A inovação do retrocesso em Ourinhos – por Luís Horta
Em seu primeiro ano de administração, Lucas Pocay rompe convênio com o Estado atingindo quinze professores, retornando a prática de indicações para os gestores nas escolas.
A municipalização do ensino fundamental no Estado de São Paulo sempre foi combatida pela APEOESP – Sindicato dos Professores e pela maioria dos educadores paulistas. Entendíamos que a transferência da obrigação constitucional da educação básica, embora pudesse ser compartilhada com os municípios no Ensino Fundamental, resultaria em um grande ônus aos entes mais fracos da Federação, principalmente em relação à participação municipal na partilha da carga tributária e à dependência ainda maior que teríamos em relação aos inúmeros deputados “despachantes” que sobrevivem politicamente através de concessão de emendas parlamentares em seus redutos eleitorais. Após a implantação do projeto e das benesses iniciais concedidas pelo Estado, os municípios, em grande parte, ficariam na dependência das transferências do FUNDEF/FUNDEB para complementarem o orçamento da Educação e dos atos de “benevolência” de governadores e deputados se quisessem ampliar sua rede, construir, reformar ou manter as escolas em funcionamento com a qualidade que nossa população reclama e merece.
Outro fator que nos mantêm contrários à municipalização seria a possibilidade do uso político da estrutura física e pessoal da educação pública pelos mandatários municipais. Infelizmente, apesar de todos os esforços empreendidos nas últimas décadas para que a Educação fosse uma Política de Estado, com a finalidade de se manter independente de quem governa, com raras exceções no País, isto ainda não foi alcançado. Muitos de nossos governantes insistem em transformar os espaços escolares em meios de promoção política e, em alguns casos, professores e funcionários – dependendo da forma da contratação – em cabos eleitorais permanentes para tentarem sua perpetuação no poder.
Em Ourinhos, apesar de todos os esforços que a APEOESP local empreendeu para que a municipalização não ocorresse, ela foi implantada e algumas escolas estaduais foram transferidas para a administração municipal de “porteira fechada”, ou seja, toda a estrutura física e seus professores foram transferidos para o município. Os prédios escolares passaram para o patrimônio da cidade e os professores puderam optar em permanecer através de um convênio firmado, prestando seus serviços na própria escola, agora municipal, com a garantia de que poderiam permanecer nesses locais de trabalho até a chegada de suas aposentadorias.
Os professores que optaram em prestar seus serviços ao município foram acolhidos pelas diversas administrações que se sucederam ao longo das duas últimas décadas e passaram a fazer parte do Sistema de Ensino municipal, que difere da prática do sistema Estadual, considerando o seu nível de autonomia. Ou seja, cada um desses sistemas de ensino mantém sua independência, identidade, opções e materiais pedagógicos próprios, valores e práticas, assim como seus tempos escolares, tempos de formação e Conselhos de Educação autônomos, sendo que a única ligação que estes mantêm é a subordinação de ambos os sistemas às diretrizes nacionais adotadas pelo MEC – Ministério da Educação.
Assim, os professores que permaneceram prestando seus serviços ao município passaram a desempenhar suas funções de acordo com as diretrizes propostas pelo sistema municipal. Tiveram que se adaptar e buscar a formação exigida ao longo de suas carreiras dentro dessa nova realidade. O município, por sua vez, também passou a investir na formação de todo seu quadro funcional, oferecendo, dentro das possibilidades e realidade orçamentária, cursos de formação, aperfeiçoamentos, pós-graduações e, diferentemente do Estado, adotou a jornada obrigatória de trabalho do piso salarial nacional, concedendo a todos seus professores 1/3 (um terço) de suas jornadas de trabalho fora da sala de aula para que as necessárias capacitações pudessem acontecer.
Esses professores foram preparados e capacitados pela educação municipal para oferecerem a seus alunos o ensino proposto pelo Plano Municipal de Educação em vigor. Recursos municipais de nossos contribuintes foram investidos anualmente na formação desses professores que se inseriram integralmente no sistema e passaram a oferecer o melhor de seus préstimos para a formação de nossas crianças, isso reconhecido por muitos pais que, em alguns casos, também foram alunos desses professores.
