×

Anos de chumbo O canto de fogo dos dominicanos – Parte III

Anos de chumbo O canto de fogo dos dominicanos – Parte III

João Teixeira*
“Canta é a vontade de quem quer ser fiel ao seu Deus e ao seu povo”.
A militância teológica dos freis dominicanos na oposição armada ao regime civil-militar (1964/85) trouxe sérios reflexos pessoais e institucionais.
Frei Fernando de Brito – falecido em 20 de março de 2019, de câncer, morreu lutando pela criação de diálogo entre religióes de origem africana e o cristianismo – sofreu muito na prisão.
Martirizado pela versão oficial, divulgada pelos meios de comunicação, de que fora responsável pela morte de Marighella, em 4 de novembro de 1969.
“No Canto da Fogueira quem canta é a liberdade nascida no coração de quem convive com o Deus vivo e libertador”.
Frei Fernando perdeu a saúde – era tabagista convicto -, a paz interior e deixou sua angústia registrada num diário codificado que mandava para fora em tubos de pasta de dente, correndo todos os riscos.
Frei Fernando: “… vivemos dentro de paradoxos e o cristianismo poe a nú o paradoxo central morte -ressurreição. É preciso viver, e o primeiro passo para viver é morrer”.
Desde o dia 14 de outubro de 1970 haviam voltado ao Presídio Tiradentes. Durante um mês os frades foram isolados uns dos outros, em quartéis.
Ao voltar, padres e religiosos foram colocados numa cela pequena.
D. Paulo Evaristo Arns, desde 22 de outubro cardeal-arcebispo de São Paulo, concedeu-lhes a honra de receber a primeira visita pastoral.
Receberam, ainda, a visita de D. Umberto Mozzoni, núncio apostólico do Brasil, levando-lhes o apoio dos bispos.
O bispo de Lins, d. Pedro Paulo, também foi visitá -los.
Estavam na etapa de depoimentos na auditoria militar, 8 religiosos na cela, Betto, Ivo, Tito, G., R.A. e H. e Fernando.
Frei Ivo: “…os cristãos não podem ser indiferentes á realidade humana, á construção do mundo. É cair na separação entre Vida e Fé, que o concílio aponta como um dos males de nosso tempo”.
Frei Fernando: “… talvez tenhamos sido escolhidos para sermos o espinho na carne da Igreja no Brasil…” (Pág. 71, O Canto na Fogueira, Ed. Vozes, 1977).
Os dominicanos estavam imersos num lago de fogo e enxofre, como o profeta Isaías escreveu com carvão ardente no Apocalipse, na guerra revolucionária brasileira.
Nascia um novo sol e frei Betto refletia sobre a Bíblia:
“… O que a Bíblia quer e pretende não é comunicar uma determinada visão cultural e histórica do mundo, pois a palavra de Deus se adapta a todas. Ela quer que cada homem seja confrontado em sua vida com Jesus Cristo e chegue a ter condições de fazer uma verdadeira conversão de vida, tanto individual como coletiva…”
“… Este último aspecto da conversão implica na transformação do mundo em que vivemos…”.
Palavras-chave: anos de chumbo; prisão de religiosos.
*João Teixeira, jornalista e escritor, é membro do Conselho Editorial do Jornal Contratempo.

You May Have Missed