Experiências de diversos municípios mostram que a concessão da água e do saneamento básico piora o serviço e aumenta a tarifa
No contexto da aproximação da audiência pública agendada pela prefeitura de Ourinhos para discutir a concessão da Superintendência de Água e Esgoto (SAE), prevista para 22 de agosto, a partir das 14h na Câmara de Vereadores, relembramos a seguir alguns casos que demonstram que a concessão dos serviços de tratamento de esgoto e abastecimento de água é um mau negócio, prejudicando o bolso e o direito à água e ao saneamento do consumidor.
Segundo estudo do Instituto Transnacional (TNI), centro de pesquisas com sede na Holanda citado pelo site Brasil de Fato, de 2000 a 2019, 312 cidades em 36 países reestatizaram seus serviços de tratamento de água e esgoto. Entre elas, Paris (França), Berlim (Alemanha), Buenos Aires (Argentina) e La Paz (Bolívia). No Reino Unido, meca das privatizações nos anos 1980, 83% da população defendem a reestatização da água, segundo pesquisa do Instituto Legatum, realizada no segundo semestre de 2017.
A reportagem afirma que “as quebras ou não renovações dos contratos ocorreram após tarifas muito altas e promessas de universalização não cumpridas, além de problemas com transparência e dificuldade de monitoramento do serviço pelo setor público”.
De acordo com o mesmo Instituto Transnacional, desta vez referenciado neste artigo científico publicado pela UFRJ, o Brasil é vice-líder em reestatização de água e saneamento no mundo, com 78 casos confirmados, ante 106 na França, o país campeão. São 77 municípios do Tocantins e mais Itu, no estado de São Paulo. Detalhamos alguns casos a seguir.
Manaus (AM) – Após duas décadas com o saneamento privatizado, apenas 12,5% do esgoto coletado na cidade é tratado, conforme levantamento mais recente do Instituto Trata Brasil. O restante é despejado no rio Negro, em igarapés e córregos. Os serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário são responsáveis por 91% das reclamações registradas na capital. Em 2018, o serviço passou a ser controlado pela Aegea Saneamento e Participações, uma das maiores empresas privadas do setor, que comprou a concessionária Águas de Manaus.
Tocantins – A Saneatins, principal companhia de saneamento do estado, foi privatizada no fim da década de 1990, quando foi adquirida pelo Grupo Odebrecht. Nos anos 2010, sem indicadores de melhoria no serviço e, após um novo acordo entre as partes, o governo estadual criou uma autarquia para assumir parte dos municípios: a Agência Tocantinense de Saneamento (ATS), pública, que passou a controlar os serviços de saneamento de 78 dos 139 municípios do estado. Segundo dados do IBGE, 7 em cada 10 moradores do estado não têm acesso a coleta de lixo, esgoto ou água tratada.
Itu (SP) – O contrato de concessão, assinado em 2007, pertencia ao grupo Bertin e o serviço foi retomado pela prefeitura menos de 10 anos depois. O poder público local alega que os investimentos na ampliação da oferta de água potável não estavam sendo cumpridos, até que veio a crise hídrica e, entre fevereiro e dezembro de 2014, as torneiras chegaram a secar. A prefeitura, então, interveio em 2014 e, em 2017, criou a Companhia Ituana de Saneamento (CIS), cujo slogan é: Agora a água é nossa! A autarquia cuida também do esgotamento sanitário.
Jaú (SP) – A concessionária Águas de Jahu assumiu, em abril de 2015, os serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário do município, antes prestados pela Saemja. Em setembro de 2021, jornal local criticou a concessão e seus efeitos, entre os quais o aumento da tarifa, e denunciou o valor ínfimo cobrado da empresa vencedora da licitação pela prefeitura, 20 milhões de reais, valor esse que seria menor que o montante da dívida da Saemja naquele momento. Em fevereiro deste ano, quase 50 bairros da cidade ficaram sem água após uma paralisação na Estação de Tratamento (ETA) II, que teve que interromper o fornecimento após fortes chuvas que atingiram a região. Diante disso, em março de 2023, foi realizada Audiência Pública na Câmara Municipal de Jaú para discutir problemas relacionados ao serviço prestado pela concessionária, como “interrupção constante no fornecimento de água, dificuldade de acesso dos moradores mais carentes à tarifa social (em especial para aqueles que já possuem débitos), efetividade dos descontos quando concedidos e tarifas, entre outros temas correlatos”.
Salto (SP) – Nessa cidade, o serviço de abastecimento de água e tratamento de esgoto, antes prestado pela autarquia SAAE (Serviço Autônomo de Água e Esgoto) foi concedido à gigante Conasa. A empresa passou a se chamar Conasa Sanesalto e a concessão opera no município desde 2007 até hoje, tendo trazido como resultados aumento da tarifa e piora na qualidade do serviço, segundo reclamações de consumidores.
Cidades do Rio de Janeiro – Santo Antônio de Pádua (RJ) rompeu o contrato de concessão com a Conasa em 2017 (o que está sendo contestado pela concessionária) e a prefeitura está buscando reassumir o serviço também em São João de Meriti (RJ), onde Aegea e Conasa interromperam temporariamente o serviço de esgoto em 2017.
