Anos de Chumbo – Versos e receitas do estadão

João Teixeira*

A busca por liberdade de informação – e a denúncia dos que tentam suprimi-la – marcou setores da Imprensa dos anos de chumbo (1964/1985).
A família Mesquita honrou sua tradição liberal á frente de seus jornais.
O influente O Estado de São Paulo, o Estadão, arauto das forças conservadoras que derrubaram Jango em 1964, foi o principal alvo da censura, após a decretação do Ato Institucional (AI) número 5, em 13 de dezembro de 1968.
Censores iletrados, meio analfabetos, com poder de veto sobre o noticiário, eram escorraçados da velha redação na Rua Major Quedinho, no centro paulistano.
“Fora daqui, meu jornal não é lugar de censor!” – Ruy Mesquita, brandindo, ameaçador, sua bengala, expulsou o tipo assustado que fugiu correndo pela redação.
Eu presenciei essa cena, á minha frente, em 1972, na editoria de esportes do Jornal da Tarde (JT).
Atitudes assim dignificavam a profissão e elevavam o moral dos jornalistas.
Para denunciar a censura, o arbítrio do Estado de exceção, que cortava notícias sobre corrupção, epidemias (meningite) e conflitos religiosos, os editores do Estadão e do JT criaram um protesto original e antológico: a publicação de receitas culinárias e de versos de Camões nos espaços em branco (censurados) das páginas.
Os leitores, de imediato, sacaram o lance contra a violência do regime.
A respeitabilidade e a tiragem aumentaram.
Na edição de 24 de setembro de 1972, em O Estado de São Paulo, e no dia seguinte, 25 de setembro, no Jornal da Tarde, foram os únicos jornais brasileiros a driblar a censura na divulgação de notícias sobre a Guerrilha do Araguaia (1972/75), no sul do Pará.
O jornalista Ruy Mesquita, dono do Estadão, fez questão de acompanhar o jornalista Marco António Rocha, o Marquito, editorialista do Estadão, quando o DOI (antiga Oban) o intimou a depor no processo do Partido Comunista Brasileiro (PCB).
“Ele está entrando inteiro para sair inteiro” – disse Mesquita aos militares que o atenderam.
O trauma do assassinato de Herzog pairava no ar.
Marquito saiu inteiro do terrível centro militar de torturas.
O diálogo que o Mesquita também manteve, em outra oportunidade, com um delegado da Polícia Política, o Dops, também ficou famoso:
“Mas esse homem é um comunista!” – berrou o policial no áspero diálogo que mantinha com o jornalista.
“É sim, é comunista, sim, mas é meu comunista” – tascou-lhe o fino empresário burguês liberal que prezava e cuidava bem de seu círculo de amizades.
Bons tempos em que os patrões preocupavam-se com a sorte de seus funcionários.
O jornalista do Estadão foi libertado.
Nestes casos de chumbo, verídicos, é forçoso destacar o papel desempenhado pela chamada Imprensa Alternativa, dos anos 1970, jornais como O Pasquim, Movimento, Opinião, O Repórter, entre outros, que mantiveram a luta pelo sentido crítico do Jornalismo independente.
Palavras-chave: Imprensa perseguida; censura no Estadão.
*João Teixeira, jornalista e escritor, é membro do Conselho Editorial do Jornal Contratempo.

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