O PÂNICO MORAL COMO INSTRUMENTO ELEITORAL: REVISITANDO LARANJA MECÂNICA (1971)

Por Bruno Yashinishi

O diretor de cinema norte-americano Stanley Kubrick (1928-1999) foi um dos maiores gênios e realizadores da sétima arte no século XX. Sua filmografia é relativamente curta, mas filmes como 2001: uma odisseia no espaço, O iluminado, Dr. Fantástico ou Nascido para matar, por exemplo, tornaram-se clássicos inesquecíveis e obrigatórios do cinema mundial.
Em 1971, Kubrick lançou o mais polêmico de seus filmes: Laranja Mecânica, adaptação do romance homônimo de Anthony Burgess. A trama se desenvolve em um futuro próximo, onde a violência urbana é fomentada por grupos de jovens delinquentes. Alex De Large (Malcolm McDowel) e mais três companheiros formam um bando que comete diversos crimes na vida noturna. Certa noite, Alex é traído pelos seus amigos e acaba preso por um assassinato. Na prisão, o jovem vive uma disciplina rígida e toma conhecimento de um método radical de ressocialização denominado “Ludovico”, ainda em fase de testes pelo governo. Alex torna-se voluntário do experimento, que como uma lavagem cerebral o condiciona a uma extrema repulsa aos seus impulsos violentos, tornando-o um cidadão “perfeitamente saudável” para o convívio social. Entretanto, o método possui graves efeitos colaterais, fazendo com que Alex não consiga mais adaptar-se a uma sociedade tão violenta quanto ele mesmo tenha sido.
Nessa distopia de Kubrick, o “pânico moral” serve como instrumento político para angariar apoio eleitoral. Essa expressão foi usada pela primeira vez por Jock Young em 1971, coincidentemente no ano de lançamento de Laranja Mecânica, mas popularizou-se com a obra “Folk Devils and Moral Panics”, de Stanley Cohen, do ano de 1972. Para Cohen, o “pânico moral” é um sentimento amedrontador, intencionalmente espalhado por um grupo de pessoas para instaurar um alerta de ameaça ao bem estar social.
Esse sentimento é sistematicamente construído e instalado através de cinco estágios. 1º: Alguma ideia, pessoa ou grupo de pessoas é tratado como ameaça às normas sociais estabelecidas; 2º: Essa ameaça é representada por signos ou símbolos facilmente identificáveis; 3º: Esses símbolos geram a preocupação pública; 4º: As autoridades identificam e combatem essa ameaça de várias formas; 5º: O “pânico moral” acarreta mudanças na estrutura social.
No caso de Laranja Mecânica, os jovens criminosos são considerados ameaças reais ao bem estar social. As autoridades investem em um método inexorável à liberdade de escolha, muito mais como propaganda política da eficiência do governo no combate à violência humana do que um processo de ressocialização propriamente dito. Alex é transformado em um símbolo capaz de demonstrar às pessoas como é possível resolver problemas sociais complexos através de soluções rápidas, eficientes e radicais, ainda que no fundo, os efeitos verdadeiros dessas soluções sejam extremamente nocivos.
Em ano eleitoral, o Brasil mais uma vez torna-se laboratório do “pânico moral” como estratégia política. Candidatos apresentam-se como baluartes da salvação moral da sociedade brasileira em discursos e propostas que não refletem em nada as verdadeiras necessidades da população, sobretudo das pessoas mais vulneráveis da sociedade. Por um lado, fecham-se os olhos para a fome, para o alto custo de vida, para as condições paupérrimas de trabalho ou desemprego, para problemas estruturais como a gritante desigualdade socioeconômica. Por outro lado, bradam os salvadores da pátria contra a ameaça comunista, contra o globalismo e a Nova Ordem Mundial, acusam opositores de promover o aborto e incentivarem o uso de drogas ilícitas, de atacarem a liberdade religiosa com o fechamento de igrejas e de propagarem uma “cultura degenerada”, contrária aos bons valore cristãos e familiares.
Muitas propostas de candidatos apresentam um novo método “Ludovico”, como o de Laranja Mecânica. A aposta e investimento pesado no “pânico moral”, propagado pincipalmente pelas redes sociais virtuais, visam aturdir o eleitorado e sequestrar a sua própria consciência política. No entanto, assim como no clássico de Kubrick, métodos salvíficos são ilusões. O voto esclarecido e consciente é a forma de dissipar a cortina de fumaça fumegada pelo radicalismo e, este sim, implica no verdadeiro patriotismo e no compromisso com a construção de uma sociedade mais justa e solidária.

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