Cambará (PR) – Neste município próximo a Ourinhos, com cerca de 23 mil habitantes, a antiga SAE, empresa de patrimônio do município que era responsável pelo abastecimento de água e pelo tratamento de esgoto, passou por um processo de concessão, entre os anos 2002 e 2003, que entregou seus serviços para exploração pela Sanepar, por um contrato para o período de 20 anos que, recentemente, foi prorrogado por outros 30 anos.
A Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar) surgiu em 1963 (Lei nº 4.684) e hoje é uma das maiores empresas em operação no Estado. A sede da Companhia está localizada em Curitiba/PR, é uma sociedade de economia mista e de capital aberto, controlada pelo Estado do Paraná. As ações da Companhia, tanto ordinárias quanto preferenciais, são negociadas no Mercado Brasil, Bolsa, Balcão (B3) sob os códigos SAPR3, SAPR4 e SAPR11, e a empresa hoje tem milhares de pessoas físicas, pessoas jurídicas e instituições entre seus acionistas, que são tanto brasileiros, quanto estrangeiros.
“Antes da concessão, ou privatização, nós já tínhamos poços artesianos em todos os bairros de Cambará. O município tinha 100% da coleta de esgoto sendo realizada, ou seja, não tinha justificativa para realizar a concessão. Antes o valor mínimo cobrado pela tarifa de água ficava entre 6 e 10 reais. Logo nos primeiros meses da concessão, a tarifa mínima subiu para R$15,18, e assim foi subindo sucessivamente”, afirma Anderson, morador de Cambará.
De acordo com ele, o município de Bandeirantes (PR) não aceitou a concessão do seu serviço de água e esgoto, que continua nas mãos da prefeitura, e hoje o valor total da tarifa para a média das residências e estabelecimentos desse município não chega a 30 reais por mês. Ou seja, os preços foram mantidos de acordo com o interesse da população.
“Com a concessão, a cidade perde os lucros da empresa e é a concessionária que passa a gerir esses recursos, investindo no que lhe dará ainda mais lucro. Quem sente os efeitos disso é a população, pagando o preço na tarifa”, afirma Anderson.
Hoje, ele e a família, composta por três adultos e uma criança, pagam cerca de 79 reais na conta de água e esgoto. O consumo mínimo cobrado pela Sanepar no município de Cambará é de 5m3. Em Ourinhos, o contrato de concessão da SAE prevê aumentar o consumo mínimo a ser pago pelo consumidor de 5m3 para 10m3, o que impactará o bolso de quem consome menos água no município.
Lembrete importante: Terceirização do lixo em Ourinhos não funcionou
Recentemente a prefeitura de Ourinhos retirou a coleta de lixo da SAE e passou a realização do serviço para uma empresa privada (terceirização), sob o discurso de que assim o serviço seria melhorado e barateado.
Porém, conforme reclamações de moradores de diversos bairros, a coleta de lixo piorou, apenas foram ofertadas caçambas a mais no centro, e a tarifa aumentou substancialmente após a terceirização, que data de setembro de 2022 (passou de R$17,88 para R$ 24,99 o valor da coleta alternada e de R$ 34,91 para 49,98 a taxa da coleta diária – valores ajustados em novembro de 2022).
Para piorar, a terceirização foi realizada sem o devido processo de licitação, apesar do grande lapso concedido pela lei para a migração do serviço da SAE para a prefeitura. Fizeram a mudança no serviço de forma emergencial, embora não houvesse justificativa para isso e, até hoje, não foi concretizada a licitação para regularizar a prestação.
Financeirização e internacionalização do setor de água e saneamento: uma tendência
Segundo estudo do Instituto Mais Democracia, referenciado por pesquisadores da UFRJ, chamado “Quem são os proprietários do saneamento no Brasil?”, 58% dos grupos atuantes neste setor no país possuem fundos de investimento e instituições financeiras entre seus controladores, sendo que dois dos maiores – BRK Ambiental (ex-Odebrecht Ambiental) e Iguá Saneamento (ex-CAB, da Queiroz Galvão) são totalmente controlados por instituições financeiras.
“O processo de internacionalização é outro movimento em expansão. Por enquanto, o capital estrangeiro está presente em 27% das empresas, mas participa como sócio majoritário ou minoritário de quatro líderes do segmento: Aegea (Fundo Soberano de Cingapura e Banco Mundial como minoritários), BRK (controlada pelo Fundo canadense Brookfield), Grupo Águas do Brasil (corporação japonesa Itochu, minoritário) e GS Inima (controlado pela sul-coreana GS)”, afirma o artigo que cita o estudo.
Fontes:
Exemplos no Brasil e no mundo mostram fracasso da privatização | Geral (brasildefato.com.br)
A espantosa privatização das águas brasileiras – Outras Palavras
Brasil é vice-líder mundial em reestatização da água (ufrj.br)
Por que EUA, França, Reino Unido e Alemanha reestatizaram os serviços de água e esgoto?