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ANOS DE CHUMBO Prestes e a longa jornada da democracia – Parte II

ANOS DE CHUMBO Prestes e a longa jornada da democracia – Parte II

João Teixeira*

O sovietismo na política brasileira do século XX teve em Luiz Carlos Prestes sua maior figura.
O engenheiro militar gaúcho (1898-1990), oficial do Exército Brasileiro durante 20 anos (1919-1936), comandante da lendária Coluna Prestes (1924-1926), tornou-se o homem forte do Partido Comunista Brasileiro (PCB), criado há um século como organização política do proletariado como partido de classe para a conquista do poder e “consequente transformação econômica da sociedade capitalista em sociedade comunista”.
O Cavaleiro da Esperança, epíteto cunhado pelo escritor Jorge Amado, foi uma figura heroica, contraditória e polêmica, como retrato da “era de extremos”.
Idolatrado por comunistas apaixonados, acidamente criticado por seus adversários, sempre perseguido, preso e exilado pelos militares.
_ Você é marxista, Prestes? – indagou-lhe, curioso, Wantuil Gomes dos Santos, seu segurança pessoal na casa de Vila Mariana, antes do golpe civil-militar (1964/85).
_ Eu estudo o marxismo – devolveu-lhe Prestes, no tom de que o estudo não significa a prática da doutrina.
De fato, seus contemporâneos diagnosticam a ignorância do mito em relação ao materialismo histórico.
Octávio Brandão: “Prestes nunca foi marxista, pois nunca estudou a doutrina do proletariado. É um representante da burguesia democrática. Ele deixou cair nas mãos da polícia 1500 documentos secretos em 1936. Facilitou o acesso aos arquivos do PCB pelo Governo brasileiro em 1947. E tinha esquecido em casa invadida após o golpe militar cadernetas particulares com os nomes de centenas de companheiros”.
As célebres cadernetas que Wantuil, ao esvaziar a casa-aparelho, não achou e foram exibidas pelo Dops como troféus.
Os órgãos de segurança haviam descoberto a maior rede comunista das Américas.
A CIA americana fotocopiou as 19 cadernetas em troca das imagens dos brasileiros que haviam treinado guerrilha na Escola Militar de Pequim.
“Prestes era uma santa ignorância. Não tinha cultura marxista” – acusa um velho guerrilheiro da Ala Vermelha do PC do B.
Líder carismático, espiritual e guerreiro, Prestes, como Napoleao Bonaparte (1769-1821), sabia da importância da disciplina e da força na luta pela transformação da sociedade.
O dirigente máximo do comunismo no Brasil, além destes atributos, juntou outro que facilitou o trabalho de seus perseguidores: era redator compulsivo, enchia folhas de papel com datas, nomes e análises da organização clandestina, atas e mais atas que se tornaram peças de acusação em centenas de inquéritos policiais e militares.
Para Prestes, assim como o famoso general francês, a pena era mais poderosa que a espada.
A pena e a fala.
Em 1947, com o PCB na legalidade, Prestes, como único senador comunista, travou debates homéricos com a bancada conservadora no Senado Federal.
“… Prestes nunca pensou com sua cabeça, pensou sempre com a cabeça de Guralsky, Manuilsky, Sinami, Stálin, Ewert, Kruschev. Nunca estudou seriamente os problemas do Brasil e as particularidades nacionais” (Brandão).
Astrojildo, Prestes, Basbaum, Gertel, entre tantos emblemas da revolução, contaram com a nata da intelectualidade, as estrelas da arte e da cultura, na luta contra o atraso e a opressão secular.
Amado, Portinari, Pagu, Tarsila, Drummond, Graciliano, Bandeira, Oswald , entre outros, adeptos da bandeira vermelha da foice e do martelo.
Todos ferozmente perseguidos e vigiados por companheiros mancomunados com a polícia.
Os infiltrados na base e na cúpula do PCB.
Adauto Freire, o agente “Carlos”, surgiu numa bombástica entrevista que concedeu ao Jornal do Brasil, em 3 de dezembro de 1972.
Pernambucano franzino, de bigodinho, Freire era funcionário da Organização das Nações Unidas (ONU) e militante do PCB desde 1950.
Mais tarde, ao lado de Prestes, passou a cuidar das relações exteriores do Partido. Era agente da CIA.
O objetivo da CIA em desmantelar o PCB levou o serviço secreto americano a assediar vários dirigentes, como Armênio Guedes, Orestes Timbaúba, Jarbas de Holanda e – este finalmente cooptado – Severino Teodoro de Melo.
Este dirigente comunista, membro do Comitê Central do PCB, agente policial remunerado cuja nefasta atuação custou a vida de vários companheiros, surge na fotografia histórica que ilustra esse texto.
Em pé: Luís Tenório de Lim; Giocondo Gerbasi Dias; Severino Melo, o agente policial infiltrado na cúpula do PCB; Gregório Lourenço Bezerra; Salomão Malina; Agliberto Vieira de Azevedo; Lindolfo Silva; Almir Matos; e Orestes Timbaúba.
Agachados: Hércules Correa; Givaldo Pereira de Siqueira; Armênio Guedes; e José de Albuquerque Sales.
A foto é da última reunião do CC do PCB na clandestinidade em Paris, em 1979.
Palavras-chave: anos de chumbo; perseguição ao PCB.
*João Teixeira, jornalista e escritor, é membro do Conselho Editorial do Jornal Contratempo.

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