Nassif

A primeira semana serviu para o presidente interino acertar as contas menores, loteando o Ministério entre o baixo clero.

Ontem, além do anúncio da flexibilização da lei do pré-sal e das investidas sobre a Previdência Social, começou o acerto das grandes contas, começando pela desvinculação orçamentária para as despesas sociais, o grande avanço civilizatório da Constituição de 1988.

Trata-se de uma disputa histórica em torno do orçamento: os rentistas pretendendo se apossar do orçamento através da dívida pública; e a sociedade, através dos gastos voltados para a melhoria da vida da população.

Se quiser identificar a ideologia de um governo, analise onde se darão os cortes e limites de expansão dos gastos.

No caso do presidente interino, a receita é óbvia: limites para expansão de gastos sociais, mudança nas regras de vinculação de despesas para educação e saúde; e nenhum obstáculo ao nível de juros ou ao comprometimento do orçamento com encargos financeiros. As metas de redução da dívida bruta serão seguidas através dos cortes nas despesas primárias. Enquanto se mantém a excrescência herdada do governo Dilma, de uma taxa Selic de 14,25%, para uma inflação que caminha para 7% e um PIB em queda livre.

O arrocho nos gastos sociais

Vamos entender melhor as implicações dessa tentativa de desvinculação das receitas de saúde e educação.

A Constituição de 1988 vinculou à saúde 15% da receita fiscal. Grosso modo, a receita fiscal de um ano corresponde à receita do ano anterior corrigida pela inflação do período, mais um percentual mais ou menos equivalente ao crescimento do PIB.

Havia uma lógica que permitiria ao país gradativamente aumentar os gastos com saúde na medida em que o PIB crescesse. No início, haveria um sub-financiamento. Com o tempo, uma melhoria gradativa da economia, com o aumento do PIB permitindo o financiamento adequado para as novas demandas de um país em que a população envelhece e os avanços da cidadania expandem o atendimento à saúde.

A proposta do presidente interino Michel Temer é uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que pretende fixar o valor atual da receita de saúde e apenas corrigi-la pela inflação anual.

Significará congelar os gastos da saúde no pior patamar da última década.

Em 2015 e 2016 o PIB deverá cair por volta de 7% a 8% e as receitas fiscais por volta de 12%. Pela regra Temer, as despesas de saúde seriam congeladas nesse patamar mínimo. Significará uma queda de pelo menos 12% em termos reais, sobre o nível pré-crise.

Suponha que em 2014 as receitas fiscais estivessem em 100 e as de saúde em 15.

Em 2015 o PIB caiu 3,8% e as receitas fiscais caíram 5,8%. Com isso, os gastos com saúde caíram de 15 para 14,13 em termos reais. Em 2016, é provável que as receitas fiscais caiam mais 6%. Nesse caso, as despesas com saúde cairão para 13,28 em termos reais.

A PEC obrigará então que o valor seja congelado nesses 13,28 e, dali para frente, apenas atualizado anualmente.

Suponha que a partir de 2017 o PIB cresça sucessivamente, 1%, depois 2% e se estabilize em 3% ao ano – e que as receitas fiscais cresçam dois pontos percentuais acima do crescimento do PIB.

Em 2022, a relação gastos de saúde/receitas fiscais, em vez dos 15% previstos atualmente, cairá para 11,5%, congelando o valor real no patamar mais baixo das últimas décadas – como proporção da receita e do PIB.

Para um setor que padece historicamente com problemas de sub-financiamento, será um desastre completo, com o país abdicando da proposta civilizatória de universalização da saúde. É a maior ameaça ao SUS desde a sua criação. O mesmo ocorrerá com a educação pública.

Desdobramentos políticos

Dificilmente as classes de menor renda abrirão mão das conquistas sociais acumuladas na última década.

A cada dia que passa, cria-se uma nova polarização política, onde o componente de classe ressurge com bastante força. A imagem do governo de homens, brancos e idosos, contra as minorias e contra as políticas sociais cresceu de forma fulminante. Esse sentimento das classes C e D provavelmente será captado com bastante intensidade nas próximas pesquisas de opinião.

Significa que, por vias normais, o atual grupo de poder dificilmente passará pelo chamado teste das urnas em 2018.

Sem interrupções democráticas, os cenários políticos prováveis seriam os seguintes:

1      O mercado e o pensamento neoliberal aglutinando-se em torno de Marina Silva.

2       Os grupos de esquerda montando uma frente, tendo um PT renovado ainda como protagonista principal. Vencendo as eleições paulistanas, Fernando Haddad desponta como o nome novo. Caso contrário, é possível uma certa confluência em Ciro Gomes. Não se descartando, por óbvio, o nome de Lula.

3      No governo Temer, Serra ocupando um espaço maior, com os conflitos óbvios que provocará com os demais Ministros, além dos amuos dos seus adversários no próprio PSDB. Mas com o bálsamo da atuação de Gilmar Mendes no STF.

4      Com Serra, ou Geraldo Alckmin, dificilmente o PSDB terá uma candidatura competitiva; menos ainda o PMDB.

5      Na outra ponta, crescerão os protestos.

É esse cenário eleitoralmente pouco atraente que estimulará os propósitos golpistas de parte do governo.

Não são muitos os caminhos alternativos disponíveis. No campo da desconstrução da oposição, o Procurador Geral da República (PGR) prosseguirá em sua obra pertiinaz de descredenciar Lula e o PT para as eleições de 2018. Nas próximas semanas, as hordas vencedoras prosseguirão na estratégia de terra arrasada, procurando desmontar políticas públicas bem-sucedidas, ocupando todos os espaços de protagonismo político, procurar calar qualquer voz dissidente.

Para eles, a solução final, a única saída, passará pela desqualificação das eleições de 2018, ou restaurando o parlamentarismo, ou criando algum simulacro de governo de salvação nacional contra a subversão das ruas, tarefa que será facilitada pela consultoria do general Sérgio Etchegoyen, acampado no próprio Palácio no Gabinete de Segurança Institucional.

 

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