Após duas décadas, muitos desses professores se aposentaram ou por motivos particulares como, por exemplo, mudança para outras cidades, deixaram a Rede Municipal e retornaram à Rede Estadual e, em 2017, restaram cinco abnegadas professoras conveniadas que estão próximas de suas aposentadorias.
É importante constatar que a permanência destas professoras na Rede em nada onerava o erário público, pois o município reembolsava ao Estado apenas o que era investido em seus salários, que pouco difere dos professores municipais, porém o investimento ocorrido com a formação delas estaria perdido se estas fossem desligadas do Sistema Municipal.
Todavia, essa medida sempre foi considerada totalmente fora de propósito já que havia um acordo “tácito” pela renovação anual quando o convênio foi firmado e que foi mantido por todos os governos locais que se sucederam após a municipalização, independentemente dos grupos políticos que assumiam nossa administração municipal, já que todos esses, apesar de divergências, sempre foram ligados e se apresentavam como base de apoio e sustentação aos sucessivos governos estaduais do PSDB. Muitos entendiam que um rompimento poderia significar uma afronta ao governo estadual, que teria reflexos na continuidade e ampliação dessa política de municipalização em esfera estadual, pois amplificaria ainda mais a resistência contra esse projeto pelos professores estaduais e também pela própria comunidade local, pela confiança e respeito que mantém aos professores de seus filhos que seriam dispensados.
Inacreditavelmente no final de novembro, recebemos a informação que a atual administração municipal havia solicitado, unilateralmente, o rompimento do convênio e estava devolvendo nossas cinco professoras ao Estado. Após duas décadas de trabalho árduo e investimentos municipais em formação, estavam sendo descartadas pela administração. Professoras prestes ao merecido descanso na aposentadoria, que deveriam ser reconhecidas pelo longo tempo de dedicação na Educação Municipal, que estavam crentes que tínhamos uma política de Estado na Educação, que as promessas feitas pelo governo estadual e municipal que as levaram a optar em continuar trabalhando em suas escolas que foram municipalizadas e teriam a garantiria da permanência, foram surpreendidas e humilhadas por uma decisão autoritária, unilateral e sem chance de qualquer contraponto.
Ao tomarmos conhecimento dessa excrescência, procuramos contato com alguns membros do Conselho Municipal de Educação de Ourinhos para sabermos se essa decisão havia sido aprovada pelos seus membros, já que temos aqui em Ourinhos, um Sistema próprio de Ensino e o Conselho Municipal funciona como um órgão deliberativo e não apenas consultivo em relação às mudanças implantadas. Ficamos pasmados ao saber que em nenhum momento deste ano tal assunto foi colocado em pauta no Conselho e votado por seus membros. Procuramos um representante da Diretoria Estadual de Ensino da cidade que relatou que apenas haviam sido informados pelo setor responsável dos convênios em São Paulo, que a Prefeitura Municipal havia enviado o cancelamento do convênio e estavam tão surpresos como nós e os professores “jogados fora” pela administração.
Fizemos contato com um dos responsáveis pela gestão na Secretaria Municipal, expondo nossa contrariedade e a repercussão negativa que a medida estava tendo junto aos professores e solicitamos uma audiência com o secretário da educação e se possível com o prefeito, para questionarmos o absurdo que estavam fazendo, já que a medida teria efeito não apenas em cinco professores, mas atingiria no mínimo quinze professores e suas famílias, uma vez que o município teria que contratar para os lugares vagos e o Estado teria que dispensar os que estavam substituindo-as durante a vigência do convênio. Apesar das várias tentativas, não recebemos retorno da secretaria municipal no agendamento da conversa, ou seja, além das professoras, estranhamente a administração municipal ignorou nossa solicitação feita em nome da direção da APEOESP, que representa mais de 190 mil filiados no Estado e apenas em nossa região, mais de mil professores.
Embora não tenhamos o costume de opinar ou analisar administrações em seu primeiro ano de mandato, uma vez que estas são obrigadas a administrarem com um orçamento herdado do Executivo e Legislativo anterior e, assim, as prioridades e investimentos, em muitos casos, já estão com seus recursos carimbados na destinação, restando pouco a se fazer para rever isso, no caso da Educação Municipal não há como não nos posicionarmos e expormos nossos entendimentos.
