Por que estamos sofrendo tanto por causa de um vírus?
Desde o início da pandemia, alguns eventos fizeram com que o terreno ficasse fértil para chegarmos a nossa atual situação. Vou comentar os mais relevantes. Negacionismo, vírus subestimado, falta de uma coleta de dados precisa (exames) e a falta de uma coordenação nacional do controle da pandemia.
NEGACIONISMO
Quando a pandemia começou a se alastrar pelo Brasil, houve por parte de alguns governantes uma política de “fechar os olhos” para o perigo. Era mais fácil não fazer nada e dizer que era só uma gripezinha do que movimentar a máquina governamental para combater o que estava por vir. Talvez, a ideia fosse não gastar dinheiro, não parar a economia. Não sei, é difícil supor o que se passa na cabeça de outras pessoas.
O negacionismo parecia um outro vírus, tivemos uma epidemia de negacionismo que espalhou tão rápido quanto a pandemia da covid-19 e logo estávamos vendo um grande grupo de pessoas dizer que não era necessário o uso de máscaras, que o lockdown era um exagero e que a economia não poderia parar.
Em julho e agosto do ano passado o governo recusou, ou não se mostrou interessado, na oferta de negociação com os laboratórios que estavam produzindo as vacinas. O negacionismo perdura até hoje e dificulta qualquer movimento para conter a crise da saúde. O país está sofrendo devido à falta de visão da realidade.
Como resultado dessa atitude negligente tivemos um agravamento da crise pandêmica e fomos caminhando rapidamente para o caos. O que vemos hoje é resultado da falta de atitudes assertivas no passado. A população brasileira terá mais um ano difícil. Talvez um pouco pior por causa das variantes.
VÍRUS SUBESTIMADO
Médicos, com grande acesso mídia, afirmavam categoricamente que era um vírus sem problemas. Diziam que a taxa de mortalidade era muito baixa e somente 18% dos infectados desenvolviam casos graves. Também cheguei a ouvir que era um vírus de países frios e o Brasil não seria afetado.
Das afirmações acima as únicas que tinham comprovação científica eram da baixa taxa de mortalidade e que somente 18% (antes das mutações) dos infectados desenvolviam casos graves. Todo restante era pura especulação. O vírus tinha sido pouquíssimo estudado, ninguém sabia direito o comportamento do SARS-COV-2.
Médicos renomados esqueceram-se das aulas de biologia básica do ensino médio. Não se pode brincar com um vírus. Vírus é um mutante por natureza, principalmente um vírus cujo material genético é RNA como é o SARS-COV-2. O vírus da gripe, por exemplo, sofre mutação constantemente e todo ano nós temos que tomar uma vacina diferente.
Apareceu a hidroxicloroquina, invermectina, vitamina D, vitamina C e por aí vai. Nenhum desses medicamentos ou vitamina tiveram a sua eficiência comprovada. Na verdade, depois de pesquisas, nenhum deles se mostrou eficiente no tratamento da covid-19. Dentro desse contesto, ainda houve influência do negacionismo. Uma dificuldade enorme do governo em enxergar a realidade. Um exemplo claro foi a ordem para que os laboratórios do exército produzissem milhares de comprimidos de hidroxicloroquina. O negacionismo e o vírus subestimado agiram como propulsor da pandemia em nosso país.
FALTA DE EXAMES
No meio da pandemia, a falta de dados (exames) prejudicou as tomadas de decisões. Tudo foi feito baseado no chute e dito para nós que era respaldado na ciência. Por falar em ciência, eu quero dizer o seguinte: nunca a palavra ciência foi dita tantas vezes sem haver nenhuma ciência.
Não seguimos o exemplo de outros países que faziam exames em massa e exames por geolocalização para montar uma estratégia de combate à pandemia. Os testes poderiam ter mapeado o progresso do vírus e salvado muitas vidas. Não consigo afirmar se foi por falta de dinheiro ou falta de vontade política, talvez ambos.
FALTA DE COORDENAÇÃO NACIONAL
Durante a pandemia tivemos duas trocas de Ministros da Saúde e passamos um bom tempo sem Ministro da Saúde, a pasta foi ocupada por um Ministro interino que depois assumiu definitivamente o Ministério da Saúde.
Desprovidos de um plano central para o combate a pandemia ficamos submersos na desordem. Cada Estado teve que tomar suas próprias decisões. No meio de uma crise financeira e de saúde, alguns governadores resolveram tomar a frente e agir por conta própria com algumas atitudes equivocadas e outras corretas.
É claro que sempre havia, por traz das atitudes dos governantes dos Estados, um viés político. Um interesse em futuras eleições, talvez. O resultado desse interesse político foi uma disputa entre o Governo Federal e o Estadual. Então, estávamos no meio de uma guerra política, dentro de uma crise financeira e a pandemia completamente fora de controle acelerando cada vez mais.
Concluindo: hje nós estamos em uma situação perigosa. Uma segunda onda da pandemia pior que a primeira sufoca o SUS. Fomos colocados de joelhos por um vírus com a ajuda de atitudes desconectadas com a realidade, pela falta de embasamento científico e ainda sofremos com o negacionismo.
Sobre o futuro, eu não vou especular, mas precisamos ter esperança. Sem esperança é sermos vencidos sem lutar. Precisamos tirar os joelhos do chão. Para isso devemos manter o isolamento social, continuarmos usando máscaras eficientes (N95 ou PFF2) e lavarmos as mãos quando possível, quando não álcool em gel.
Por André Eugênio Fernandes.
Prof. de matemática, pós-graduando em Epidemiologia e Saúde e pós-graduando em Estatística Aplicada.