A prevenção ao suicídio é uma questão pública
Concluímos este “Setembro Amarelo” com a constatação de que se consolida no Brasil como período de intensa reflexão sobre a prevenção ao suicídio. Corretamente, isso inclui a preocupação com a saúde mental, compreendendo-a como os cuidados com o bem-estar das pessoas e a atenção ao sofrimento de ordem emocional ou psicológica.
Podemos observar as ações deste Mês enfatizarem que toda vida vale a pena, que sempre é possível superar um momento difícil; que devemos ter empatia com o sofrimento alheio e buscar estabelecer atitudes “positivas” no ambiente de trabalho, na educação, entre outros. Fala-se também da importância do apoio mútuo e não temos dúvida do quanto isso é importante: ouvir o que o outro tem a dizer, permitir que um desabafo ocorra e acolher de verdade as necessidades emocionais realmente faz a diferença e pode evitar situações extremas ou trágicas.
Sabemos que um mês de preocupação com esses temas não é suficiente. O período de campanhas e atividades deve servir à conscientização, para que os cuidados se tornem permanentes. Não é um caminho fácil e uma das maiores dificuldades está em compreender que não estamos falando de fenômenos individuais.
O suicídio no Brasil é um fenômeno que atinge principalmente homens (79% dos casos), com correlação com o desemprego. Podemos apontar também questões culturais, como a dificuldade dos homens aceitarem buscar ou receber ajuda especializada (médica ou psicológica) e a não serem habituados a expressar suas dores, principalmente quando se trata do sofrimento emocional.
Entre as mulheres, o suicídio está correlacionado à violência doméstica. De fato, as diversas formas de violência (física, sexual, psicológica) contra as mulheres ainda são comuns em nosso País e exigem atenção. Tristemente, ainda temos ações que precisam ser melhor desenvolvidas. Além disso, aquelas que sofrem alguma forma de violência muitas vezes não conseguem ou não sabem para quem contar sobre o que está acontecendo; também é comum que tenham medo em fazê-lo. Logo, não veem saída para sua situação.
O problema do suicídio entre homens e mulheres exige políticas públicas pertinentes, como geração de emprego e renda, fortalecimento da rede familiar e comunitária, combate à violência, bem como ampla assistência à saúde. Aí está a chave para se pensar em ações concretas: a boa elaboração e execução de políticas públicas. Os cuidados individuais são indispensáveis, bem como as ações de conscientização. Contudo, seus efeitos serão efêmeros e de alcance reduzido se não vierem acompanhados de ações sólidas, que se mantém no longo prazo e contam com os subsídios adequados para seu bom funcionamento.
O SUS tem papel fundamental oferecendo atenção em diversos níveis, desde as unidades básicas (“postos de saúde”), até os CAPS (“saúde mental”). O trabalho não visa somente atender a quem já está em situação de sofrimento. Busca também a prevenção, através de articulações com a Assistência Social, a Educação, a Cultura e todas as instâncias cujo dever é o de garantir condições dignas de vida à população.
Quando falamos da importância das políticas públicas para a prevenção ao suicídio e promoção da saúde mental, precisamos recordar que se tratam de questões que não podem ser consideradas luxo ou privilégio. Todas e todos têm direito à saúde e a uma vida com dignidade e bem-estar. A prevenção passa pela construção de uma sociedade mais igualitária, com cuidados e oportunidades iguais, e isso se faz coletivamente, pensando no bem público.
Concluímos o Setembro de 2021 mantendo uma luz amarela acesa, alertando para o desmonte das políticas públicas, que passa pela PEC do Teto de Gastos; pelos ataques incessantes à máquina pública, incluindo a precarização do trabalho do servidor; e pelo trabalho ideológico que convence as pessoas de que tudo que diga respeito ao público é “ruim”, ou “mal feito”, ou ainda, “corrupto”. As políticas públicas são nossas e devem nos servir. Se há problemas a serem corrigidos, não é extinguindo-as que conseguiremos.
A luta contra o suicídio e pela nossa saúde mental é a luta pela garantia de serviços públicos autônomos, com recursos e protegidos dos ataques neoliberais ou do grupo político que esteja no poder no momento.
Autor:
Luiz Bosco Sardinha Machado Júnior
Psicólogo da Secretaria de Saúde de Bernardino de Campos
Coordenador do Curso de Psicologia da Faculdade Estácio de Sá de Ourinhos
Doutor em Psicologia pela Unesp – Assis
Contato: (14) 9 9850 0915