Sobre a Política e sua antimatéria.
Churchill disse que “a democracia é a pior forma de governo, à exceção de todas as demais”. A democracia sempre terá falhas e imperfeições, mas, antes este regime com todos os seus problemas, do que outros regimes já experimentados pela humanidade. Porque somente a partir dela que o povo terá chances de alterar o espaço público. E desta forma, alterar o seu destino.
Nenhum homem é uma ilha. Somos “animais políticos”, como bem afirmou Aristóteles. Esta é a nossa (anti)natureza e condição. Este é o preço do progresso. Tivemos que aprender as técnicas do bom relacionamento em comunidade. E a arte de se relacionar com o outro chama-se “política”. Este espaço coletivo, onde homens e mulheres livres e iguais interferem na manutenção da coisa pública e comum, determinando, alterando ou perpetuando o seu destino enquanto povo e espécie.
A menos que se queira viver eternamente numa caverna, alimentando-se da caça e mantendo aceso um fogo pequeno e insignificante, incapaz de aquecer até mesmo a ponta dos dedos, o processo civilizatório nos forçou viver em comunidade.
É verdade que jamais haveria domínio sobre as técnicas sem o descobrimento do fogo. Mas também é verdade que a ampliação deste “fogo” não seria possível sem a divisão social do trabalho. Sem o qual jamais teríamos chegados até aqui, aliás, para além daqui, para a Lua, Marte e para onde mais?!
O contraditório do processo de toda evolução humana é que as mesmas forças que nos levaram ao progresso, podem nos levar para à extinção.
Daí a necessidade da política. Política enquanto espaço de gerenciamento de forças antagônicas como condição para a vivência, aliás, para além disso, para a sobrevivência. Como formigas num formigueiro. No entanto, infinitamente mais complicado, porque as “formigas humanas” não são condicionadas pela natureza, são condicionadas pela liberdade. Logo, as “trabalhadoras” fazem greve, reivindicam melhores condições de trabalho e melhores salários, enquanto que as da “elite” querem viver ostentando, naturalizando a desigualdade, como se o “formigueiro humano” fosse, de fato, um formigueiro, escravo da natureza.
Portanto, nada do que é humano pode ser naturalizado. Estamos sempre em construção e desconstrução. A quem interessa naturalizar a pobreza e a desigualdade, por exemplo?! Fazer política significa construir e desconstruir conceitos.
A natureza política humana é “antinatural”, por não respeitar as limitações impostas por ela, natureza, como por exemplo o instinto. O processo civilizatório nos levou para longe dos nossos simpáticos primos primatas.
O inconsciente esconde, às vezes nem tanto, é verdade, o animal que ainda resta em nós. Foi aprisionado pelo processo civilizatório. Jogado no fundo da mente. Às vezes tenta sair à noite, grita para o consciente em forma de sonhos, por meio de uma linguagem onírica estranha para o racionalismo lógico do consciente.
Só somos indivíduos porque negamos a nossa natureza original, criamos um outro mundo, a humanidade. O Animal quer sobreviver, o Homem deseja mais.
A noção moderna de indivíduo, sujeito de direitos e deveres, só faz sentido quando em relação com os seus iguais e desiguais num determinado espaço, com determinadas regras.
E só há espaço, inclusive na Física, quando existem pontos ou indivíduos em relação um ao outro.
Portanto, a política, enquanto condição humana, será sempre este espaço “antinatural” criado pelo Homem a fim de se proteger de si mesmo, garantindo a sua sobrevivência e o mínimo de felicidade comum.
Me perdoem a prolixidade, mas estes conceitos basilares e iniciais são fundamentais de serem rememorados, sobretudo nos dias de hoje. Explico.
A Política encontrou a sua antimatéria, a não-política, a sua negação, mais que isso, o seu lado inverso, a antipolítica.
Na natureza, explica a Física, o encontro da matéria com a antimatéria, conduz ao aniquilamento total de ambos.
A Política encontrou a antipolítica, encontrou o Fascismo.
Para os objetivos deste despretensioso artigo, Fascismo não somente como um regime político totalitário e de vigilância total, como o de Benito Mussolini, mas isso e além disso, um regime político ou melhor, antipolítico, de gerenciamento da vida humana, de forma individualizada. Ou seja, cada indivíduo vivendo como se fosse um regime fascista. E dessa forma, a partir de concepções ideológicas individualistas, intolerantes, autoritárias e violentas se introduzem na política, aniquilando-a, por ser o seu oposto.
Se a Política aposta no espaço público, como o espaço de relacionamento entre indivíduos que mesmo com interesses antagônicos se relacionam visando a perpetuação da espécie e possível felicidade comum, a antipolítica, ou o Fascismo, aposta, justamente no oposto, na destruição do espaço público e ampliação do espaço privada, além da destruição de tudo o que representa o seu antagonismo. O Fascismo é, por excelência, anti-vida. Se a Política aposta no gerenciamento do espaço possibilitando a existência de vidas antagônicas, o Fascismo quer a sua destruição. Pois, quer o aniquilamento de tudo o que é diferente a ele. Quer, portanto, o aniquilamento do outro.
E se não há espaço sem relação de um ponto ou de indivíduo com outro, o que o Fascismo quer é a destruição do próprio espaço. Culminando no seu próprio aniquilamento.
Donald Trump, candidato a Presidente dos Estados Unidos da América e Bolsonaro, Deputado Federal, possível pré-candidato a Presidente da República Federativa do Brasil são os maiores exemplos na atualidade da antipolítica fantasiada de política. De Fascismo que finge respeitar o espaço público e democrático com o fim de infectá-lo.
Como conseguem isso? A antipolítica é muito eficaz como discurso por se utilizar da maior fraqueza humana, o medo. Hobbes escreveu sobre isso no Leviatã. A manipulação do medo é a melhor forma de se pulverizar o ódio. O outro, que na Política era apenas um diferente, na antipolítica passa a ser inimigo. Logo, precisa ser destruído.
E isso só é possível quando paira uma sensação de insegurança. Quanto maior o caos, maior o medo, maior a insegurança. Todos são suspeitos. Todos devem ser combatidos.
É dessa forma que discursos fascistas ganham tantos adeptos. Porque buscam atrair pelo o que há de menos racional, a disseminação do medo como ferramenta.
O Fascismo traz ao consciente aquilo que se escondia no inconsciente, todo resquício animalesco esquecido ao longo do processo civilizatório, em forma de medo. Por óbvio, o mundo se torna um pesadelo.
A Política visa superar o medo, por meio da razão, do amor, do diálogo, da solidariedade. A antipolítica, visa liberá-lo, como se abrisse a caixa de Pandora.
Só há Homem onde há Política. Onde há antipolítica, há outra coisa.
O Fascismo, ao negar Política, nega também a “antinatureza”, trazendo à tona a besta-fera que o processo civilizatório tanto quis esconder. Não à toa que no filme “King Kong” homens da civilização se perdem numa ilha misteriosa, encontrando um monstro esquecido, que não queria outra coisa a não ser se proteger e proteger a donzela, mas para isso destruía a tudo e a todos. Era impossível de ser controlado, era um animal!
Marx, afinal, estava certo em um ponto e errado em outro. Se a história se repete a primeira vez como tragédia, a segunda não será como farsa.
A ideologia liberal-individualista surgiu na História para livrar o Homem da dominação, agora está levando-o para a aniquilação.