AINDA SOBRE O OSCAR: “A BALEIA” (2022), FILME EVITÁVEL, OSCAR INEVITÁVEL
Por Bruno Yashinishi
Por hábito assisto a todos os filmes indicados anualmente para a categoria de Melhor Filme na premiação do Oscar. Também por hábito, aguardo uns dias, até que todas as experiências cinematográficas possam ser melhores digeridas e, só então, me proponho a escrever ou falar com mais propriedade dos filmes.
Todos os filmes indicados em 2023 não são tão surpreendentes em relação às últimas cerimônias. Claro que, “Os Fabelmans”, de Steven Spielberg, ou então o vencedor “Tudo em todo lugar ao mesmo tempo”, de Kwan e Scheinert possuem pontos muito positivos. No entanto, a Academia deixou fora da concorrência o filme mais falado e potente do grande circuito em 2022. “A Baleia”: de Darren Aranofosky.
Como de costume, os motivos para indicar ou não um filme são passíveis de questionamentos. Isso inclusive faz parte do fetichismo do Oscar enquanto a premiação mais eufórica e, em termos artísticos, menos reluzente do Cinema. Porém, desta vez, tornar “A Baleia” um filme evitável na premiação certamente é uma grande injustiça ou uma grande incompreensão. Evidentemente que ganhar ou não ganhar a estatueta pouco interfere na força audiovisual que ultrapassa a forma do filme e potencializa seu conteúdo. Mas um entendimento inseparável de forma e conteúdo é o que acaba potencializando a apreciação de um filme.
Assim como em filmes anteriores de Aranofsky, como “Mãe” (2017), “O Cisne Negro” (2010) ou “Réquiem para um sonho” (2000), “A Baleia” é comovente, excitante, profundamente metafórico e com personagens fortemente catárticos. O professor Charlie (Brendan Fraser), que vive recluso em seu apartamento e sofre de séria obesidade e compulsão alimentar, tem uma relação conturbada com sua ex-mulher Mary (Samantha Morton) e, principalmente, com sua filha adolescente Eliie (Sadie Sink). Tendo rompido com a família para viver um relacionamento com um ex-aluno, Charlie sente-se culpado e deprimido por duas razões: a primeira, pelo fato da morte de seu companheiro, muito motivada pelo fundamentalismo religioso; a segunda, por ter abandonado sua filha, o que faz com que ela o despreze categoricamente.
Ambientada quase que exclusivamente dentro do apartamento de Charlie, os acontecimentos da trama se desenrolam de forma surpreendente. Somos apresentados a personagens icônicos como o jovem e controverso missionário, o entregador de pizzas curioso e Liz, irmã do falecido companheiro de Charlie em uma atuação espetacular de Hong Chau.
Tudo o que acontece no filme é premeditado e está em perfeita sintonia com sua carga dramática. Desde o título: “A baleia”, intencionalmente provocador por quebrar a analogia imediata do animal marinho com a personagem principal, já que se refere diretamente a “Moby Dick” (1851), de Herman Melville. O contexto apresentado é recheado de atualidades, tais como o ensino através de aulas online, a política de Trump nos EUA, o uso corriqueiro do aparelho celular e das redes sociais virtuais, etc.
No entanto, apesar de sua força, o filme foi evitado na principal categoria. Em alguns círculos de debates nas mídias encontram-se objeções e críticas com relação à forma com que o tema da obesidade e a caracterização e performance de Brendan Fraser tenham sido apresentados. Obviamente que boa parte dessas críticas é séria e deve ser levada em consideração, sobretudo na preocupação em se combater preconceitos tão latentes e expressos sob a forma de gordofobia e homofobia. Por outro lado, o cinema sempre foi capaz de tocar em temas sensíveis de forma não tão sensível para sensibilizar. O que quero dizer com isso? O filme trata justamente da discriminação e da forma como o discriminado a enfrenta cotidianamente.
Charlie não é o primeiro personagem da cinematografia a ser construído através de técnicas, como a do “fat suit”, assim como o uso desse tipo de artifício não foi empregado como chacota ou fomentador de estigmas sociais. Muito pelo contrário.
Vale lembrar outros personagens na história do cinema que também foram “construídos” utilizando técnicas parecidas como esta e que, por sua vez, saíram indicados e premiados em cerimônias do Oscar. Por exemplo, John Hurt interpretando John Merrick em “O homem elefante” (1980), de David Lynch; ou Nicole Kidman interpretando Virginia Woolf em “As horas” (2002), de Stephen Daldry.
A questão da morbidade ou personagens que apresentam debilidades físicas ou mentais provocadas por doenças também já foi representada em diversos outros grandes filmes de maneiras diferentes. Só lembrando dois atores premiados nos últimos anos: Joaquin Phoenix como Arthur Fleck em “Coringa” (2019), de Todd Phillips e Anthony Hopkins como Anthony em “Meu pai” (2020), de Florian Zeller.
Apesar do tratamento subestimado, “A baleia” possibilitou o prêmio de Melhor Ator a Brendan Fraser. Sem dúvidas, o Oscar era inevitável ao ator que desempenha a melhor atuação de sua carreira que concomitantemente vive uma fase de “regeneração”. Fraser conseguiu entregar uma personagem catártica, provavelmente muito por conta daquilo que o próprio ator passou em episódios trágicos em sua carreira e vivência pessoal. Oscar inevitável, acima de tudo, merecido.
Em seu emocionante discurso na cerimônia, Fraser disse: “Se você, como o Charlie, que interpretei neste filme, de alguma forma luta contra a obesidade ou apenas sente que está em um momento obscuro, eu quero que você saiba que você também pode ter força para apenas se levantar e ir para a luz. Coisas boas vão acontecer”… Reflexão inevitável.