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Lições da Síria: A Rússia cria infantaria motorizada super leve.

Lições da Síria: A Rússia cria infantaria motorizada super leve.

Escrito originalmente por SouthFront.org:
https://southfront.org/lessons-of-syria-russia-creates-super-light-motorized-infantry/

Imagens e legendas disponíveis na internet e adicionadas pelo tradutor.

Traduzido do inglês por Filipe Luiz dos Santos Rosa.

 

Uma das armas icônicas da Guerra Civil Russa foi o “tachanka” – uma carruagem leve sobre rodas puxada por dois pares de cavalos e carregando uma metralhadora pesada Maxim, este era um sistema de armas ideal para espaços abertos, pouco acidentados e com baixa densidade de tropas daquele conflito. Os Tachankas foram usados ​​por praticamente todas as facções daquele conflito para fornecer uma cobertura móvel de fogo direto às formações de infantaria e cavalaria.

Reencenadores históricos Russos demonstrando o uso da “Tachanka“.

Após a guerra, com o Exército Vermelho finalmente se tornando uma força regular bem equipada com armas modernas, a tachanka desapareceu de seus arsenais. No entanto, décadas depois, vemos sua reencarnação como os denominados “technicals” – caminhonetes de tração 4×4 armadas com metralhadoras pesadas, canhões antiaéreos automáticos ou mesmo lançadores de múltiplo de foguetes – usados em escaramuças na África, onde mais uma vez se encontravam as condições táticas similares às da guerra civil russa.

Technicals em operação durante conflitos modernos em áreas desérticas, estes veículos oferecem grande poder de fogo e alta mobilidade com baixo custo.

Uma vez que a onda de mudanças de regime varreu o Oriente Médio, era inevitável que os technicals viessem a ter um uso extensivo nessas guerras. Na verdade, as frotas de caminhonetes Toyota Hillux novas e personalizadas se tornaram inconfundivelmente associados ao Estado Islâmico (ISIS) durante seus avanços triunfantes em todo o Iraque e na Síria.

A sua utilidade nesse conflito foi, novamente, devido às condições predominantes deste teatro de operações: baixa densidade de tropas, terrenos abertos e razoavelmente planos que favorecem as operações móveis. Mesmo o poder aéreo não era uma contramedida efetiva contra esta verdadeira cavalaria leve do deserto. A maestria do Estado Islâmico neste método de guerra tornou-se particularmente evidente na recaptura da cidade de Palmira em 2016, quando conseguiram atacar o saliente prolongado de várias direções e em muitos pontos simultaneamente, colapsando as defesas sírias (nota do tradutor: essa tática de ataque ficou conhecida como “flor de lótus”). As unidades dos ISIS equipadas com caminhonetes também se mostraram eficazes em frustrar operações ofensivas ao assediar as linhas ​​de comunicações vulneráveis de forças mecanizadas pesadas.

Esboço do ataque lançado pelo ISIS contra o “Saliente de palmira”, evidenciando a técnica da “flor de lótus”, operação que culminou com a retomada da cidade histórica pelos radicais Jihadistas em 2016.

Com o tempo, no entanto, o exército árabe sírio (SAA) e suas forças consultivas russas desenvolveram medidas efetivas contra as táticas do ISIS, em parte criando forças similares. Os militares russos chegaram a organizar um batalhão, com base em Samara, na recém formada 30º Brigada Motorizada Independente de Fuzileiros, do 2º Exército de Guardas no distrito militar central, como uma força equipada essencialmente com a versão do século XXI da tachanka: a UAZ -3163 Patriot.

O Patriot é uma caminhonete de 4×4 de cabine estendida com uma carroceria de carga otimizada para montar armas pesadas operadas pela tripulação, como as metralhadoras Kord 12.7mm, os lançadores de granadas automáticos AGS-30 e os mísseis guiados antitanque ATGM Kornet. Além disso, o “batalhão tachanka” está equipado com morteiros portáteis de 82 mm. Enquanto o resto da brigada tem o equipamento padrão compreendido por blindados BTR-82A de transporte de tropas e tanques T-72B3, sua artilharia é limitada a obuseiros rebocados D-30 de 122 mm, o que sugere que a brigada inteira se destina a ser treinada para a missão de guerra no deserto de baixa densidade de tropas. Os relatórios de exercícios indicam que a artilharia da brigada está trabalhando técnicas para lidar com forças de caminhonetes inimigas altamente móveis.

UAZ -3163 Patriot com morteiro Podnos  82 mm na carroceria e possíveis armamentos.
Obuseiro médio de 122mm russo sendo rebocado.

A opção de recorrer às caminhonetes, blindados sobre rodas e obuseiros médios rebocados também confere à unidade a combinação de mobilidade estratégica e operacional. Exceto pelos tanques, todos os seus sistemas de armas poderiam ser rapidamente aerotransportados para uma zona de conflito de maneira apenas comparável aos Paraquedistas da VDV (Tropas Aerotransportadas da Federação Russa). No entanto, a predominância de plataformas móveis sobre rodas desta brigada significa que, ao contrário das unidades VDV equipadas com os blindados BMD, a 30ª Brigada teria uma grande mobilidade operacional uma vez na zona de conflito. A vantagem dos veículos sobre esteiras na mobilidade tática praticamente não foi perceptível no teatro de guerra sírio, devido ao terreno que favorece os veículos sobre rodas, mesmo quando se deslocam fora das estradas.

O estabelecimento permanente de uma força que parece feita sob medida para as condições do deserto moderno e, possivelmente, também para a estepe, sugere que as forças armadas russas não consideram o conflito sírio como uma experiência única e improvável de se repetir. Existem outros conflitos em curso em que as forças russas podem ainda ser levadas a se envolver, incluindo o Iraque e a Líbia. Além disso, o futuro incerto do Afeganistão e o fortalecimento do ISIS nessa região significam que os países da Ásia Central correm o risco de tornarem-se também teatros da guerra. Existe um número suficiente de cidadãos desses países que lutam nas fileiras do ISIS e de outras forças islâmicas na Síria para tornar essa ameaça bastante plausível. Ter uma força que é capaz de intervir prontamente e decisivamente nesse tipo de cenário é a melhor garantia de cortar pela raiz qualquer possível versão do século XXI da “Revolta dos Basmachi“.

Filipe Luiz dos Santos Rosa é graduado em geografia e possui especialização em história militar.

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