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Pe. José Maurício Nunes Garcia e a Bossa Nova: modernidades inacabadas

Pe. José Maurício Nunes Garcia e a Bossa Nova: modernidades inacabadas

 Na próxima semana, a Prefeitura Municipal de Ourinhos, através da Secretaria Municipal de Cultura, realizará o 16° Festival de Música de Ourinhos. Os homenageados serão a Bossa Nova, e o Pe. José Maurício Nunes Garcia. Grosso modo podemos dizer que o primeiro representa o viés popular, e o segundo, o erudito. Embora essa dicotomia seja muito utilizada e também polêmica, não me aterei a essa discussão neste texto. Apenas me limitarei a pontuar algumas semelhanças entre os dois.

Acredito que há um elemento que permeia a ambos homenageados deste ano: a modernidade. Anthony Giddens, sociólogo inglês, define a modernidade enquanto um conjunto de instituições, hábitos e formas de se pensar, sentir e se relacionar no tempo e no espaço. Pode parecer um pouco abstrata essas colocações, mas tentaremos aqui costurar algumas delas.

Instrumentos de cordas compassados conforme o gosto da corte. Italianismo através dos cravos, cantores castrato e das óperas que retratavam a vida da elite em espaços consagrados como o famoso Real Teatro São João. Brilhantismo vienense com a precisão de contrapontos que davam o tom em bailes palacianos nos salões do Palácio São Cristóvão. Missas glamorosas repletas de sacralidades barrocas realizadas na Capela Real. Esse era o contexto vivenciado pelo Pe. José Maurício Nunes Garcia após a vinda da Família Real Portuguesa em 1808.

Embora nas ruas do Rio de Janeiro se escutasse lundus, modinhas, batuques e outras infinidades sonoras, a capital carioca em inícios do século XIX ambicionou ser moderna. Modernidade naquele contexto significava a existência de instituições cortesãs, seus hábitos e práticas. Biblioteca, novos edifícios, teatros, hospitais, ruas ornamentadas dentre outras coisas surgiram às margens da Baía de Guanabara.

Em contexto diferente emergiu a Bossa Nova. Era um Brasil que mais uma vez ansiava à modernização. Uma capital estava sendo construída. A promessa era “50 anos em 5”. Juscelino Kubitschek fora o presidente. As rodovias tomavam o lugar das ferrovias. Um novo impulso industrial vinha com muita força e o centro desses acontecimentos foi a região sudeste, embora todo o país tenha “participado” e sentido esses “ventos promissores”.

A Bossa Nova, o Cinema Novo, o Museu de Arte Moderna. Era um país que queria romper com um passado retrógrado. As águas de março não fechariam apenas o verão. Era promessa de vida em vários corações. Será que desta vez superaríamos velhos entraves e problemas históricos, que como uma corrente amarrada, hesitava em soltar-se dos nossos calcanhares? Tom Jobim, Roberto Menescal, João Gilberto, Nara Leão dentre outros endossaram este discurso.

Durante várias gerações e momentos distintos, o Brasil ambicionou se inovar e quis se transformar. O único problema foi que sempre as coisas ou ficaram apenas no discurso, ou foram feitas pela metade, beneficiando grupos seletos. A música, como disse o pesquisador Maurício Monteiro, não é somente representação estética fomentadora do belo e do prazer. Para além de enriquecer o espírito, acordes, harmonias e melodias dizem muito de uma época e seus projetos de futuro.

Nos anos de José Maurício Nunes Garcia, embora tenha ocorrido uma grande mudança política e econômica com a instalação da corte portuguesa no Rio de Janeiro e a abertura dos portos, mantivemos e acentuamos as desigualdades sociais, com uma monarquia que se imaginava a única promotora da civilização. A escravidão permaneceu intocada em um território onde mais de 70% da população era negra.

Durante a década de 1950 do século XX, o Brasil teve mais uma a oportunidade de rever a sua trajetória ao longo do tempo e sanar algumas feridas. O voto continuou sendo limitado a uma parte da população. A concentração de terras não foi revista. A inclusão social e a distribuição de renda também foram deixadas de lado. Não se faz “50 anos em 5” num país onde as leis só funcionam em benefício das classes mais abastadas.

A “política dos governadores”, muito forte durante a Primeira República (1889-1930), ainda impera entre nós. Patrimonialismo, fisiologismo, nepotismo, coronelismo e vários outros “ismos” continuam nos visitando diariamente. Talvez seja por isso que ainda dizem entre nós que os brasileiros sempre dançam conforme a música

André R. da Silva é licenciado em História, trabalha com Cultura e adora tocar bateria.

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