ANOS DE CHUMBO – A via-crucis de Madre Maurina na Guerrilha de Ribeirão Preto
A via-crucis de Madre Maurina na Guerrilha de Ribeirão Preto
João Teixeira*
A premiação no Festival de Cinema independente de Sevilha, na Espanha, do documentário “Maurina, o Outono que Não Acaba”, a história de Madre Maurina Borges da Silveira, a freira torturada pela ditadura militar brasileira (1964/85), resgata um episódio violento e obscuro de nossa História recente.
Sua via-crucis – prisão, tortura e provável gravidez na cela e exílio no México- resgata a atuação da Frente Armada de Libertação Nacional (FALN), a única organização clandestina armada formada fora do circuito das capitais.
A FALN, essa sigla pomposa ,abrigava poucos combatentes de armamento precário e rudimentar.
Nascida no meio estudantil, como resultado da cisao ocorrida a partir de 1966 no Comitê Municipal do Partido Comunista Brasileiro (PCB), em Ribeirão Preto, a FALN fez barulho e mobilizou rapidamente os órgãos de segurança.
Ribeirão Preto, importante cidade do interior do Estado de São Paulo, a 310 km da capital, caracterizada por forte vida universitária, grandes empresas do agronegócio e forte comércio regional, repercutiu as ações armadas que vinham sendo praticadas pela Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), do capitão Lamarca, e a Ação Libertadora Nacional (ALN), de Marighella.
A FALN estava longe de representar perigo para o regime dos generais como a VPR e a ALN mas foi reprimida com rigor.
As ideias revolucionárias de Régis Debray – implantação do foco guerrilheiro como embrião do exército de libertação na área rural, simples cópia do blanquismo do século 16, que achava que meia dúzia de homens armados poderiam incendiar uma população- floresciam nos campi universitários.
Estudantes, professores, liberais e servidores públicos da classe média, além de militares legalistas e esquerdistas expulsos dos quartéis, formavam o grosso da resistência armada.
Trabalhador mesmo não pegou em armas.
A publicação do jornal estudantil O Berro, editado na Faculdade de Direito, foi o núcleo inicial das FALN.
O impacto das lutas estudantis em 1968, mais as ações da esquerda armada, impulsionaram a resistência no interior paulista.
O Berro impresso deixou de ser distribuído exclusivamente para os estudantes, passando a atingir os trabalhadores rurais, assalariados, quando iniciava-se o predomínio dos ‘boias-frias’, no corte de cana e usinas de cana-de-açúcar e álcool da região.
Entre 1968 e 1969, as FALN estabeleceram vínculos com as principais cidades da macrorregiao, Sertaozinho, São Joaquim da Barra, Barrinha, Orlândia, Sorocaba e Bebedouro, entre outras.
Articulavam a frente operário-estudantil-camponesa (rural) sonhada pelas esquerdas, no caso, sem o apoio da classe operária urbana.
O golpe dentro do golpe, o Ato Institucional número cinco, lançou o País no estado se guerra.
Alguns militantes da FALN foram convocados para treinamento militar (aulas de sobrevivencia) nas matas que ainda existiam na região.
Mais tarde, em outubro de 1969, a polícia desmontou o campo de treinamento guerrilheiro nas matas de terras nobres da Fazenda Boa Vista-Guatapará, ás margens da rodovia que liga Sertaozinho a Pitangueiras.
E bombas incendiárias explodiram na Coca-Cola, em cinemas, nos Correios e Telégrafos, nas Lojas Americanas.
Porém, o que chamou a atenção das autoridades foi o assalto e o furto de dinamite de uma pedreira da Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto.
O delegado Sérgio Fleury, parceiro do Cenimar e algoz dos comunistas armados, chegou rápido ao interior.
Promoveu um impressionante ‘arrastão’ – mais se 500 pessoas foram presas na região- inclusive sacerdotes e freiras.
A desgraça de Madre Maurina deu-se nesse contexto da guerra interna.
O Lar Sant’ana que ela dirigia era um ‘aparelho’ da subversão.
“Madre Superiora agia com os terroristas”.
A manchete espetacular do jornal Última Hora revelou o escândalo que estremeceu as relações entre o Clero e os militares.
Na página, as fotos e os nomes de Mário Bugliani; Luís Gonzaga da Silva; Madre Maurina Borges da Sulveira; José Ivo Vanucchi; Guilherme Simões Gomes; e Áurea Moretti.
A madre era inocente nesta história violenta.
“Eu acho que o único erro que Madre Maurina cometeu, ela não era nada subversiva, foi um grupo de esquerda que começou a frequentar e usar o colégio, e quando a coisa estourou, ela resolveu queimar as coisas”.
Esse depoimento do delegado Renato Ribeiro Soares, que realizou a prisão da religiosa torturada, em entrevista de 2009 ao Jornal A Cidade, esclareceu muita coisa.
Madre Maurina, presa em Cravinhos, foi vítima de cruéis sevícias físicas e morais.
Nunca confirmou o estupro e a possível gravidez na prisão.
Os delegados que a prenderam, Miguel Lamano e Renato Guimarães, do Dops local, foram excomungados pela Igreja Católica.
Contra sua vontade, pois não queria deixar o Brasil, Madre Maurina foi libertada e exilou-se no México em troca da vida do cônsul japonês Nobuo Okuchi, em 1970.
Palavras-chave: anos de chumbo; a via-crucis de Madre Maurina.
*João Teixeira, jornalista e escritor, integra o Conselho Editorial do Jornal Contratempo.
TEXTO QUE COMPLETA ESTE TEXTO> https://g1.globo.com/sp/ribeirao-preto-franca/noticia/2023/02/04/documentario-brasileiro-sobre-freira-torturada-na-ditadura-militar-e-premiado-na-espanha.ghtml