30 anos depois: 3 lições de “Jurassic Park” (1993) – Por Bruno Yashinishi
É bastante provável que aquele que viveu a infância e adolescência nos anos 1990, assim como eu, tenha recordações afetivas com os desenhos animados, séries, programas de TV e filmes que faziam sucesso na época. Também como eu, muitos não tinham condições de frequentar os cinemas de forma assídua naquele período, portanto, tinham contato com filmes novos alguns meses após suas estreias ou através da locação de fitas VHS nas videolocadoras ou, ainda, aguardando a exibição desses filmes em algum canal da TV aberta.
Não tínhamos streamings, YouTube, canais por assinatura eram caros e a internet ainda nem fazia parte de nossa vida cotidiana de forma tão corriqueira quanto nos dias de hoje. Mesmo assim, milhões de crianças, jovens, adultos e até mesmo pessoas idosas tiveram o prazer de assistirem ao filme “Jurassic Park”, de 1993, dirigido pelo famoso cineasta Steven Spielberg. O filme definitivo de dinossauros, que reinventou de forma artística e técnica a presença dessas criaturas pré-históricas nas telas do cinema. Nem mesmo 65 milhões de anos que separam dinossauros e seres humanos foram capazes de impedir o improvável encontro entre essas duas espécies na ficção cinematográfica.
Spielberg, que já havia ganhado notoriedade com superproduções como “Tubarão” (1975), “Indiana Jones: os caçadores da arca perdida” (1981) e “ET, o extraterrestre” (1992), se consolidou por inaugurar a era dos blockbusters. Ao adaptar para o cinema o livro homônimo de Michael Crichton (1990) o filme “Jurassic Park”, em 1993, o diretor e sua equipe de produção conseguiram reinventar com efeitos práticos as técnicas de stop motion, tão usadas em filmes antigos de monstros, como nos clássicos “King Kong” (1933) e “Godzilla” (1954), além de inovar com os efeitos especiais gráficos e computadorizados.
Para tanto, “Jurassic Park” foi uma produção muito cara, principalmente para a época de seu lançamento. O filme custou cerca de U$ 63 milhões, mas arrecadou mais de U$ 900 milhões de bilheteria em todo o mundo, sendo o filme mais rentável da história do cinema até o lançamento de “Titanic”, de James Cameron, em 1997. Posteriormente, tornou-se uma marca de roupas, acessórios, brinquedos, desenhos animados, produtos alimentícios, entre outros, além de tornar-se uma franquia milionária com uma série de continuações (ambas relativamente ruins se comparadas ao primeiro filme).
Acredito que não será preciso esmiuçar detalhadamente o enredo filme aqui, sendo que é uma obra muito conhecida e popular. No entanto, de forma resumida, o filme conta a história de um investidor multimilionário, John Hammond (Richard Attenborough) que através de sua poderosa empresa de bioengenharia e biotecnologia, a InGen, financia estudos e experiências científicas para a extração de DNA dinossauro presente em insetos fossilizados em ambares há milhões de anos. Com a extração do código genético dos animais pré-históricos, a InGen conseguiu sanar suas falhas através de DNA de sapos africanos e, então, pôde clonar diversas espécies de dinossauros, tomando controle laboratorial de seu processo de gestação e nascimento, garantindo que todos os animais criados fossem fêmeas.
Como se essa façanha científica não fosse o suficiente, Hammond cria um parque temático em uma ilha caribenha próxima à Costa Rica. Batizada de Jurassic Park, o parque é um zoológico de dinossauros que objetiva ser um local de visitação turística, como os grandes parques temáticos do mundo (senão, o maior deles). No entanto, após incidentes ocorridos entre funcionários e dinossauros, John Hammond é pressionado por seus advogados a realizar uma espécie de perícia em sua nova atração para inspecionar a segurança do local, principalmente por ser idealizada para receber crianças, famílias, curiosos e turistas.
A equipe de especialistas convocada para essa empreitada é formada pelos principais personagens do filme: o paleontólogo Alan Grant (Sam Neil), a paleobotânica Ellie Sattler (Laura Dern), o cientista e matemático Iam Malcolm (Jeff Golblum) e o advogado Donald Genaro (Martin Ferrero). Ambos aceitam o convite “generoso” de Hammond sem saberem o que realmente irão ver, já que a existência dos dinossauros foi mantida sob sigilo. Para incrementar essa equipe, as crianças Lex (Ariana Richards) e Tim (Joseph Mazello), netas de Hammond, também farão parte do passeio.