A Educação Municipal em Ourinhos, apesar de todas as críticas que fazíamos naquilo que discordávamos como a adoção de materiais pedagógicos da rede privada em detrimento aos livros didáticos fornecidos pelo MEC, inegavelmente construía sua própria identidade e autonomia. O Conselho Municipal de Educação através de seus membros, possuía liberdade nas deliberações e fiscalizações que realizavam e a Secretaria Municipal, muitas vezes contrariada, fazia valer as decisões aprovadas. Chegou-se praticamente a alcançarmos no município, uma Política de “Estado” na Educação, onde independentemente das cores partidárias, os caminhos traçados eram percorridos com independência e até mesmo os gestores das escolas começaram a deixar de ser indicados politicamente e passaram a ter que demonstrar competência e serem eleitos pela comunidade escolar, embora sempre fizemos a defesa do concurso público como forma de ingresso. Muitos avanços ainda precisavam ser alcançados, mas o caminho estava sendo percorrido com alguma desenvoltura.
A eleição de um jovem para ocupar o Executivo Municipal trouxe consigo a esperança de que a administração continuaria no percurso da democratização das práticas, modernização das gestões e, principalmente, um cuidado maior com o dinheiro público e no trato com o funcionalismo municipal. Esperávamos que o funcionalismo fosse valorizado e enterrassem de uma vez o acesso através das indicações políticas e com exceção aos secretários e alguns membros do segundo escalão, todos os demais deveriam ser contratados através de concursos públicos, eleições de seus pares com a comunidade envolvida ou ainda, que se prestigiassem os funcionários concursados no acesso as diversas funções de chefia, com a participação dos servidores dos setores. Esse tema havia sido amplamente debatido na campanha eleitoral e tínhamos esperança, pelos discursos e promessas em campanha, que os servidores seriam valorizados, e não haveria retaliações aos que democraticamente, haviam apoiados A, B ou C.
Infelizmente, até o momento, o que podemos observar foi o desprestigio ao funcionalismo que, no caso dos professores, alteraram o Estatuto e seus gestores, que vinham sendo eleitos pela comunidade escolar, voltaram a ser indicados e impostos pela gestão municipal, ou seja, voltaram a ser “cargos de confiança” e assim, devendo obrigações políticas ao mandatário municipal e não mais competência e apoio da comunidade.
Entendemos que o fim do convênio com o Estado, se for mantida a decisão, ocorre não por incompetência das professoras ou cuidado com o erário público, mas possivelmente, como exemplo aos que se levantaram nas últimas paralisações e greve no funcionalismo municipal, reivindicando melhores salários e condições de trabalho. Ou seja, a greve que é um direito constitucional dos trabalhadores, em Ourinhos, se isso for verdade, passa a ser motivo de perseguição; seria a “Inovação do Retrocesso” daqueles que se intitulavam como sendo “modernos e eficientes” na gestão pública.
Esperamos que nosso prefeito reconsidere a decisão tomada e passe a ouvir os órgãos representativos de classe e da sociedade civil nas medidas que possam a vir a ter repercussões na vida dos cidadãos. Educação Pública, assim como a Saúde e Segurança é coisa séria e para nossos munícipes, não importa se é gerida pelo Estado ou pelo Município, ela é pública e de responsabilidade compartilhada.
Esperamos também que nossos vereadores honrem seus eleitores cumprindo com os deveres inerentes ao mandato a que foram eleitos, propondo leis que melhorem a vida da comunidade, que fiscalizem e cobrem o Executivo com autonomia e independência, pois no caso relatado, poucas vozes ouvimos na defesa dessas professoras em nosso legislativo ou proposta de reversão da medida, o que é uma pena. Esperamos que os vereadores apoiem o Prefeito naquilo que for bom para a comunidade e que principalmente, apoiem Ourinhos, para que possamos chegar aos 100 anos como uma cidade modelo em administração e desenvolvimento para toda nossa região, e não uma cidade de coronéis como eram nossas cidades no início do século passado.
Profº. Luís Antonio Nunes da Horta
Coordenador Regional e Diretor Estadual