A informação como arma de guerra – Parte II
Por João Teixeira
A guerra interna, clandestina, o “Combate nas trevas”, segundo Gorender, interpôs oponentes que utilizaram fartamente a munição informativa.
Idealista, revolucionária, as oposições armadas expressavam sua indignação contra a perseguição que lhes era movida, a prisão, tortura e assassinatos nos porões do regime; os desmazelos e falcatruas da modernização conservadora; a subserviência dos generais ao capital estrangeiro.
Escorado na Lei de Segurança Nacional (LSN), que via em cada cidadão um suspeito em potencial, e não mais protegia a nação contra a ameaça externa, o regime dos generais vinha penando para domesticar nossos intelectuais, jornalistas, poetas e escritores, além da valorosa classe artística brasileira.
A Censura mutilava, cortava, suprimia trechos inteiros de letras de música, cenas de filmes e novelas, reportagens de jornais, obrigando o contínuo refazer de obras que encarecia a produção e descontrolava a linha de montagem artística e jornalística.
Sabe-se lá o atraso provocado em nosso desenvolvimento intelectual pelo expurgo das melhores cabeças nas Universidades, na área científica e tecnológica, nas artes e do pensamento no negror dos anos de chumbo.
A regressão intelectiva que atravessamos neste início de século XXI é uma pálida ideia do mal feito pelos pretores fardados que controlavam, como tutores de uma população infantilização, incapaz de decidir seu próprio destino, o que ver, ler, ouvir e sentir.
Mas não conseguiu dominar de todo nossa vigorosa e indomável classe artística, compositores, poetas, jornalistas e músicos, dramaturgos, pintores e cineastas.
O regime militar mantinha uma “espada de Dámocles”, a censura e a LSN sobre a Imprensa e as outras artes, principalmente após o Ato Institucional (AI-5), de 13 de dezembro de 1968, a “sexta negra”.
Os jornais começaram a se multiplicar desde fins do século XIX, chegando a ser produto de consumo usual.
Segundo Max Leclerc, correspondente francês no Rio, em 1889, “a Imprensa no Brasil é o retrato fiel do estado social nascido no governo de D.Pedro II (…) grandes jornais muito prósperos, providos de uma organização material poderosa e aperfeiçoada, vivendo principalmente de publicidade, organizados, em suma, antes de tudo como uma sempre comercial (…) em torno deles, a multidão de múltiplos jornais partidários que, longe de serem bons negócios, vivem de subvenção destes partidos, de um grupo ou de um político e só são lidos se o homem que os apoia está em evidência ou é temível (…) A Impresa, em conjunto, não procura orientar a opinião por um caminho bom ou mau. Ela não é um guia, nem compreende sua função educativa. Ela abandona o povo á sua ignorância e á sua apatia”. (Werneck, Sodré, Nelson, pg 288 e 289).
Nesta perspectiva, o papel da Imprensa anarco-comuna-petebo socialista e sindicalista foi fundamental para a difusão de ideias, programas e palavras-de-ordem, além de projetar candidatos progressistas, desde O Correio Brasiliense, de Hipólito José da Costa, editado no exílio, em Londres, no século XIX.
Há exatamente 100 anos, a Semana de Arte Moderna (realizada nas noites de 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo); a criação do Partido Comunista do Brasil (PCB), em março; o movimento dos 18 do Forte, em julho; o tenentismo e a Coluna Prestes (1924/26); a Associação Feminista que aderiu ao PCB; e a criação do Bloco Operário e Camponês (1926) sinalizaram a busca de uma identidade nacional autêntica e a modernização brasileira em arte, política e organização social.
A Imprensa anarquista e socialista tinha títulos como O Amigo do Povo, Avanti!, La Bataglia, O Libertário, O Grito del Pueblo, A Classe Operária, A Nação, estes dois últimos porta-vozes oficiais do PCB.
Nos anos 70, A Resistência, peça clandestina da Resistência Nacional Democrática Popular, fundada pelo guerrilheiro Eduardo Leite (Bacuri), forneceu interessante reflexão sobre liberdade, igualdade e o direito á informação.
“Fora ditadura. É hora de lutar. Chega de humilhação. Nós, membros da Rede, juramos lutar até a Vitória contra o Estado policial que impõe a miséria,o medo e a vergonha transformando trabalhadores em escravos lambedores de botas”.
Prosseguia Bacuri:
“A verdade o povo sente na carne. Não tememos mentiras difamantes e atos de covardia através dos quais tentam nos separar do Povo, esquecem que nós somos Povo, estamos com ele, lutamos por nossos ideais que são os ideais de todo o Povo oprimido”.
“Queremos a Imprensa livre – quem precisa calar a Imprensa? Há quantos meses ela está sob censura – ora, ora… porque não publicam este panfleto? As prisões estão cheias, trabalhadores, estudantes, intelectuais e artistas que se opõem a esse estado de coisas, estão clandestinos ou atraz (sic) das grades”.
O guerrilheiro e editor Bacuri conclui desta forma:
“Os cães da ditadura estão á solta torturando e matando. Democracia é o governo do Povo para o Povo. Lutemos juntos pela liberdade, fraternidade, igualdade e amor. Estude, escute e aja de acordo com sua consciencia”. (Fonte: relatório especial de informações número 24 do Deops).
Bacuri foi preso no Rio e submetido a terríveis torturas durante 109 dias até ser executado no Forte dos Andradas, no Guarujá (SP).
Em 9 de fevereiro de 1969, A Resistência publicava:
“Por causa de divulgação da notícia de fuga do capitão Carlos Lamarca, Roberto Marinho, diretor de O Globo, quase foi enquadrado na Lei de Segurança Nacional e só escapou graças ás suas velhas e fortes ligações com o que existe de pior no País”.
“Graças a O Globo entretanto, o Exército acabou se vendo na contingência de dar uma nota sobre a fuga do capitão. A nota esqueceu, todavia, de mencionar que o capitão levou com ele três sargentos e vários soldados. E não carregou só fuzis: seu arsenal também inclui metralhadoras e 3 bazucas”.
Para os “novos conunistas”, a esquerda radical e impaciente dos anos de chumbo, admitir que o homem mais poderoso do Brasil, nosso “Companheiro, Editor e Diretor-chefe”, como fazia que fosse grafado no Jornal e fazia questão de ser chamado, talvez fosse inconcebível saber que o empresário do Cosme Velho, Roberto Marinho, pudesse ser enquadrado na LSN.
Mas é história para outro capítulo. A guerra continua.
Palavras-chave: golpe de 1964; perseguição a jornalistas; anos de chumbo.
*O jornalista, poeta e escritor João Teixeira é membro do Conselho Editorial do Jornal Contratempo.