Tudo sai conforme o planejado até que dois elementos causam a reviravolta na trama. O primeiro é uma grande tempestade que se aproxima e impede que os visitantes continuem se vislumbrando com os dinossauros que vão encontrando pelo caminho, além de estimular com urgência a saída dos funcionários do parque para se abrigarem fora da ilha. O segundo é o funcionário Dennis Nedry (Wayne Knight), que descontente com seu salário negocia com uma empresa rival da InGen os embriões dos dinossauros e, aproveitando-se da tempestade, foge e desliga os cercados elétricos do parque, causando a fuga dos dinossauros carnívoros, que ficavam em grandes cercados.
O que vem depois acredito que todos já saibam, ou deveriam saber. A equipe de visitantes e os poucos funcionários que ficaram na sala de controle do parque são atacados pelos dinossauros. Destacam-se, entre outras, as fabulosas cenas da fuga da tiranossauro-rex, devorando Genaro que se escondia no banheiro e atacando o carro onde estavam as crianças, salvas por Alan Grant. Também é icônica a cena em que Dennis Nedry fracassa em seu plano de fuga e acaba devorado por uma dilofossauro. Por fim, com a fuga das velociraptores, diversos funcionários do parque são mortos, com exceção de Alan, Ellen, Iam e as crianças, que, por sorte, são salvos graças ao tiranossauro-rex e finalmente são levadas da ilha no helicóptero de Hammond.
É inegável que “Jurassic Park” tenha merecido o enorme sucesso que alcançou. Hoje, trinta anos depois de seu lançamento, talvez uma coisa ou outra não seja tão surpreendente aos espectadores quanto foi há três décadas. No entanto, podemos refletir sobre o filme através de três lições importantes: uma de cunho bioético, outra filosófica e outra de cunho moral.
A lição bioética diz respeito à responsabilidade do homem diante do curso natural das coisas e da vida. Engenharia genética e biotecnologias usadas para fazer clones de dinossauros, na verdade não criam ou ressuscitam dinossauros de verdade, mas dão vida a criaturas indefinidas como espécie através de laboratório. Ainda mais, o uso da ciência em prol do capitalismo desenfreado, criaturas feitas para serem atrações e angariar cada vez mais dinheiro. A vida enclausurada e determinada pelos interesses corporativos e financeiros.
A lição filosófica na verdade abre um leque para muitas outras lições, que envolvem a ética, a lógica, a ciência e a metafísica. O ser humano mais uma vez é mostrado como o homem cartesiano capaz de submeter a natureza aos seus interesses e enxergar a vida como uma máquina, um relógio que pode ser programado e controlado sob sua prepotência. A ontologia de um ser que, por sua distinção racional em relação a outros seres, se coloca como centro do universo e acredita estar no comando de tudo, inclusive da criação, da evolução e das próprias condições geológicas impostas pela natureza ao longo de milhões de anos.
Por fim, a lição moral (e não de moral) trata justamente desse tratamento da natureza pelo homem, do seu não comprometimento com a ordem natural das coisas e a arrogância de intervir de forma impositiva em leis que não são e nunca foram de sua competência. Como disse o personagem Iam Malcolm, questionado os planos de Hammond antes mesmo de visitar os dinossauros carnívoros: “A vida encontra um meio”. O que o excêntrico Dr. Malcolm diz é a maior lição de todo o filme. Os embriões congelados e manipulados, os grandes cercados elétricos de contenção, a técnica de criar apenas fêmeas, todas essas barreiras colocadas pelos criadores do Jurassic Park não foram capazes de conter a violenta reação da natureza, sendo que, os embriões foram usurpados, os cercados desligados e destruídos e as espécies procriando fora dos laboratórios, pois os sapos usados para suprir as falhas nas cadeias genéticas eram, ironicamente, de espécies capazes de mudarem naturalmente de sexo em condições específicas.
Nesse sentido, “Jurassic Park” não é um filme ultrapassado. De longe é o melhor filme da franquia e também o mais querido do público. As três lições acima mencionadas evocam o antigo ditado da sabedoria popular: “Deus perdoa sempre. O homem, de vez em quando. A natureza, nunca!”. Ditado jurássico com atualidade surpreendente.