A Quarta-Feira de Cinzas e outros repousos sagrados
A gente conhece bem o Carnaval, mas hoje quero falar da Quarta-Feira de Cinzas. Quem gosta da folia se ressente, tentando estender ao máximo a festança, entrando pelo dia santo. Para aqueles menos chegados aos encantos do Rei Momo, é um dia mais devagar, em que se entra no trabalho ao meio-dia. É presente o chamado a se dedicar a alguma vaga devoção, bem à brasileira: o sinal da cruz feito com cinzas é algo concreto, o que sempre foi mais do gosto nosso, avesso à fé abstrata.
Desde “sempre” ouço o discurso de que o Brasil tem feriados demais, que isso atrapalha o desenvolvimento do País, a economia perde etc. Como se nossos problemas viessem de meia dúzia de dias a menos trabalhados e não de séculos de exploração por potências estrangeiras.
O que penso ter de novidade é a força do discurso religioso. Não aquele do católico não-praticante, pois esse ama o carnaval. Falo do pentecostal, cada vez mais presente no nosso dia a dia, ganhando espaço, botando louvor para tocar em loja com liquidação, para quem a festa da carne sempre foi… bem, carnal demais.
Eu não deveria me meter a falar disso, pois, infelizmente, quando se toca nesse ramo de assunto, muita gente corre a tomar como crítica, sem fazer o esforço de entender do que se fala. Não tenho obrigação nenhuma de defender tradições católicas (penso que o Divino não vai me cobrar isso). Apenas constato uma mudança que pode parecer pequena, mas fazendo com que uma lenta erosão de antigos costumes vá ficando cada vez mais visível.
Acho importantes essas datas em que tudo para. Momentos em que até os insaciáveis supermercados fecham, em que as lanchonetes dão uma pausa e nos forçam a não pedir nem sair de casa. Dias como a Sexta-Feira santa, em que não resta nada a fazer a não ser ficar em uma quietude doméstica.
As ruas ficam vazias, tudo parece mais silencioso e ficar dentro de casa é convidativo. Sem festa ou churrasco, sem sentir aquela necessidade de inventar algo para fazer. Simplesmente deixar o dia escoar.
A economia vai se magoar? Essa é uma divindade que me parece impossível de agradar… Mas meu bem-estar e minha convivência familiar apreciam esses momentos sagrados.
Luiz Bosco Sardinha Machado Jr.
Psicólogo e professor universitário