×

60 anos da regulamentação da Psicologia como profissão no Brasil

60 anos da regulamentação da Psicologia como profissão no Brasil

Há um costume entre os cursos de graduação em Psicologia de se perguntar aos alunos calouros o porquê de ter escolhido essa carreira. Lembrar desse momento costuma ser divertido, pois o mais comum é que se dê uma resposta ingênua, fundamentada em perspectivas irreais sobre o curso e a profissão.

Minha resposta foi dada em 2003, na Unesp de Assis. Afirmei que gostaria de conhecer melhor o ser humano e poder ajudar as pessoas. Talvez não tenham sido exatamente essas palavras. Ao longo dos anos, ouvi bastante que uma concepção como essa seria “romântica”. Particularmente no meio acadêmico, há certo consenso em torno de que a Psicologia não ajudaria nada, nem ninguém. Seria um produzir conhecimento guiado por certa perplexidade diante do absurdo da existência humana.

Não sei qual finalidade a Psicologia poderia ter se não estivesse voltada ao conhecimento sobre o ser humano, podendo com isso contribuir para seu bem-estar e desenvolvimento, em sentido amplo. 

Ela se diferenciou da Filosofia buscando, inicialmente, um objeto próprio, nas últimas décadas do século XIX. Na virada para o século XX, começa a se constituir como Psicologia aplicada, voltando-se primeiramente para a Educação. Já temos uma história de sairmos de uma posição apenas especulativa, em direção a uma práxis – a unidade dialética entre a reflexão teórica e sua aplicação, gerando conhecimento que realimenta esse movimento.

 O pessimismo, apresentado como elemento de erudição, subtrai a vitalidade da prática psicológica e do pensamento que lhe é subjacente, lançando-os no mutismo burocrático, tão bem representado pelo senso comum na figura do psicólogo que nada fala, olhando marmoreamente para a pessoa que tenta expressar seu sofrimento.

Essa posição dá força às pseudociências, práticas que não são nem científicas, nem religiosas, distorcendo tanto as religiões, quanto às ciências. Elas se disseminam por trazerem promessas de cura rápida e ações fantasiosas, mergulhadas em um otimismo alienado (“gratiluz”), tão destrutivo quanto o pessimismo erudito.

Neste dia 27 de agosto, comemoramos 60 anos da promulgação da lei que regulamenta a profissão de psicólogo no Brasil. Temos um Código de Ética cujos princípios fundamentais são explicitamente inspirados na Declaração Universal dos Direitos Humanos. 

A Psicologia, em suas diversas áreas e abordagens, deve contribuir efetivamente para um mundo menos desigual, combatendo o preconceito, a discriminação, a má distribuição de renda, entre outros fatores de nossa sociedade que produzem sofrimento.

Afinal, a pessoa humana não é uma individualidade fechada, a qual seria origem e fim dos próprios fenômenos que lhe dizem respeito. Está no mundo, dele faz parte, inclusive construindo-o. Se não combatemos as raízes sociais, políticas e econômicas do sofrimento, caímos nos mais grave dos erros: de engendrarmos práticas com caráter de placebo, que podem dar a aparência de ajudar, mas nada fazem concretamente.

Talvez precisemos retomar o “romantismo” da Psicologia. Lembrar de tempos em que foi necessário lutar pelo reconhecimento da profissão e pelos Direitos Humanos. Até porque são exigências do nosso presente.

Luiz Bosco Sardinha Machado Júnior, psicólogo (CRP 06/96910),

Doutor em Psicologia pela Unesp/Assis. Contato: (14) 9 9850 0915

You May Have Missed