A informação como arma de guerra – parte III

Por João Teixeira*
“… memória e esquecimento são eixos fundamentais da esfera do poder, disputando o modo como a memória coletiva se constrói em cada sociedade”.
(Hugo Studart, em “Borboletas e lobisomens”, pg 17, Ed. Francisco Alves, 2018).
O império da arapongagem (escutas-telefônicas e cibernéticas) e paraíso da delação-premiada, o jogo na Justiça que fazem os delinquentes burocratas, políticos, empresários e financistas que se acusam uns aos outros em torno de penas reduzidas, como demonstrou a Lava-jato, como é o País das meias-verdades.
O papel de setores da Imprensa e dos meios de comunicação de massa sob controle militar merece investigação profunda.
Por que nós, brasileiros, somos assim?
Por que tema de tal importância não tem sido objeto de teses, análises e interpretações variadas por parte de nossos historiadores, professores e cientistas sociais com resultados pífios até hoje.
Por que? Porque talvez tenha faltado mais isenção e independência no exame da Guerra revolucionária deste Brasil caboclo de cultura segredista incompatível com a democracia.
No editorial “Apagão histórico”, de 5 de julho de 2011, o jornal Folha de S. Paulo bateu forte na questão:
“Até a regra atual para sigilo de documentos oficiais vem sendo descumprida pelo Governo, que assim preserva os vícios do regime militar”.
Ou seja, o “apagão histórico” imposto pelo Estado – sob todo ou qualquer governo, militar ou civil – bloqueia o que Studart enuncia como avanço:
“… a democratização da memória permite a uma sociedade se apropriar de seu passado para escolher melhor os passos a serem dados no presente. Povo sem memória torna-se incapaz de julgar seus governantes e perde força para construir uma sociedade pautada pelos interesses da maioria”.
“Daí a importância de garantir que a memória coletiva de nosso País possa conter todos os fatos políticos essenciais, de modo a possibilitar uma interpretação histórica pautadas pelas memórias subterrâneas dos dominados, que se opõe á versão oficial das classes dominantes”.
Esse preciso enunciado no prefácio da portentosa obra de Studart, um profundo mergulho histórico na Guerrilha do Araguaia (1972/75), que todos deveriam ler, chama-se “É tempo de resgatar a memória”.
Sua importância está no fato de se contrapor ás meias-verdades que danificam nossas memórias.
Vivemos em meio a uma profusão de lobbies, interesses corporativos e ideológicos, experientes em espalhar cortinas de fumaça em função de suas verdades particulares.
A máquina das meias-verdades movimenta fortunas públicas, o sistema de cotas e indenizações, gerando a privatização da realidade histórica por setores do movimento social, ONG, associações, cooperativas e partidos políticos e suas fações.
Nossa crítica á razão cínica deixa bem claro que a “verdade correta” é a “verdade útil”, a versão tendenciosa de proveito próprio, tomando -se a Parte como se fosse o Todo.
A democracia de classe alimenta tanta bufonaria – inclusive e principalmente os meios de comunicação.
A verdade – a primeira vítima da guerra – jaz como estrela apagada, silenciado o canto-cháo das reformas e da mudança social, a partir de 1964 esteve sob a égide do capital multinacional e seus sócios internos.
Desfechado o golpe civil-militar (1964/85) que rasgou a Constituição de 1946, e venceu a ferro e a fogo o modelo de Estado do Bloco nacional-reformista representado pelo presidente João Goulart (Jango); o poder sindical orientado pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), as Ligas Camponesas e os movimentos de massa; a ética, a moral e o interesse material mudaram o foco da notícia.
Com as exceções de praxe, que só confirmam a regra, verdade, independência e isenção encobriam a mais completa vassalagem.
A Imprensa reflete o poder.
Hanna Arendt: “uma das lições que podem ser apreendidas das experiências totalitárias é a assustadora confiança de seus dirigentes no poder da mentira e na capacidade de reescreverem a história para se adaptar a uma linha política”.
Alguns dos melhores alunos do “poder da mentira” de Arendt eram brasileiros.
A revista O Cruzeiro, dos Diários Associados, de Assis Chateaubriand, era a maior do Brasil nos anos 60.
Alcançava tiragens de 250 mil exemplares, tendo sido um fenômeno editorial como a primeira revista de circulação nacional.
A revista Manchete, da Editora Bloch, era a maior concorrente de O Cruzeiro.
Ambas apoiaram o golpe e tirnaran-se verdadeiros porta-vozes da doutrina do Brasil Grande.
Logo na primeira edição após o golpe, sob o título “O general e as rosas”, Vinícius de Carvalho mostrava que não estava para brincadeiras
A legenda da foto mostrava a mulher do general Luís Carlos Guedes, dona Odete, cuidando das Rosas, o hobby do general que ajudara a derrubar Jango, no Jardim de sua casa
A mensagem: “As rosas e as crianças precisam estar livres dos perigos das ervas daninhas e do comunismo, foi o que pensou o general Guedes na hora de erguer-se em luta pela descomunizacao do país”.
Só não foi pior que essa, em “Posto de escuta”, de O Cruzeiro:
Texto e foto: “mostrando á Câmara bônus de 5 mil cruzeiros com a efígie de Lênin, o deputado Emílio Gomes (PDC/PR) sustentou que com eles líderes do PC/BA estavam procurando custear a revolução comunista. Exibiu também selos de 50 cruzeiros com o ano de 1964, que deveria assinalar a Vitória do marxismo no Brasil. Os bônus e os selos causaram forte impacto na Camara”.
Saudades de Sérgio Porto, o saudoso Stanislau Ponte Preta, autor do monumental Festival de Besteiras que Assola o País (Febeapá).
Palavras-chave: golpe de 64; anos de chumbo; Imprensa perseguida.
*O jornalista e escritor João Teixeira é membro do Conselho Editorial do Jornal Contratempo (JC)

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