DOCÊNCIA E EXPERIÊNCIAS EDUCATIVAS: UM DIÁLOGO COM PROFESSOR JEAN CARLOS MORENO (UENP-UEL)

Por Bruno Yashinishi
Estamos na reta final de mais um ano letivo. 2022 foi um ano intenso em todos os aspectos. Ainda no contexto de uma pandemia, mas graças à ciência, com uma taxa de letalidade bem menor do que nos dois anos anteriores, recebemos em nossas instituições de ensino aqueles alunos e alunas que anteriormente estavam privados do ensino presencial e cursaram seus anos letivos de forma remota, domiciliar ou semipresencial.
Do ponto de vista da práxis, do chão e do cotidiano escolar, enfrentamos novas situações que, por um lado, nos trouxeram desafios e problemas inéditos e, por outro lado, nos motivaram a repensar qual o papel do professor e da Educação como um todo na configuração da sociedade atual.
Diante desse tema, entrevisto o Professor Jean Carlos Moreno, que leciona nos cursos de Licenciatura em História, Especialização em Humanidades e no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP), no Mestrado Nacional em rede – ProfHistória e no Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Pós-doutor em História, Cultura e Identidades pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), com estágio na Universidad Nacional de General Sarmiento, da Argentina, professor Jean possui doutorado em História e Sociedade pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), mestrado em Educação, especialização em Linguagens, Imagens e Ensino de História, licenciatura e bacharelado em História pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Além disso, é membro do Conselho Consultivo da Associação Brasileira de Pesquisadores do Ensino de História (ABEH), coordenador do Projeto Residência Pedagógica História e líder do Grupo de Pesquisa em Ensino de História da UENP.
BY: Professor Jean, em primeiro lugar, agradeço por essa entrevista e expresso publicamente a grande satisfação em ter sido seu aluno na graduação e na especialização na UENP de Jacarezinho-PR. Com certeza o senhor é uma das maiores referências em todos os aspectos de minha formação acadêmica e profissional. Lá se vão mais de dez anos desde a minha primeira graduação e muita coisa mudou nesses últimos anos. Com relação ao contexto atual e a situação exposta no início desse texto, como o senhor percebe as consequências da pandemia na área da Educação?

JCM: Olá professor Bruno. Eu que agradeço, a você e ao Jornal Contratempo, pela oportunidade de conversa. Tenho certeza que você é uma referência para todos os docentes do Colegiado de História na UENP. Professores como você, com alto grau de compromisso intelectual, ético e social, fazem valer a pena todos os desafios da docência no Ensino Superior, especialmente o trabalho com a formação de futuros docentes.
A pandemia, de fato, impactou sobre a educação formal. Estudantes da Educação Básica e Superior ficaram, especialmente, privados de uma das funções da escola que é a socialização republicana: o convívio com as diferenças, o exercício da democracia dentro da instituição escolar, o aprendizado e a prática dos direitos e das responsabilidades coletivas. Mesmo que houvesse qualidade tecnológica para tanto, a educação à distância não substituiria, com a mesma qualidade, a interação necessária entre os professores e alunos. Há uma dimensão subjetiva fundamental no processo educativo que se revela nos pequenos gestos, posturas e olhares trocados entre os alunos e entre estes e seus professores.
Tudo isto reverberou, evidentemente, sobre outra função da escola que é a da alfabetização científica. A pressa, especialmente nos sistemas públicos que pudemos acompanhar, com que se tentou resolver ou encobrir os problemas trazidos pela necessidade de isolamento, acarretou um déficit de aprendizagem que ainda estamos por resolver.
Contudo, mesmo com toda a gravidade, pode-se observar que a pandemia foi só um dos problemas que a educação, singularmente a Educação Básica, atravessou neste período. Em verdade, acompanhamos desde, ao menos, 2017, um aumento do desejo de controle sobre a atividade docente. A pressão por resultados em avaliações externas, a extrema burocratização, a imposição de práticas homogeneizadoras e a vigilância sobre a execução do currículo têm gerado um grande desgaste para o corpo docente, que já vinha sofrendo há algum tempo com perdas de direitos trabalhistas, precarização das condições de trabalho, principalmente, com o número excessivo de alunos por sala de aula.

