APEOESP denuncia Bolsonaro e Dória à OMS

A presidente da Apeoesp e deputada estadual Bebel (PT) enviou carta à Organização Mundial de Saúde denunciando as práticas do presidente Jair Bolsonaro e do governador João Dória em relação a medidas tomadas no combate  ao Coronavírus.  Leia a carta na íntegra:

Of. Pres. 017/2020 São Paulo, 28 de março de 2020.

À Organização Mundial da Saúde (OMS)

Senhor Diretor Geral,

Queremos, em primeiro lugar, cumprimentá-lo pelo árduo e persistente trabalho de vossa senhoria à frente da Organização Mundial da Saúde (OMS) neste momento de pandemia do Coronavírus. A atuação da OMS tem sido fundamental para evitar uma tragédia ainda maior e, temos certeza, a conjugação de esforços em nível mundial nos levará à superação do atual quadro.

Nesta oportunidade, vimos à presença de vossa senhoria para relatar, a seguir, fatos que ocorrem no nosso país, e particularmente no estado de São Paulo, onde somos professores da rede estadual de educação básica.
No dia 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a pandemia de Coronavírus. Bem antes disso, no Brasil, como em diversos países do mundo, já nos preocupávamos com a expansão exponencial do contágio na China e, naquele momento, em outros países da região.

No entanto, o Presidente da República do Brasil, Sr. Jair Bolsonaro, vem desrespeitando todas as medidas recomendadas pela OMS. Com suspeita de infecção pelo Coronavírus, participou de manifestação pública em 15 de março, interagindo com centenas de pessoas. Sua justificativa para esta e outras atitudes é a de que a COVID-19 não passa de uma simples gripe, com baixa letalidade, e que atinge com maior gravidade apenas pessoas idosas.
Desde então, não apenas não alterou sua rotina, mantendo incessantes contatos públicos, como defende abertamente o fim do isolamento social e a volta do país às atividades produtivas e comerciais normais.

Atualmente, o Sr. Jair Bolsonaro vem incentivando manifestações públicas de empresários pelo fim da quarentena e utiliza dinheiro público para promover campanha oficial no mesmo sentido.

No estado de São Paulo, em 29 de janeiro de 2020, na condição de entidade representativa dos professores das redes oficiais de ensino do Estado, que possui cinco mil unidades escolares, oficiamos ao Secretário Estadual da Educação, Sr. Rossieli Soares, para que estabelecesse protocolos de prevenção e proteção para os professores, os estudantes e os funcionários dessas unidades, de acordo com as orientações da OMS. Entretanto, não houve providências nesse sentido.

Por meio de telefonemas e contatos, voltamos a insistir na necessidade dessas providências ao longo do mês de fevereiro, mas não partiu da Secretaria Estadual da Educação (SEDUC), do Governador do Estado de São Paulo, Sr. João Doria Junior, nem de qualquer autoridade, alguma medida neste sentido.
Com a decretação da pandemia, a sociedade brasileira passou a debater a necessidade de medidas drásticas para contenção do contágio. Novamente, cobramos da SEDUC um posicionamento, mas a rotina na rede estadual de ensino não se alterou. O perigo real passou a rondar os estudantes, os professores, os funcionários das escolas, os demais profissionais da educação e suas famílias.

Em 13 de março, finalmente, após pressão direta do nosso sindicato, pela qual dizíamos que o Governador e o Secretário da Educação seriam por nós responsabilizados em casos de contágio e eventuais óbitos por COVID-19 na rede estadual de ensino, o Governador anunciou a “suspensão paulatina” das atividades nas escolas para que, em 23 de março houvesse aquilo que o governo estadual está chamando erroneamente de recesso. Porém, na previsão inicial, as equipes gestoras, os funcionários e professores permaneceriam nas unidades escolares.
Entre 16 e 17 de março, enviamos ofícios ao Governador e ao Secretário da Educação, exigindo a interrupção imediata das aulas, o fechamento das unidades escolares e a proibição de entrada nas unidades de todos os profissionais e de quaisquer outras pessoas. Desta forma, todas as pessoas vinculadas às escolas estaduais passariam a cumprir quarentena, conforme recomendação da OMS.

Em 18 de março de 2020, após infrutíferas tentativas de agendarmos reunião com o Secretário da Educação, a Diretoria da APEOESP, representada por mim, sua Presidenta, e outros diretores, estivemos na sede da Secretaria Estadual da Educação, onde protocolamos ofício no qual reiteramos a necessidade de fechamento imediato e total das escolas, assim como uma série de outras medidas destinadas a assegurar os direitos dos professores, dos estudantes, de outros profissionais vinculados à rede estadual de ensino, objetivando conter o crescimento exponencial do contágio pelo Coronavírus em território nacional, que já se iniciava justamente pelo estado de São Paulo.

