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Coluna: Weber Carvalho — Conto de Natal

Coluna: Weber Carvalho — Conto de Natal

Neste mês de dezembro, aproveito o espírito natalino que está presente em nossas celebrações de final de ano para trazer um novo conto, e refletirmos sobre a moral da estória. Neste segundo conto utilizei a estrutura de uma importante fábula europeia: a vendedora de caixinhas de fósforos. Teremos como pano de fundo o natal, reavivando para nossos dias a sabedoria das histórias cada vez mais fuscadas pelo mar de informações de nossa modernidade.
O uso dos contos é antigo, tendo sua força cruzada à cronologia do conhecimento humano, a ciência ganhou espaço, mas o saber oral permanece no contemporâneo mais forte do que nunca, percebemos a realidade imitando a ficção ou apenas as histórias se repetindo.
Vamos ao conto, no final dele apresento a metáfora com a nossa realidade, boa leitura e até já.
Plínio naquela na noite de Natal completou um ano que vivia sem eira nem beira, e para todo mundo ele falava que um dia deixaria de ser morador de rua. Ele avisou a todos que tinha família e que o estavam esperando, ninguém sabia ao certo o quanto de verdade havia na sua fala, nem o nome de Plínio podia se afirmar ser real, mas essa era a maneira como ele se apresentou, e assim era chamado, mas poderia muito bem ser Antônio, até porque Antônio, era um outro sujeito que vivia por ali vendendo coisas achadas, perdidas e até tomadas quando um maluquinho branco na rua dava mole e facilitava o acesso. Para Antônio a rua com sua violência deve ser combatida com mais violência, era simples, dê pão a quem tem fome e justiça a quem tem pão.
Um outro personagem da rua era o Dito, funcionário exemplar do Antônio. Acredite! Na rua também existe um mundo muito parecido com o seu. Dito diferente do Antônio que vivia de mal com a vida ou do Plínio que ignorava a realidade em que vivia, preferia beber e tomar uns trecos, ele nunca explicou muito bem ao Plínio o que seriam esses trecos, mas certamente gerava um barato muito louco no Dito, que possivelmente se chamava Benedito, mas tá aí outra coisa que ninguém saberia responder já que documento não se faz necessário para quem vive a céu aberto.
Antônio havia passado por um bom momento na rua, seus negócios floresceram, e já tinha até adquirido um barraco parecido da antiga comunidade que viveu, comunidade essa que não voltou, ninguém sabe ao certo o que aconteceu, mas sabia-se que Antônio tinha família e que pra sua casa nunca mais voltou. Com o dinheiro que ganhava com suas vendas de achados e roubados, resolveu investir em isqueiros e pedras natalinas que pretendia vender na noite de Natal, ele e o parceiro inseparável, Dito.
Ao saber do plano, Dito falou pra todos que agora Antônio ficaria rico, sair da pindaíba, dar o pulo do gato, correr a favor do vento… Ele tinha comprado especialmente para o natal uma pedra para enfeitar e encantar à todos. Dito sabia que Antônio não era muito religioso, mas quem ligava pra religião morando na rua? Até porque, só existia aquela forma de ganhar o povo com a lábia. Dito teria trabalho no natal e poderia com o dinheiro das vendas do isqueiro e da pedra, comer um lanche saboroso ou quem sabe beber até cair e tomar seus trecos. Naquela noite ele foi tomado por uma felicidade.
Plínio motivado pela alegria de Dito percebeu que aquilo poderia ser bom, ele  bebia pouco e não tomava o treco, ele não aceitava aquela situação, talvez porque a rua fosse ainda nova pra ele, mas ele resolveu que queria ir junto com o Dito e queria trabalhar para o Antônio.
Plínio sabia que poderia ser um bom vendedor das tais pedras natalinas. Quando ainda vivia em uma casa, ele lembrou que conseguia vender muitas coisas e a forma como ele abordava o cliente era o seu diferencial, naquele instante Plínio se sentia feliz, recuperando de alguma forma o espírito natalino e não via a hora de começar a vender, sentiu-se importante só com a possibilidade de vender algo.
Antônio se encontrava em seu escritório de rua e tinha em mãos um saco cheio de isqueiros e muitas pedras, a tal pedra mágica. Quando viu o Plínio, rapidamente escondeu todas as pedras, em seguida, questionou a presença de Plínio para o Dito, o qual tentou aliviar o clima dizendo que o Plínio era um primo de rua, que estava apenas há alguns meses na rua, querendo trabalhar, além de querer fazer parte dos negócios também. Antônio ficou olhando e ainda com alguma dúvida chamou Plínio para perto, perguntou se ele sabia mesmo vender aquelas coisas, Plínio afirmou rapidamente que foi um bom vendedor quando ainda vivia com sua família. Antônio não ligava muito para papos de família e só queria saber de seus negócios, disse a Plínio que aquilo não era uma simples venda, que ali estava a possibilidade de levar o cliente a uma grande viagem pela alma, podendo tirar seu cliente de qualquer realidade, assim o levando para um mundo onde as coisas são diferentes, sendo que mesmo existindo o inverno não sentiria frio, talvez até sentir a presença do menino Jesus.
Vender essas pedras natalinas para Antônio se tratava de um ato devocional e Plínio percebeu isso na fala de Antônio, novamente se sentindo importante. Antônio entregou algumas pedras para Dito e mandou dividir com Plínio, terminou dizendo que eles poderiam cada um ficar com uma pedra para si, podendo vendê-la também, e seria essa a parte deles no negócio podendo experimentar, provando as palavras do vendedor e do tal poder da pedra.