A maior parte dos estudiosos do mundo do trabalho sabe que o controle sobre os processos e os resultados do seu trabalho é condição de motivação essencial para qualquer trabalhador. O desejo de transformar os docentes em meros repetidores de situações pedagógicas, pensadas fora do contexto de cada escola, tem como consequência o descrédito dos professores no seu próprio potencial de, através das suas ações e escolhas, contribuir na formação dos seus alunos e na melhoria da vida coletiva, objetivo último da escola.
A perspectiva com que trabalhamos é de resistência a esta situação. Ainda que seja muito difícil, não podemos abrir mão de formar professores como ‘intelectuais transformadores’ na feliz expressão de Henry Giroux. Os docentes, então, têm história, leitura dos livros e leitura de mundo, posições políticas, dilemas e afetos. A escolarização é uma relação humana, fundamental das sociedades modernas. Não haverá nunca como termos bons resultados da educação escolar sem considerarmos e valorizarmos a subjetividade e a competência profissional de cada docente. Esta afirmação é uma daquelas obviedades que precisamos repetir por que parecem ser esquecidas ou encobertas propositadamente.
Enfim, temos déficits a superar do período da pandemia, mas ainda mais a recuperar em direção à autonomia e à valorização dos docentes.

BY: O senhor possui uma vasta experiência na área do Ensino e da prática docente. Me lembro que durante minha graduação, o senhor nos apresentou sua tese de doutorado sobre a questão das apropriações e representações sobre as identidades brasileiras em manuais didáticos. É possível afirmar que essas identidades (ou apropriações e representações delas) sofreram algum tipo de mudança diante da situação política e do caos instaurado nos últimos anos na sociedade brasileira?

JCM: Acredito que as lutas por igualdade dos excluídos das promessas da modernidade são uma das causas principais da reação autoritária e conservadora no Brasil e no mundo.
Durante os anos 2000 vivemos, no Brasil e em outros países da América Latina, uma ascensão da presença dos movimentos populares organizados na vida pública. Construíam-se, paulatinamente, novas condições sociais, políticas e culturais para não apenas denunciar as injustiças, mas, também, possibilidades de efetivar as promessas de igualdade da modernidade.
Entende-se, então, o caos a que você muito bem se refere, professor Bruno, como uma ação propositada, de abalo dos fundamentos que proporcionaram o funcionamento da sociedade civil nos Estados Nacionais Modernos até então. Estes questionamentos, ao invés de insistir e alargar as bases da modernidade e do humanismo de padrão iluminista, para repensar as identidades históricas, em um mundo global policêntrico, pautado na interculturalidade, propuseram, na verdade, retomar as bases da Doutrina de Segurança Nacional, advinda da Guerra Fria, com seus perigosos delírios da existência de inimigos internos. Dentre estes inimigos, claro, estariam aqueles movimentos que lutam pelos direitos de minorias ou maiorias (como no caso das mulheres e afro-brasileiros) capazes de minar as estruturas do colonialismo interno, empoderando-se e fazendo ecoar suas próprias vozes. O caos propositado, gerado pelos grupos liberais e conservadores, é a tentativa de socialização do medo que, de fato, eles sentem de perder seus privilégios.
Do ponto de vista de quem trabalha na linha de frente da formação de docentes, apenas observo/penso, sem tanto rigor, que meus jovens alunos, futuros professores, que se identificam com os feminismos, movimentos LGBT, afros e indígenas não vivem esta identificação somente do ponto de vista da realização individual, mas, também, da justiça social. São, portanto, mais abertos à construção de uma perspectiva não egoísta de mundo. Mas entendo o argumento de que a indústria cultural pode se apropriar das demandas da realização pessoal, afeto e autoestima na direção das relações de consumo. Às vezes me parece que a diferença está na escala da observação. A gente que está ali vendo, acompanhando, esta transformação em cada ser humano que vai se descobrindo e levando esta mudança/conquista consigo para os seus relacionamentos pessoais, profissionais, familiares, comunitários; percebe que ele/a vai criando possibilidades de resistência, ainda que precárias; situação ainda mais visível em momentos drásticos como este que passamos nos últimos quatro anos. Deste ponto de vista, numa reflexão não tão rigorosa, estas diversas consciências identitárias nem sempre se opõem a uma consciência de classe e da superação coletiva da colonialidade.     
Penso, então, que as epistemologias negras, feministas, indígenas etc. não nos ensinam somente sobre negros, indígenas e mulheres, mas sobre ‘nós’ brasileiros, ‘nós’ latino-americanos’, ‘nós humanos’. Há muito ainda o que aprendermos e meus alunos, “engajados” me ensinam olhares novos todos os dias.
Precisamos afirmar e ouvir as vozes daqueles que foram segregados até para entender as contradições do humanismo moderno, da ciência, da separação entre técnica e ética, já analisados por pensadores como Hanna Arendt e Theodor Adorno, mas que agora ganham contornos mais dramáticos, profundos, com potencial de nos fazer pensar sobre o que é a vida digna, como podemos direcionar nossa libido, nossos desejos para além da sociedade de consumo.
É neste sentido que o mundo mais pluriversal, que vem avançando, paradoxalmente, contribui para que a vida e as lutas coletivas, ganhem caráter, de fato, universal na construção de um mundo mais justo e fraterno.
Os últimos quatro anos foram de perseguição aos movimentos sociais e culturais, que reivindicam algum tipo de afirmação identitária, mas tudo indica que estes movimentos estão saindo ainda mais fortes deste processo.

