Iniciando uma caminhada conjunta ao redor dos velhos e novos desafios a agricultura familiar e camponesa no estado de São Paulo

Decorridos alguns meses desde minha primeira participação neste espaço, retorno agora ao Jornal Contratempo para colaboração permanente, numa parceria que pretende, seguindo a proposta do primeiro trabalho conjunto, continuar abordando a temática da agricultura familiar e camponesa no estado de São Paulo, os desafios a superar e as perspectivas futuras na luta pela democratização do acesso à terra.

Passados quase sete meses desde nossa primeira parceria, não há como iniciar estes escritos sem retomar, mesmo que minimamente, o contexto que nos aproximou: a luta contra o Projeto de Lei nº 529/2020. Tal Projeto de Lei (PL) propunha, entre várias outras medidas, a extinção de dez empresas, autarquias e fundações públicas no estado de São Paulo. Dentre tais instituições, se encontrava a Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo “José Gomes da Silva” (ITESP).

Sendo a Fundação ITESP o órgão responsável pela execução das políticas agrária e fundiária no estado, abarcando, dentre outras funções, a responsabilidade pela implantação de assentamentos rurais em terras públicas estaduais, regularização de territórios quilombolas, e prestação de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) a tais comunidades, a proposta para sua extinção se mostrava inteiramente motivada por atender a interesses ruralistas, numa clara tentativa de desestruturação das políticas públicas responsáveis pela democratização do acesso à terra no estado.

Após três meses de intensos debates públicos e mobilização popular, o Projeto de Lei nº 529/2020, foi parcialmente aprovado na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP), entretanto, quatro instituições conseguiram, com apoio dos deputados de oposição, se livrar da degola, dentre elas, a Fundação ITESP. Abro, aqui, um parêntese para prestar solidariedade a todos os trabalhadores das instituições que permaneceram no rol de extinções e que hoje se encontram diante de um futuro incerto e ainda mais desafiador. A todos eles nossa força e apoio.

Embora a Fundação ITESP tenha se livrado da extinção, sabemos que as ameaças à agricultura familiar e camponesa e as investidas sobre as terras públicas estaduais não terminaram com a aprovação do Projeto de Lei, muito pelo contrário. Mal superado o momento de luta pela permanência da instituição e das políticas públicas por ela executadas, outros desafios já se mostram no horizonte.

Não obstante a permanência da Fundação ITESP, a sanha do agronegócio e do grande capital pela apropriação de terras públicas em larga escala e captura da renda da terra não se aplacou. Muitas são as frentes de ataque dos ruralistas e seus representantes, cabendo destaque, neste momento, a dois processos que se desenvolvem de maneira articulada: a titulação dos lotes em assentamentos rurais e a regularização de áreas acima de 15 módulos fiscais ocupadas irregularmente. Ambas as propostas ainda se encontram em discussão, entretanto, dada a voracidade do agronegócio que tudo transforma em contaminação e degradação com sua monotonia verde, tudo leva a crer que tais propostas em breve estarão materializadas em Projetos de Lei apresentados na ALESP pelos representantes destes interesses.

A proposta de titulação dos lotes em assentamentos estaduais causa preocupação e deve deixar em estado de alerta todos os envolvidos. A experiência de assentamentos já titulados mostra a crescente reconcentração fundiária e avanço da monocultura nestas áreas. Frente a tais experiências, cabe a todos, servidores públicos, assentados e sociedade civil, questionar e buscar explicitar quais os reais interesses que motivam tal proposta.

A proposta de regularização fundiária em grandes áreas ocupadas irregularmente (áreas com mais de 15 módulos fiscais) se configura numa nefasta tentativa de premiação aos grileiros de terras no estado de São Paulo, os mesmos que há séculos dominam a política e amplas frações do território paulista.

Ambas as propostas, conforme dito, estão inseridas num universo maior de desafios e ameaças às comunidades rurais e às terras públicas estaduais. Sendo assim, seguiremos nos próximos meses discutindo não apenas os temas apresentados, como também outros que se relacionem à temática desta coluna, buscando jogar luz sobre movimentos que muitas vezes se dão nas sombras.

Diante do exposto, iniciamos essa nossa caminhada conjunta, em colaboração permanente, na intenção de fazer desta coluna um espaço crítico de debate e denúncia, sempre buscando compreender o movimento da realidade que nos cerca, as ameaças, os desafios e as possibilidades colocadas à agricultura familiar e camponesa e a todos aqueles que se esforçam coletivamente na construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

*Fernando Amorim Rosa é Geógrafo, atua como Analista de Desenvolvimento Agrário na Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo “José Gomes da Silva” – ITESP. Vice-presidente da Associação dos Funcionários da Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo – AFITESP. Doutorando do Programa de Pós-graduação em Geografia, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP, campus de Rio Claro – SP.

APOIE

Seu apoio é importante para o Jornal Contratempo.

Formas de apoio:
Via Apoia-se: https://apoia.se/jornalcontratempo_apoio
Via Pix: pix@contratempo.info