Ressalte-se, ao mesmo tempo, que nas escolas públicas estaduais as condições para o processo ensino-aprendizagem são, via de regra, extremamente deficientes; em alguns casos, deploráveis. Como se poderia falar em prevenção ao contágio pelo Coronavírus, se o Estado não disponibiliza álcool-gel, máscaras, sabonetes, produtos de limpeza, e sequer assentos nos vasos sanitários? Em grande parte das escolas não há papel higiênico. Em outras, chega a faltar água.

No dia 20 de março, o Governador decretou estado de calamidade pública no estado de São Paulo. Entretanto, poucas medidas de impacto efetivo para contenção da expansão do vírus foram adotadas. Apenas algumas repartições públicas fechadas, recomendações para que atividades comerciais privadas fossem suspensas e, pior, a manutenção da suspensão paulatina das aulas, mantendo-se as escolas abertas, com profissionais nelas ainda trabalhando.

Somente no dia 21 de março o Governador João Doria decretou a quarentena, determinou o fechamento de bares, restaurantes e outros estabelecimentos comerciais e que todos os estudantes, as professoras e os professores deixassem de ir às escolas. Porém, os dispositivos do decreto só entrariam em vigor em 24 de março! Além disso, as escolas deveriam contar com plantões de funcionários e serviços de limpeza uma vez por semana.
Frente a esse decreto e à postura do Governo do Estado de São Paulo perante a pandemia, novamente declaramos ao Governador, ao Secretário da Educação e a toda a sociedade que consideramos essas autoridades responsáveis por contágios e eventuais falecimentos em decorrência da forma autoritária como vêm conduzindo todo esse processo e à sua recusa em acatar e efetivar as claríssimas orientações da Organização Mundial da Saúde.

Infelizmente, o que não desejávamos aconteceu. Na madrugada do dia 27 de março, o professor de Língua Portuguesa e Língua Inglesa da rede estadual de ensino, José Ferreira da Cruz, faleceu aos 59 anos, por complicações decorrentes de COVID-19, a doença causada pelo Coronavírus.

Desejamos, do fundo de nossa alma, que este tenha sido um caso isolado. Porém, temos motivos para estarmos pessimistas. No dia 20 de março, quando o Estado de São Paulo já contava com 269 casos confirmados de COVID-19, João Doria ainda mantinha as escolas abertas, com professores, estudantes e funcionários em seu interior. Sabemos todos que uma das primeiras medidas adotadas pelos países que conseguiram estabelecer algum nível de controle sobre a pandemia foi o fechamento das escolas.

O Brasil é signatário da Declaração Universal dos Direitos Humanos e membro da Organização das Nações Unidas.
O artigo 3º daquela declaração vai assim redigido:

“Art. 3º- Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.”
Justamente esse artigo é que embasa o pedido que ao final será formulado, porque o direito à vida, obviamente significa dizer que há, igualmente, o direito de vê-la preservada em casos como o que aqui foi apresentado, especialmente quando os titulares deste direito, cidadãos brasileiros, no caso residentes no Estado de São Paulo, não possuem qualquer possibilidade de resistir às determinações dos dois representados na presente peça, e a preservação de suas vidas fica dificultada, já que medida singela e óbvia não foi tomada a tempo de que se evitasse um desastre maior do que aquele que se está prevendo, possa acontecer.

Além disso, é de rigor que seja invocado disposição preambular da Constituição da Organização Mundial de Saúde, que afirma: “Os Governos têm responsabilidade pela saúde dos seus povos, a qual só pode ser assumida pelo estabelecimento de medidas sanitárias e sociais adequadas.”

Pelas razões acima, e tantas outras, vimos à elevada presença de vossa senhoria a fim de denunciar perante a Organização Mundial da Saúde o Senhor Jair Bolsonaro, Presidente da República Federativa do Brasil, e o Senhor João Doria Junior, Governador do Estado de São Paulo, por negligência e descumprimento das normas e protocolos emanadas desta organização para contenção da pandemia de Coronavírus.

Ao mesmo tempo, vimos responsabilizar o Governo do Estado de São Paulo, na pessoa do Governador João Doria Jr. pelos contágios e óbitos que decorram da sua incúria e demora em tomar as medidas cabíveis, entre as quais desponta o fechamento total das escolas, que deveria ter ocorrido imediatamente após a OMS ter declaração a situação de pandemia do Coronavírus, em 11 de março de 2020.

Solicitamos, assim, que sejam tomadas as medidas cabíveis, decorrentes da presente denúncia.
Sendo o que tínhamos a expor e solicitar, subscrevemo-nos
Atenciosamente

Maria Izabel Azevedo Noronha
Presidenta da APEOESP – Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo – Brasil

Ilmo. Sr.
Dr. Tedros Adhanom Ghebreyesus
Diretor geral da Organização Mundial da Saúde (OMS)
A/c: Roberta de Freitas Santos
Escritório de Representação da OPAS/OMS no Brasil

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