BY: Professor, filósofos da Educação, como John Dewey, por exemplo, atestam o valor da experiência como fundamental à docência. Diante de suas experiências educativas durante esse ano letivo de 2022, como o senhor vê o rumo que os cursos de licenciatura e Pós-Graduação relacionados ao ensino têm tomado no país?

JCM: O conceito de experiência é muito importante para as Ciências Humanas. Vários autores nos ajudam a pensa-lo, além da, fundamental, concepção de Dewey: Benjamin, Thompson, Larrosa, Rüsen.
Mas o que eu imagino – e, por favor, me corrija se eu estiver errado, professor Bruno – é que a sua pergunta nos desafia sobre a questão da dicotomia entre licenciatura e bacharelado que atravessa a formação de docentes no país.
Este é um problema de longo prazo, ao qual, neste espaço, podemos somente dar algumas indicações.
Os cursos de licenciatura no Brasil se constituíram a partir de uma separação clara e extrema entre formação para a ciência de base e formação para a docência, com clara depreciação para esta última. Em muitos casos, os professores para estas duas ‘formações’ estavam em departamentos e até prédios separados.
Muitos liam – talvez ainda leiam – esta situação como uma dicotomia entre teoria e prática. O que há na verdade é um desprezo sobre os saberes da e para a docência. É difícil, ainda hoje, que se reconheça que estes são frutos de investigação e submetem-se a procedimentos de pesquisa tão ou mais rigorosos que qualquer outro campo científico.
A situação vem mudando muito lentamente. No campo do ensino e da teoria da História, por exemplo, a teoria elaborada por Jörn Rüsen é uma importante contribuição para a superação do embate apontado anteriormente. A matriz disciplinar ruseniana aproxima a Didática da História e a Ciência da História, colocando-as como partes de um mesmo saber, em igualdade e dignidade, ao salientar os propósitos que os dois lugares institucionais comungam: o desejo de apontar e superar as fragilidades da memória, do senso comum e suprir a carência de orientação no mundo contemporâneo.
Porém, é fato que, nos cursos de formação, esta condição vem sendo debatida ao longo dos anos, mas ainda estamos longe de conseguir oferecer uma formação docente ideal. Para isso, pesam a tradição dos cursos, os interesses corporativos das cátedras, as condições estruturais das escolas e universidades e a própria atração que a profissão docente – que exige um grande investimento de esforço dos jovens para sua formação – oferece em termos de sobrevivência econômica, carreira e condições de trabalho.
Algumas novidades importantes podem ser elencadas. Há cursos de História oferecendo formação em tempo integral ou em maior número de anos. Há, desde 2007, programas federais importantíssimos, com bolsas para os docentes em formação, como o PIBID e o Residência Pedagógica. Na pós-graduação, temos os mestrados profissionais – como o ProfHistória – oferecido para os docentes atuantes na Educação Básica – e há uma recomendação da CAPES para que todos os programas acadêmicos de mestrado e doutorado, que envolvam as licenciaturas, passem a oferecer, ao menos, linhas de pesquisa que envolvam a Educação.

