DIÁLOGOS SOBRE LITERATURA E CINEMA: UMA ENTREVISTA COM O ESCRITOR FLÁVIO MELLO
Certa vez, o escritor, poeta e dramaturgo irlandês Oscar Wilde afirmou que “A literatura antecipa sempre a vida. Não a copia, molda-a aos seus desígnios”. O cineasta, ator e produtor estadunidense Orson Welles disse uma vez que: “O cinema não tem fronteiras nem limites. É um fluxo constante de sonho”. Frases célebres proferidas por personagens célebres. Literatura e Cinema são duas das maiores expressões artísticas já criadas pelos seres humanos. O encontro entre as duas também é célebre.
O livro e o filme, apesar da abissal diferença estrutural e linguística, em determinados momentos entrecruzam seus caminhos e, desse encontro, nascem novas formas de arte, de técnicas, expressões e experiências estéticas tão sublimes que foram capazes de marcar indelevelmente, mentes, corações e espíritos na história contemporânea.
Evidentemente, não podemos negligenciar aqui os interesses econômicos, políticos, comerciais e industriais da relação entre Literatura e Cinema. Entretanto, apesar dos pesares, são esses mesmos interesses que motivam a criatividade dessa relação. Ler pode levar a assistir e vice-versa, eis o grande trunfo desse célebre encontro!
Tendo em vista a polivalência de questões suscitadas pela relação entre Literatura e Cinema e cientes da impossibilidade de abordá-las em sua totalidade, iremos provocar algumas reflexões através de um diálogo com o também polivalente Flávio Mello.
Flávio Mello é mestre em Ciências da Religião pela PUC/SP, especialista em Práticas e Vertentes da Literatura Africana e Infantil e graduado em Letras – Literatura. Membro da Academia de Letras da Grande São Paulo, é professor, coordenador editorial, palestrante e escritor de vários livros de ficção e de contos, como “Seleção Natural” (2006), “João e seu Baú Mágico” (2009), ambos da Editora Espaço Idea, e “Seleção Natural e outros contos” (2019), da Editora D3 Educacional. Atualmente, Flávio é Diretor de Cultura do município de Siqueira Campos, no Paraná, onde desenvolve inúmeros projetos literários, artísticos, jornalísticos e culturais.
BY: Professor Flávio, primeiramente, quero lhe agradecer profundamente por essa conversa e também pelo forte vínculo de amizade e companheirismo que temos desde quando tramitávamos no País das Maravilhas que é a docência na educação básica. O senhor possui uma vasta experiência com a Cultura e Literatura. Como foi que surgiu essa paixão pelos livros e, concorda com Wilde, segundo o qual a vida molda-se aos desígnios literários?
FM: Uma honra, um prazer e é maravilhoso nosso reencontro e esse bate-papo. Oscar Wilde é além de seu tempo, atemporal, sua obra é devastadora… eu que o diga pós leitura de “De Profundis”… não há como discordar do Mestre.
Eu cresci em meio a livros e discos de vinil… eu tive a “sorte” de nascer em uma casa onde os pais, primeiramente, se preocupavam com a Arte, era involuntário… meu pai é de família de nordestinos, entende… ele declama e lia cordéis à rodo em casa, meu avô materno Arvidis Briedis, lutou na 2ª Grande Guerra, e o final de sua vida foi conosco, ele era um gênio e ao lado do meu pai competia pra ver quem lia mais – discutiam noite a dentro livros clássicos, históricos e etc – e eu? Eu era um espectador e admirador.
O livro antes de tudo me foi um brinquedo – pontes para meus tanques de guerra, fortes para meus soldados… eu ainda tenho um livro em que desenhei teclas e tela de um computador e nele escrevi minhas primeiras histórias.
BY: A chave-mestra das relações entre Cinema e Literatura parece ser a questão da adaptação. Como o senhor vê essa relação?
FM: Eu jamais gostei dessa ideia: “nossa o filme acabou com o livro”, ou “prefiro o livro” e etc. as pessoas não entendem que são plataforma diferentes e que o diretor é um leitor, antes de tudo, claramente que a imagem é outra, o sentimento é outro. Em um país que pouco se lê pensar dessa maneira me assusta. Em contra partida, veja só, há adaptações fiéis como o “Ensaio sobre a Cegueira” – o livro transcrito em imagem e som… “você nada no mar de leite”, ok, mas e ai? Qual o debate, entende? “O Curioso caso de Benjamin Button” é um texto de dez páginas… um conto, mas o filme tem 3 horas, salvo engano, pra mim uma obra prima. Posso não ter dado os melhores exemplos, mas é a minha interpretação disso tudo.
BY: Alguns escritores consideram que a adaptação cinematográfica de obras literárias as “empobrece”. Outros, no entanto, dedicam-se a escrever livros sob o molde de roteiros fílmicos, almejando sua transposição para o cinema. Até que ponto esses dois extremos contribuem com a produção cultural?
FM: Na realidade tudo é produção cultural, quando falamos desses pontos, conheço autores que não permitem que seus livros virem filme, há outros como o próprio Stephen King, que no cinema ou não é um filme. Eu vi e revi inúmeras adaptações de “Drácula”, de “Frankenstein” e por aí vai, muitas vezes isso é o mais perto que uma pessoa chegara de uma obra prima como essa na vida. Daí, tudo é válido… há pessoas que conhecem Dom Quixote, certo… mas o que elas conhecem?
BY: Tendo em vista as particularidades dos livros e as dos filmes, é possível afirmar que existem obras literárias instransponíveis para as telas do cinema?
FM: que queria muito ver uma adaptação ”verdadeira” de “Ulisses”, de Joyce, imagina… para mim – para o ser humano nada é impossível.
Me lembro da primeira vez que li “O Nome da Rosa”, do Eco, mas o choque apenas se completou quando assisti ao filme… e ver os monges de Goya, ali em movimento, fez toda a diferença.
BY: Quais as melhores adaptações literárias para o cinema em sua opinião? E para aqueles que desejam ingressar no conhecimento desse entrecruzamento artístico, quais são suas sugestões de livros e filmes?
FM: Eu não li todas as perguntas antes de responder, fui lendo e respondendo, citei inúmeros livros, indiretamente, revelando meu apreço, contudo há um filme, mudou minha vida, acredito que você não verá nada de absurdo, ou sei lá, sabe! Mas “Dança com lobos” de Michael Blake, tudo que gira em torno do momento de sua escrita até ir para o cinema, os bastidores, a atuação do meu ator preferido, Kevin Costner, sua direção… o filme é um épico. Houve uma época que eu sabia falas de cor – as estações do ano, reais, as atuações, a dramaticidade de um tema batido e surrado, pela forma tosca que muitas vezes nos é apresentado, a delicadeza de muitos diálogos, o poder impetuoso da natureza e por fim a solidão. Eu, simplesmente, amo essa obra.