Deus Negro!
O conceito de um ser supremo, criador do mundo, é produto da imaginação do pensamento humano. Cada indivíduo, por sua vez, transmite ao coletivo esta fantasia, através de uma ideologia ou religião. A fantasia volta mais forte e embota a mente. Se o Universo não teve começo, não tem fim e está em constante transformação, dialeticamente, é o próprio Deus, o qual, para Marx, foi criado pelo Homem – e não o contrário. Mas, se houvesse um criador do mundo, da primeira forma de vida, das demais e do ser humano, como Ele seria?
Nas escrituras ditas sagradas, está bem dito que Deus fez o Homem à sua imagem e semelhança e, assim sendo, por força de conseqüência, Ele é negro. O ser humano, independente de sua origem, surgiu em algum lugar na Terra e, a partir deste foco, foi se multiplicando e espalhando-se por todo o globo, migrando, diferenciando-se até o estágio atual. Assim é que, uma única espécie de ser humano, o homo sapiens sapiens, resultou em diferentes fenótipos (caracteres visíveis do indivíduo) que, da mesma raça, podem se cruzar sexualmente, seja no sentido da diversificação ou da originalidade. Com o surgimento do mercado, as facilidades de locomoção e migração, o contato entre os povos do mundo estreitou-se de tal forma que intensificaram-se os cruzamentos entre os diferentes fenótipos.
Então, aquilo que a seleção natural vem fazendo desde o surgimento do homem (e da mulher), há mais de dois milhões de anos, na África, como se sabe, definindo diferentes padrões de fenótipos, a globalização pode mudar. Este processo caminha no sentido contrário ao da seleção natural, que diferenciou, e agora tende a unificar, um padrão médio de indivíduo, assemelhando-os no fenótipo e na cultura. O intercâmbio cultural e a miscigenação estão descaracterizando a língua, a alimentação, as vestimentas, a música e mesmo o tipo físico e o corpo das pessoas. O corpo, que até artificialmente pode mudar com as cirurgias corretivas e os implantes, atualmente convive com o mal da obesidade.
Homem universal
Pois o Homem superou as barreiras naturais do calor, do frio, da falta d’água e da luz zenital, da comida, da distância e da locomoção. Mas perdeu o sentido biológico do melhor, do mais apto ou do mais bem adaptado a sobreviver com mais facilidade. É vergonhoso dizer que, vence, geralmente, o mais rico, o dotado da melhor tecnologia e da nova fala. Ainda que a disputa seja atual e se dê dentro de novos conceitos, numa perspectiva mais política e social, há uma luta pela vida, haja vista tanta fome e miséria matando populações inteiras em algumas regiões da África e em outros cantos do mundo. Mas não falta comida, o básico de alimentação, o que há é má distribuição de renda. O ser humano no mundo moderno está se tornando um cosmopolita, um cidadão do mundo e, nesta condição, pode conviver, acasalar e procriar em qualquer lugar do planeta. E até mesmo fora dele, por maiores que sejam suas limitações culturais.
Tudo é possível nesta época de livre mercado, intenso intercâmbio comercial, científico e de turismo, atividades integradoras cujos índices superam divergências religiosas, sociais e políticas. A quebra de isolamentos permite que os cruzamentos resultem num novo padrão médio de homem e de mulher, comum, com uma língua universal.
Caras, roupas e alimentos comuns
Afora a genética, sem considerar o fenótipo, o visual das pessoas tem se unificado pelo mercado de consumo, cujo fetiche da mercadoria tende a igualar as pessoas em seu aspecto exterior. E, de novo, ele próprio diversifica suas características. A finalidade das vestes é a proteção em si e seu valor de uso é superado pelo valor de troca. O fetiche faz com que as pessoas usem sapatos caros, que machucam os pés. Roupas novas, que já vêm rasgadas, ou que, em vez de proteger o corpo, realçam cada detalhe do talhe. É a rebeldia chique. E invertem a própria cabeça, a ponto de usarem o boné ao contrário, e à noite, ignorando que o bico serve para proteger os olhos da luz. O mundo veste blue jeans, cada um diferente do outro. Este padrão estético de roupa e de acessórios também tende a igualar os seres humanos. Na China, o jaleco de Mao Tsetung nem por medida de economia conseguiu unificar a moda universal e perdeu a guerra contra o blue jens. Com o advento da comunicação e do marketing, com o fetiche e o consumismo, foi possível fazê-lo, da cabeça aos pés. É a revolução planetária, na ditadura da moda do boné, óculos ray-ban, camiseta, jeans, tênis, botas, mochilas, pochetes, bolsas, jóias e outros objetos de desejo. Isto acontece no Brasil ou em uma aldeia da Tailândia.