BY: Compartilhando algumas experiências, tive o privilégio de lecionar durante esse ano para séries do Ensino Fundamental II (6º e 7º anos). Percebi dentre muitas coisas, que as crianças e adolescentes têm apresentado diversas habilidades influenciadas pelo domínio das redes sociais virtuais e da interação direta com esse meio. No entanto, não emitindo aqui um juízo de valor, percebi em vários casos aquilo que alguns especialistas denominam como “síndrome do pensamento acelerado”. Essa realidade também se faz presente no Ensino Superior?

JCM: Sim. Você tem razão. Toda nova tecnologia cria novas sensibilidades que vão se incorporando como uma segunda natureza.
Posso te dar um exemplo concreto. Durante muito tempo trabalhei com oficinas de cinema na Educação Básica e, depois, no ensino superior. Em 2015 fui retomar este trabalho, a partir do PIBID (programa de iniciação à docência), com alunos do Ensino Fundamental e do Médio. Eram oficinas de contraturno, onde havia uma sessão de cinema e discussão posterior sobre filmes pré-selecionados.
Acompanhando de perto, ficou evidente que os estudantes da Educação Básica não conseguiam manter a atenção em filmes mais longos, mesmo os que eram pensados para as suas idades. O ‘velho’ cinema se defrontava agora com a linguagem e o modo de edição das séries, dos vídeo-clips, com a aceleração extrema das imagens e dos sons.
Mas esta não foi a minha surpresa. A minha surpresa – às vezes a gente se surpreende por que está com as expectativas erradas rsrs – a minha surpresa foi perceber que meus alunos do ensino superior também não conseguiam manter a atenção nos filmes.
Sem ser passadista ou saudosista, e não tendo estudos mais aprofundados sobre o assunto, penso que a “síndrome do pensamento acelerado”, a que você se refere, traz novos e grandes desafios para quem trabalha com a educação. É preciso atenção dirigida, por certo tempo, para ler uma imagem com profundidade, fazer um estudo do meio ou, claro, mergulhar num clássico literário.
O que não podemos é nos enganar. Estamos todos imersos neste movimento.
Esta aceleração não vem somente do campo das tecnologias. Como professor de programas de pós-graduação tenho que ficar cobrando prazos dos estudantes-pesquisadores e tenho consciência que nem sempre consigo oferecer-lhes um tempo para digerir suas leituras.
Talvez mais devido a uma questão de geração, quando podemos, tentamos resistir à comida apressada dos shopping centers da vida, do ritmo frenético dos preparatórios para vestibular.
Como você sabe, professor Bruno, o tempo não é dinheiro, mas ele está em disputa.
A tecnologia nos ajuda em centenas de possibilidades, mas de vez em quando seria interessante, desligar os celulares e levar os nossos alunos a contemplar as belezas do nosso mundo, resistindo à pressa, fazendo hora, indo na valsa…

BY: Sobre a questão do ensino/aprendizado em Ciências Humanas, estão em curso as mudanças promovidas pela BNCC e pela Reforma do Ensino Médio. Como o senhor avalia essas mudanças curriculares e educacionais na prática?

