×

“Barulho de Trem” na crônica de Jair Vivan Jr.

“Barulho de Trem” na crônica de Jair Vivan Jr.

 

O cheiro de poeira com fumaça de queimada de cana anunciava o fim do dia, misto ao lusco fusco dissipando a claridade, aquela semi tristeza alimentada pelo escuro iminente confirmado pelo canto da Ave Maria, o sinal derradeiro, culminando com a Hora do Brasil.

Daí era o silêncio ensurdecedor da noite, quebrado apenas pelos ciciar continuo e os repiques intermitentes das Quesada Gigas, habitantes dos cafezais das proximidades, em uma linda composição de sobre tons de cantorias, no mais era o zumbido do nada que compunha a vastidão.

Quando então olhar para o céu me dava a dimensão dos quão ínfimos somos diante do infinito, além daquela sensação de solidão oriunda do abandono dos amigos que já tinham atendido ao chamado dos pais, eu as vezes abusava da tolerância da minha mãe, atrelando minha permanência na rua a do meu pai no bar, o qual eu monitorava a distancia.

O trem que chegava as 19 hrs. delimitava o tempo restante, ou pelo apito na curva da Shell o que me fazia correr para casa, ou se já dentro dela, pelo trepidar da vidraça na veneziana que sugeria tomar banho rapidamente e estar pronto e alinhado para a chegada do varão que nos exigia impecáveis.

 

A partir da estação de Ourinhos saia a baldeação para o estado do Paraná

Noite à dentro variava, ou voltávamos para a rua e nos organizávamos em nossas brincadeiras sob a observação de nossos pais e vizinhos, que se reuniam para ouvir
O Repórter Esso no grande rádio de válvulas,
se refugiando do calor ou nos protegíamos do frio dentro de casa, quando ouvíamos os discos de rotação 78 na vitrola portátil que funcionava conectada ao radião, ocasião em que podia até ser liberado para mexer nas revistas e guardados do gavetão sem tampa debaixo do sofá cama.

 

Pátio ferroviário de Ourinhos ladeado a esquerda pela Avenida Jacinto Sá

Depois do beijo de boa noite, só me lembro de que acordava com o trepidar do trem das seis que era só o primeiro sinal, pois só mesmo no apito das sete e meia meu pai estaria saindo para o trabalho, aí então confirmado pelo canto das curruíras e outros pássaros, o dia estaria começando, quando o claro do sol transmitia aquela alegre e agradável sensação de bem estar, a não ser nos dias chuvosos, que tínhamos que ficar recolhidos e talvez fossem disponibilizados alguns dos brinquedos conquistados em um natal ou aniversário e ficavam guardados em cima do guarda roupas, para brincar em determinados dias.

Anos 60 -Trem que fazia a baldeacao para Parana apelidado de Mixto por levar passageiros e cargas

O programa de músicas sertanejas e o cheiro das emissões da fábrica de óleo davam o tom de um dia normal, seguido pelo horóscopo do Omar Cardoso que dava uma dica sobre nossa sorte e assim seguia a manhã no para baixo e para cima da linha, até o trem do meio dia, quando já teríamos que estar prontos e de mãos lavadas esperando meu pai para o almoço.

Em minha casa não tinha um “cuco” mas já estavam surgindo relógios de parede mais populares, mais acessíveis, inclusive dispostos em alguns pontos comerciais da cidade, assim passamos a controlar o tempo de outra maneira, mesmo porque meu pai também adquiriu um belo despertador.

JVivanjr.

 

Estação ferroviária de Ourinhos anos 80 : O trem de prata da Sorocabana que fazia o trajeto São Paulo /Presidente Prudente

You May Have Missed