Afastamento das origens
Da mesma forma, o fenômeno afeta o paladar e o gosto pelo fast food, a refeição ligeira, à base de hot-dog, hambúrguer, pizza, macarrão, ao som universal dos metaleiros e a fala comum, a língua do capital. Igualdade é o sonho acalentado dos socialistas, em busca de direitos humanos iguais e que cada um possa viver com salário justo, para um trabalho justo – o contrário de quando o homem surgiu, com cada um para si, biologicamente diferenciado pela genética. Depois, com as famílias, as tribos, formaram-se as sociedades e os Estados. O acasalamento, com o feto, o afeto, o sentimento e o amor, agregou a unidade familiar, não incestuosa, que a sociedade moderna separa. A evolução caminhou no sentido do afastamento das origens e melhoria do biótipo, que se manteve genuíno pelos caracteres dominantes.
Este fato concreto nos dá a certeza, pouco divulgada, de que o ser humano, quando surgiu, tinha menor porte, era coberto de pelos e tinha pele negra. A migração para o norte da África, Europa, Ásia e América, com a perda da melanina e a influência da vitamina D, com o isolamento, em sucessivos cruzamentos, com a seleção natural, a adaptação ao meio e as mutações genéticas, clareou sua pele negra.
Em novas migrações e mutações, originaram-se e conservaram os tipos negro, branco, o amarelo asiático e o índio de pele vermelha. A genética colegial mostra que, do cruzamento entre um branco e um negro, a partir da primeira geração, resulta sempre um mulato, 50% de cada indivíduo?. E que, sucessivamente, é possível ir clareando a pele até a quarta geração, quando surge um tipo branco, tendo o negro como caractere dominante. Ou seja, dois descendentes com ascendência de negro podem resultar em um negro puro.
Ignoro o motivo pelo qual o negro, historicamente tão discriminado, e até mesmo escravizado por seus pares e o capital, que fez dele ainda mais capital – não utiliza esse fato científico a seu favor. A grande verdade é que seu biótipo carrega um gene dominante, o que, em suma, mantém a espécie pura, e quando se degenera pode voltar ao ser humano original. Outra é a da beleza do porte físico do negro, num mundo que cultua o corpo: sua compleição atlética é a mais apta, a dentição é de fazer inveja e a mente de todos os seres humanos é subutilizada.
No Brasil, na mineração, eu tenho dito (Gonçalves, 2002:154-5) que o negro superou o branco, pois era um trabalho criativo e especializado, com oportunidades inclusive de promoção por mérito, da compra da própria alforria, que podia recebê-la também como prêmio por um achado (com uma pedra de 17,5 quilates, o escravo ganhava a liberdade), uma situação bem diferente da dos escravos do café e da cana-de-açúcar, dos quais não se exigia nada, além da força física.
Outro fato interessante é que a população brasileira, conforme estudos coordenados pelo Professor Sérgio Pena, geneticista da UFM, segundo seus códigos genéticos, tem um gene negro como componente comum, qualquer que seja seu lugar de origem. Por último, creio que a mais importante e pura verdade seja a que diz respeito a Deus. Com todo respeito, num mundo místico e religioso, posso afirmar, até sob a fé de meu grau, que se fosse vero que “Deus fez o homem à sua imagem e semelhança”, Ele teria que ser um negro. Isto que nunca ninguém propaga, pois que, para que esse dogma possa ter o mínimo de verossimilhança, necessariamente Deus teria de ser um ser negro. Pois o primeiro dos homens – repito isso à exaustão – surgido há mais de dois milhões de anos n’África, a Geologia prova que era negro, sem sombra de dúvidas.
Como o Deus dos católicos foi criado por brancos judeus, Ele, à sua imagem e semelhança, é mentalizado, ou imaginado, e até representado – apenas Moisés o teria visto –, como um ser de barbas, pele branca e olhos azuis. O do asiático cristão deve ser mentalizado de olhos puxados. O dos índios, assim como o dos comunistas, é vermelho. E o dos negros, ora, só pode ser negro, por dupla razão. A do próprio pensamento de um negro, que não pode imaginar um Deus branco. E a da História natural, da evolução, que mostra a origem negra.
No Brasil, pelo menos, faz sentido, além do bordão “Deus é brasileiro”, Ele pode ser negro, sim. Pois que a nossa Padroeira, que tantos devotam e veneram, Nossa Senhora da Aparecida, mãe de Jesus, o filho de Deus, que com o Espírito Santo compõem a Santíssima Trindade, é simbolizada por uma imagem negra. No dia em que se comemora a libertação oficial dos negros, em 13 de maio de 1888, relembremos a data, com a reflexão de que não há raça branca ou negra, somos todos irmãos e filhos da Natureza.
João Teixeira e Everaldo Gonçalves – Geólogo, ex-professor da USP e da UFMG