JCM: São dois temas extremamente polêmicos e interconectados. Só na área de História já passamos dos 500 artigos publicados sobre a BNCC, desde 2015, até onde eu consegui acompanhar.
De início, grupos que defendiam a existência de uma base comum em território nacional, argumentavam em favor de certo nivelamento democrático entre os estados da federação. Aqueles que se posicionavam contrários, por sua vez, criticavam justamente esta tendência à homogeneização.
No caso do ensino de História, porém, já existia este currículo nacional padronizado – o currículo editado dos livros didáticos, adotado em todo o território à revelia das diretrizes estaduais.
Neste sentido, a BNCC para o ensino de História, do Fundamental II, não trouxe novidade alguma (ressalvando que existiu uma tentativa de mudança que foi rechaçada).
É preciso considerar que a BNCC expressou também o desejo de grandes grupos privados financiadores, que se imiscuíram no seu processo de produção com interesses difusos. Em geral se buscava construir outra forma de afeto político, dentro do neoliberalismo, produzindo uma nova inteligência emocional, como diz o professor Safatle, tornando todos “empresários de si mesmos”.
Além disso, havia, evidentemente, o interesse imediato na padronização nacional por parte de grandes redes privadas de ensino, indústria de apostilas, indústria de livros didáticos e mídia ligada a esses universos de investimento e lucro. Quer dizer, alguém pode lucrar com o controle sobre a autonomia docente. Se o professor não pode expressar suas ideias, o que a gente faz? Cria um sistema – apostilas / cursos – que o prof. tem que seguir para atingir metas de avaliação externa.
Mas, infelizmente, não é somente esta situação – como se já não bastasse – que tem impedido que avancemos na qualidade do currículo para a Educação Básica. Para além das questões dos investimentos materiais, existem tradições, culturas escolares arraigadas, corporativismos, códigos disciplinares que, por vezes, aparecem como algo natural a ser defendido mesmo por professores progressistas. Assim é que, com apoio de grupos historiadores organizados, a BNCC aprovada em 2017 expressa o desprezo pela pesquisa no Ensino de História, mantém a tradição de se estudar “toda a história” no Ensino Fundamental e reafirmas a política do tempo de encadeamento cronológico com a Europa como condutora desta História. Tal situação é um entrave para um professor que queira trabalhar de maneira mais significativa, pois impõe, pela quantidade de assuntos a serem trabalhados e a indiferenciação qualitativa entre eles, a aula apenas como enunciação e a aprendizagem somente como retenção de informações históricas.
Já a Reforma do Ensino Médio não foi algo discutido com a sociedade e faz parte do golpe perpetrado em 2016. Ela veio com a promessa de um currículo flexível em escolas de período integral. As disciplinas escolares foram agrupadas em macro áreas. Na prescrição do núcleo comum, as Ciências Humanas perderam espaços, embora, como o Estado não é um bloco monolítico e há profissionais com visão progressista dentro das secretarias de Educação, algumas trilhas de aprendizagem (opcionais) propostas sejam bastante interessantes do ponto de vista da aprendizagem significativa das Ciências Humanas.
Penso, então, que o efeito mais visível, por enquanto, da BNCC e da Reforma do Ensino Médio é o controle burocrático abusivo sobre a atuação docente, a precarização, com a liberação de contratação de profissionais sem formação e, pelo que conheço dos estados de São Paulo e Paraná, alguns passos a mais no desejo de privatização, com contratação de empresas que fornecem cursos técnicos presenciais e à distância para os estudantes.

BY: Minha experiência como professor completa sete anos em 2022. Podemos dizer que eu, assim como muitos de nossos leitores, ainda estou no início da vida docente. O senhor pode nos dar algumas admoestações ou conselhos tendo em vista toda sua experiência enquanto professor e estudioso da Educação?

JCM: Posso propor problemas para pensarmos juntos, pois avaliando minha experiência acho que cometi mais erros do que gostaria e tenho consciência que o aprendizado nunca acaba.
O que tenho de compromisso comigo mesmo, pela minha formação de historiador, é não naturalizar o mundo social que encontro. Saber que ele é construído por seres humanos e passível de ser repensado ou melhorado é fundamental. Especialmente nós, professores de História, temos que ler historicamente a escola, seus ritos, seus conteúdos, seus métodos, sua arquitetura física e simbólica. Mesmo que não consigamos mudar tudo, seremos professores melhores, tendo consciência de que estas estruturas e práticas foram escolhidas por alguém, em algum momento e com algum objetivo.
Mas quem pode nos ensinar algo, perene, de fato, neste sentido, é Paulo Freire. É ele que nos admoesta a entender que Educar exige a corporificação das palavras pelo exemplo. Trata-se de algo que se fala, se faz e se vive. A força da nossa palavra, do processo formador que defendemos e tentamos realizar, vem do testemunho da nossa vida prática. Não se muda nada sem honestidade, coerência, sem diminuir a distância entre o que dizemos e o que fazemos. Isto inclui a disponibilidade para o diálogo, quando, conscientes da nossa incompletude, percebemos que há sempre o que ensinar e sempre o que aprender.

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