Partiu Plínio e Dito para as ruas, encontrando pessoas que já procuravam pelas pedras, Plínio percebeu a sua importância nos negócios da rua, o povo o chamavam e estavam todos eufóricos com a possibilidade de viagem com aquela pedra mágica de natal.
Antônio falava a verdade, era possível perceber isso com o interesse das pessoas pela pedra de natal. Quando deu por si já tinha vendido todas as pedras, olhou para Dito percebeu que ele também tinha vendido tudo. Após voltarem, eles entregaram o dinheiro para o Antônio, que já estava mais pra lá do que pra cá, ficou surpreso com as vendas e indagou para Plínio:
— “ O que te falei? A pedra é mágica ou não é? Agora voltem para a rua e vendam a de vocês ou então acendam pra ver o que acontece, prometo a você Plínio que será uma noite linda de Natal.”
Dito nem esperou sair de perto de Antônio logo pegou um isqueiro, acendendo a pedra e segundo ele viu um paraíso, um lugar onde todas as dores se acalmavam, ele voltou para a rua, agora mais animado e feliz, nem parecia o Dito que o Plínio conhecia, parecia que tinha tomado uns trecos, mas a pedra segundo ele estava em outro patamar do que é ser especial, Dito estava feliz.
Plínio sentiu vontade de acender a sua pedra mas teve medo, pensou em vender e comprar um lanche, uma confusão tomou conta da sua cabeça, uma pessoa tentou comprar dele e ele preferiu subir o valor da pedra, percebia ali o espírito do negócio, mas segurava tanto a venda ficando tão encantado com a pedra que estava em suas mãos, que as horas passaram. Percebeu que restava poucas pessoas na rua e que ainda queriam comprar, observou um rapaz parado no meio da rua, mas ele parecia já ter acendido a sua e estava em um lugar paralelo a rua, longe do frio e da fome.
Plínio percebeu que mesmo estando perto de várias pessoas na rua todos estavam olhando para dentro de si, ele era o único que não tinha acendido a sua pedra, o único que ainda estava ali, então, ele resolveu acender sua pedra e descobrir o encantamento que aquela pedra fazia aos que a acendiam. Ele foi longe, muito longe, viu uma casa pequenina, mais quentinha, logo não sentiu mais frio, agora tinha aquela sensação de conforto, estava contente pela primeira vez depois de meses na rua, mas aí a casa foi ficando fria, foi desaparecendo, assim, ele percebeu que estava novamente na rua, lembrou-se de Antônio, resolvendo ir até ele que estava longe de tudo.
Plínio pediu para Antônio vender mais uma pedra pra ele, o chefe disse que não podia vender fiado e Plínio entregou pra ele seus cobertores, seus sapatos e tudo que ainda possuía. Antônio o deu outra pedra, ali mesmo Plínio acendeu a segunda pedra e então viu a mesma casa, que voltava a aquecer o seu corpo, agora viu uma mesa com muitas comidas, doces, salgados, saladas e sucos de todos os sabores, tanta comida que ele não sabia por onde começar e ele comia, comia, comia, ele podia agora sentir a barriga cheia, foi quando a comida foi ficando sem gosto, diminuindo, o frio voltou, a fome voltou e novamente ele percebeu que estava na rua,
Portanto ele voltou no escritório de rua do Antônio e sem o Antônio perceber roubou outra pedra, aí a viagem foi para mais longe, a casa quentinha com o delicioso banquete agora tinha uma pessoa, que o esperava, ela vinha e o abraçava, foi ali que sentiu o cheiro, o colo da mãe, ele a olhava e via seus olhos, ele sentia o espírito natalino, mas percebeu que a mãe começava a ficar distante, antes mesmo de apagar a pedra passou a acender outra e outra, a mãe o abraçava, quando o abraço ficava fraco ele novamente acendia outra pedra, sendo assim a noite toda, dele, Antônio e Dito.
Naquele Natal os três amigos sem família, foram uma família e tiveram suas viajens e seus encontros. Antônio estava em um escritório muito grande decidindo o destino de muitos. O Dito, agora chamado de Seu Benedito convivendo com seus filhos. O Plínio estava novamente nos braços da mãe que morreu no Natal anterior, a cada possibilidade dela partir novamente uma nova pedra foi acesa e assim as horas passava junto com a noite de natal.
No dia seguinte, o corpo de Plínio foi encontrado abraçado a um manequim, imóveis, os dois não davam mais sinais de vida, aguardando um novo milagre de natal.
Este conto escancara a falta que nos faz de sentirmos queridos e próximos dos nossos. A necessidade pelo aconchego tem seus picos em nosso calendário e o natal é um desses momentos, no qual as coisas simples e desimportantes ganham novos significados.
As eleições e a polarização da sociedade brasileira colocou familiares uns contra os outros, e certamente esse natal reunirá uma parte dessas desavenças, que talvez possam ser superadas ou se aflorem com as bebidas que regam a ceia nessa noite. No íntimo de cada desentendimento está o desejo de unir, mas seremos capazes de ignorar as ofensas e posicionamentos que desapontaram, e talvez a bebida funcione como as pedras de natal de Plínio, fazendo nos ajudar a esquecer a realidade. Por outro lado esse conto nos mostra que nem sempre temos tempo de mudar aquilo que queremos, muitas vezes é tarde, à vista disso, deixar pra depois pode não ser uma grande ideia. Muito provável que esse natal sirva para apaziguar as brigas de famílias que foram construídas por meio de uma polarização pautada no ódio e na vingança, muito diferente dos valores comungados no Natal que é o amor e o perdão, seremos capazes de aproveitar o momento e fazer diferente ou permanecemos a cultivar o mal com um dos nossos, esperando assim como o Plínio um milagre de Natal.

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