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AO MESTRE, COM NEM TANTO CARINHO: NEGACIONISMOS COMO DESAFIOS PARA A PRÁTICA DOCENTE EM 2022

AO MESTRE, COM NEM TANTO CARINHO: NEGACIONISMOS COMO DESAFIOS PARA A PRÁTICA DOCENTE EM 2022

Por Bruno Yashinishi

Era de se esperar que as eleições de 2022 fossem as mais importantes para a história brasileira desde o processo de redemocratização no final dos anos 1980. Era também de se esperar que, após o previsível segundo turno da eleição presidencial, os ânimos se acirrassem e que todo e qualquer tipo de ataque cruzasse as linhas das candidaturas do atual presidente Bolsonaro (PL) e do ex-presidente Lula (PT).
A polarização política já em evidência na sociedade brasileira, pelo menos desde 1989, ganhou mais força com as manifestações de junho de 2013, passando pelo golpe parlamentar que afastou Dilma Rousseff (PT) em 2016, pelo nefando governo Temer (MDB), pela prisão de Lula e eleição de Bolsonaro em 2018 e pela pandemia do Coronavírus deflagrada em 2020.
Esse turbulento contexto social, político, econômico afetou diretamente a Educação, não só na dimensão macro e estrutural, mas, principalmente na educação micro, aquela da prática docente e na relações diretas com os estudantes, pisando no chão da escola entre as quatro paredes das salas de aula.
Praticamente todas as disciplinas escolares estão sofrendo com as visões intencionalmente distorcidas da conjuntura atual, trazidas para a sala de aulas por estudantes, que coletam informações falsas facilmente, já que elas mesmas chegam até eles através de um simples toque na tela de seus celulares e são pulverizadas pelas redes sociais virtuais em um ritmo e alcance sem precedentes.
Não vou me alongar aqui sobre a evidente e fundamental necessidade do professor ser um intermediário no conhecimento escolar a respeito disso. Até porque docentes estão inclusive adoecendo ao verem as lâminas do pensamento acrítico, sensacionalista e negacionista os ferirem em sua própria carne.
No caso de nós, professores de Ciências Humanas (Filosofia, História, Geografia, Sociologia), nos tornamos a ponta de lança dessa guerra de narrativas, que já não mais se limita ao conteúdo, mas alcançou a forma da retórica.
Em aulas de Geografia, alunos questionam a veracidade do fato de que o Brasil regrediu econômica e socialmente nos últimos 10 anos, argumentando que se trata de ataques falsos ao atual governo Federal e sua política econômica. Professores de Filosofia são confrontados em suas reflexões da tradição filosófica por argumentos obscuros, como o de gurus da internet (tais quais Olavo de Carvalho e Padre Paulo Ricardo, por exemplo). Os docentes de Sociologia são obrigados a tratar de conteúdos importantíssimos, como o pensamento de Karl Marx, movimentos sociais e a questão de gênero, entre outros, de forma quase que tímida, negligente e na defensiva.
Em História, temas como “ideologia de gênero”, “doutrinação marxista”, “marxismo cultural”, “combate à vacinação”, “terraplanismo”, entre outros, antes vistos com chacota e descrédito, hoje se apresentam como desafios reais à prática docente no Brasil.
Nas últimas semanas, falar em política em sala de aula, ainda que de forma didática e curricular tornou-se uma nova guerra santa, envolvendo inclusive o comportamento religioso dos dois candidatos à presidência da República. Esquivar dessa discussão não faz parte do êthos do professor de Ciências Humanas, que tem por dever transmitir e ensinar todo o arsenal teórico e disciplinar de que tem conhecimento para tentar dissipar a ignorância, o obscurantismo e, por fim, a mentira.
Entretanto, não está sendo fácil. Percebemos que a Educação brasileira vai mal e piora progressivamente ao perder seu encanto para as plataformas virtuais que são acessadas e consumidas (ainda que liquidamente, em termos de Bauman) com maior adesão e facilidade pelos estudantes. Não estou culpabilizando as alunas e alunos, mas boa parte deles age de forma maliciosa e astuta (às vezes por motivações externas), trazendo “presentes de grego” para desafiar, expor e ridicularizar professores. Ao contrário do título do filme “Ao mestre, com carinho” de 1967, onde a atuação de Sidney Poitier como professor negro tornou-se marcante, estamos vivendo dias em que “Ao mestre com nem tanto carinho” são proferidos desafios à prática docente.
Assim como no julgamento de Sócrates em Atenas, os mestres estão sendo confrontados e sentenciados à morte intelectual por seus interlocutores, que alienados à realidade que os cerca e, muitas vezes, incitados por membros familiares ou “amigos” da internet, buscam no revisionismo histórico e no negacionismo as armas para suas acusações, rejeitando a ciência, o conhecimento herdado e o fato como contrários a seus argumentos. A imagem que escolhi para ilustrar o início desse texto é um “meme” feito por mim, na tentativa de promover a ação catártica dos leitores, nos ditames aristotélicos.
Apesar de tudo, apesar de termos passado um dos mais nebulosos Dia dos Professores nesse outubro de 2022, é preciso criar forças em conjunto para reanimar as esperanças, acreditar no potencial inegável da Educação para a transformação do mundo e, sempre que possível, não aceitar o cálice da cicuta , mas oferecer aos estudantes e companheiros docentes o estudo contínuo, a preparação psicológica, a postura necessária e principalmente, o amor à Educação que supera todo o ódio valendo-se de práxis de liberdade e emancipação.

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