Uma reflexão honesta sobre nosso sofrimento mental
Luiz Bosco Sardinha Machado Júnior
Psicólogo da Secretaria de Saúde de Bernardino de Campos; Coordenador do Curso de
Psicologia da Faculdade Estácio de Sá – Ourinhos
É comum negarmos a gravidade de um problema. Em uma tentativa de estabelecer algum equilíbrio entre a dor que nos atinge e continuarmos fazendo o necessário para nossa vida, deixamos de lado questões que nos incomodam, buscando convencer a nós
mesmos e aos outros de que nosso mal não é relevante. Somos educados a suportar os mais diversos fardos na vida. Haveria suposta virtude em cumprir com as obrigações rotineiras sem deixar que o sofrimento diminuísse nossa “força de vontade”, mesmo quando as causas do sofrer sejam concretas e visíveis.
Essa visão de mundo não é nova, sendo herdeira de ideias como a necessidade de dor para “pagar pecados”, ou ainda, de que estamos destinados a sofrer nessa vida, para colhermos glória futura. O que vem com facilidade, ou proporcionando algum prazer, estaria corrompido. A única alegria aceitável seria aquela que acompanha a luta diária e suas penas: admiramos a pessoa pobre, que trabalha “pesado”, ou ainda com limitações físicas, que está sempre a sorrir e agir de maneira afável.
Hoje isso adquire aparência jovial. Somos todos empurrados a atuar como apresentadores de programa de auditório, alegres o tempo todo e aceitando se sacrificar, em uma busca pelo êxito profissional e pessoal a qualquer custo. Cobranças pela aceitação do sofrimento e das privações já não são feitas mais através de discursos religiosos: em nome do sucesso individual, exigências irreais são divulgadas como a
melhor ferramenta para se alcançar o paraíso na Terra.
A linha de chegada, onde estaria o troféu da riqueza e da plena satisfação pessoal, nunca se aproxima. A cada passo que damos, o pódio parece se afastar, enquanto as exigências aumentam de maneira confusa, misturadas a promessas de um mundo de realizações que não existe.
Um perpétuo ciclo de ilusões é alimentado pela indústria do consumo, que nos quer sempre insatisfeitos, buscando coisas melhores, mais perfeitas e mais prazerosas. O que encontramos é sempre decepcionante, pois logo a seguir algo superior e “mais desejável” nos é apresentado. O mito do êxito profissional esconde o apetite do capitalismo por sugar o melhor de nosso tempo, de nossa disposição e de nossas forças; qualquer sacrifício deve ser feito, mas não para o próprio bem e sim para ser somado ao lucro de outros.
Neste Setembro Amarelo, mês consagrado à prevenção ao suicídio, precisamos fazer uma reflexão honesta sobre nosso sofrimento mental. O que dói em nós não vem de pequenas falhas de uma sociedade que é a melhor possível, nem apenas de um cérebro que não está funcionando adequadamente. É um projeto de exploração das nossas capacidades que nos convence a ignorarmos nossas próprias necessidades, para
sustentarmos o poder e a cobiça de uma minoria que se impõe sobre nós. Os cuidados imediatos e as campanhas de prevenção ao suicídio sempre serão importantes; contudo, silenciar sobre as origens de nosso sofrimento é mantê-lo existindo e crescendo. Provoca, ainda, a sensação de irrealidade em quem sofre, pois todos a sua volta agem como se suas dores fossem injustificadas ou inexistentes. O alerta necessário vai além de chamar a atenção para o sofrimento das pessoas. É preciso agirmos para mudar uma sociedade que nos deixa doentes.