O TELEFONE PRETO – POR QUE AS MÁSCARAS NOS AMEDRONTAM?
Por Bruno Yashinishi
Lançado em julho de 2022 nos cinemas brasileiros, o filme “O Telefone Preto”, do diretor Scott Derrickson, parece ser um dos mais promissores do gênero de terror deste ano. Baseado em um conto de Joe Hill (filho de Stephen King), o filme é relativamente simples, com um roteiro com diversas arestas e detalhes que não se encaixam muito bem, porém com uma trama repleta de suspense, apelo ao sobrenatural e, principalmente, tocante em um tema bastante sério e contemporâneo: a violência doméstica e social contra crianças.
A estória se passa em Denver, na década de 1970, onde o menino Finney Shaw (Mason Thames) leva uma vida conturbada, pois além de sofrer com a timidez e bullying na escola, também convive com o pai alcóolatra e violento, que o agride verbal e fisicamente, assim como sua irmã mais nova Gwen (Madeleine McGraw).
Denver está aterrorizada com uma série de desaparecimentos de adolescentes, alguns deles amigos de Finney. As autoridades locais supõem que se trata de um sequestrador misterioso, mas têm poucas pistas, já que os desaparecidos jamais foram encontrados vivos ou mortos. De fato, o sequestrador (Ethan Hawke) é um assassino em série que capta suas vítimas pelas ruas (crianças e adolescentes), utilizando um furgão preto e se apresentando como um mágico. No local dos sequestros, o criminoso deixa balões pretos como sua marca registrada.
A certa altura da trama, Finney também é sequestrado e levado a um calabouço em um porão escuro com um telefone preto desativado na parede. A irmã de Finney, Gwen, possui estranhos pressentimentos paranormais através de seus sonhos, inclusive visualizando de maneira onírica a figura do assassino e de suas vítimas, o que a tornará peça-chave para o desfecho do filme.
No cativeiro, Finney é constantemente visitado pelo sequestrador, que sadicamente o leva ao desgaste físico e mental. O menino tenta fugir do local de alguma forma, mas fracassa em todas as tentativas. De repente ele escuta o telefone desativado tocar e o atende, se comunicando com todas as crianças mortas ali antes dele. Através das ligações paranormais, Finney consegue armar um plano de fuga e uma emboscada ao assassino e, com as revelações de sua irmã, é finalmente encontrado pela polícia.
“O Telefone Preto” é um terror bastante sutil. Ao contrário de filmes de terror recentes, faz pouco uso do jumpscare e da violência explícita, embora as cenas de brigas ou de violência lancem mão de muito sangue e efeitos gráficos. O que mais chama a atenção dos espectadores não é tanto o enredo em si, tampouco o tom sobrenatural, mas com certeza a figura do sequestrador. O filme não conta o nome do assassino nem a motivação dos seus crimes, o que torna o vilão ainda mais enigmático. O ponto forte dessa personagem é a máscara usada por ele. Ao contrário de outros serial killers famosos do cinema slasher, como Jason (Sexta-feira 13) ou Michael Myers (Halloween), que não têm qualquer expressão facial, ou então de Ghostface (Pânico) ou de Leatherface (O massacre da serra elétrica), que são expressivas e apavorantes, a máscara do sequestrador aparenta ser de um demônio, porém com parte inferior montável, ora apresentando um largo sorriso, ora apresentando uma expressão triste e carrancuda.
É notória a referência da máscara àquelas famosas antefaces de Comédia e Tragédia usadas no teatro. O assassino de “O telefone preto” é mais um personagem icônico do terror que utiliza a máscara como elemento fundamental para provocar o medo. Mas, afinal, por que as máscaras nos amedrontam?
Primeiramente, o medo pode ser entendido como um fenômeno de caráter afetivo, uma angústia ou perturbação causada pela presença ou perspectiva de uma situação em que se arrisca a segurança presente ou futura. O medo é bastante subjetivo, entretanto parece ter o desconhecido como elemento motivador. O filósofo Luc Ferry aponta a existência de três grandes medos, compartilhados por toda a humanidade: a timidez, as fobias e o medo da morte. Finney sofre com ambos durante o filme. Para o filósofo Noël Carroll, os filmes de terror buscam promover o chamado “horror artístico”, onde mesmo sabendo que o objeto formal que direciona o sentimento é ficcional, a consciência do sujeito é estimulada de várias formas para o pavor, a angústia e o medo.
Um dos elementos mais comuns em filmes de assassinos em série para a promoção do “horror artístico” é o uso de máscaras. As máscaras são usadas há milhares de anos com objetivos diversos, como rituais religiosos, festividades ou mesmo para assustar. Em filmes de terror, as máscaras não só fazem parte da atmosfera do medo como também o promove. Talvez a principal razão de uma máscara promover o medo é ocultar a identidade do vilão, torna-lo irreconhecível e misterioso em detrimento de suas ações e maldades, estas sim, o identificam.
A grande incógnita da máscara de “O telefone preto” é se o assassino expressa o mesmo sentimento estampado em sua máscara durante a troca de feições. Já se tratando das máscaras em filmes de horror, a querela se dá em torno de suas funções na confecção de uma atmosfera assustadora e ameaçadora. Na verdade, por mais ou menos assustadora que seja, o verdadeiro horror não está na máscara, mas sim em quem a usa. Mais do que uma vitrine para amedrontar, a máscara é um véu, uma forma de ocultar o terror interno e mais obscuro de uma mente perturbada. A máscara protege quem a usa de si mesmo.