Fado, Fátima e Football

Em Portugal usamos a frase, denominada de três efes, Fado, Fátima e Football. Muito se discute acerca de sua origem. Há quem fale que surgiu após a ditadura, após 1974, há quem defenda que existe desde o séc. XIX que eram expressões sociais e culturais muito fortes antes do Estado Novo, entretanto, não se sabe bem, mas o que sabemos é que acabou por pegar e passou a ser uma forma de olhar e caracterizar o meu país, governado por quatro décadas por um regime ditatorial.

A melhor forma de desviar a atenção de um povo é fomentando diversões que distraiam e cativem as pessoas. Nada melhor que os três efes.

Fado, anterior à ditadura, nasceu e cresceu nas ruas e tascas de Lisboa e Coimbra, sendo hoje patrimônio imaterial da humanidade, declarado pela Unesco e cujo expoente máximo foi a nossa Amália Rodrigues. O Fado está para Portugal assim como o Samba para o Brasil. É inexplicável sentar-se num restaurante de Lisboa, à luz de velas, comendo um caldo verde e escutando Fado. Só estando lá mesmo, nem pela televisão tem o mesmo sentimento. O Fado é a máxima representação da Alma Lusa. O Fado retrata a alma portuguesa, é uma canção de sentimentos, de emoções, em que nas letras sejam comuns temas como a perda, a resignação, a ausência. A própria palavra Fado significa destino.

Fátima, que falar desse lugar, só quem lá vai saber e sente o que estou falando. Ir em Fátima, mesmo que a pessoa não seja católica, escutar um silêncio celestial, escutarmos nossa respiração e conversarmos conosco e com Deus, é coisa de outro mundo, de um plano superior. Fátima acaba sendo o populismo do catolicismo, é uma concentração de pessoas pobres que buscam o encontro com Deus, a redenção dos seus pecados. Tornou-se um local de culto a Nossa Senhora de Fátima em virtude das suas 6 aparições.

Football, bom esse nem se fala, é um fenômeno popular que arrasta milhares de pessoas.

Os três efes nasceram antes do fascismo, sobreviveram ao fascismo e atingiram o seu máximo expoente na democracia.

Comparada à frase dos três efes, temos também a famosa pão e circo (panem et circenses do Latim) que serve como alerta para atitudes de governantes cujo intuito é distrair a população com distribuição de algum benefício. Esta expressão nos remete para a Roma Antiga, época em que o Imperador utilizava distrações como comida e entretenimento como forma a apaziguar a população.

As duas expressões são métodos utilizados por governos para distrair as pessoas dos problemas sociais. Nesse quesito os dois países são muito idênticos.

No Brasil este tipo de método tem comumente o nome de clientelismo, uma forma de conquistar a confiança da população mais vulnerável. O clientelismo é a compra de votos em eleições políticas e os governantes se aproveitam das desigualdades sociais para obter e gerar benefícios. Mas temos mais exemplos de pão e circo, como o futebol que é o entretenimento que mais distrai os brasileiros, e temos um, que, não nos dando conta, é o mais rentável para qualquer governo. A famosa loteria, alimentada pela esperança e desejo de enriquecer por meio da sorte, leva a que nos esqueçamos dos verdadeiros problemas que causam as desigualdades. Todas estas políticas populistas levam a que a população perca o interesse em assuntos políticos, esquecendo tudo exceto a diversão.

“O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política, nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio dos exploradores do povo.”, já dizia Bertolt Brecht, dramaturgo, poeta e encenador Alemão.

O petróleo é uma imensa fonte de riqueza para os países, mas daí a gerar desenvolvimento vai um caminho tumultuoso e tenebroso, veja-se o exemplo de Iraque, Nigéria e Venezuela, nações com imensas desigualdades sociais, apesar de possuírem imensas reservas e serem dos maiores exportadores.

Políticas Neoliberais são conjuntos de ideias políticas e econômicas capitalistas que defendem a não participação do Estado na Economia, onde temos total liberdade de comércio, por forma a garantir o crescimento econômico e o desenvolvimento social.

Paulo Guedes sempre defendeu a privatização de algumas subsidiárias da Petrobrás, aliás este governo foi eleito pelo mercado fruto das suas políticas Neoliberais, que iriam enxugar os custos e peso da máquina estatal, mas a guinada repentina a que assistimos esta semana, nos leva provavelmente para uma cada vez maior política populista e de ocasião, que se move ao sabor do vento da opinião da população, pensando em 2022, na reeleição ao invés de pensar no povo.

Mas a teoria é uma coisa e a prática é outra totalmente distinta. Não consigo entender como o Brasil, sendo autossuficiente em petróleo produzindo mais volume do que efetivamente consome, vai importar levando o preço atrelado ao mercado internacional, aumentando o seu custo para o brasileiro. Mas também sei que o Brasil não tem capacidade para refinar o petróleo sozinho. Não entendo porque razão a petrobrás não focou o seu investimento na área de refinaria em território nacional, ao invés de focar em exploração e produção. Este fato leva a que as refinarias estejam obsoletas e não tenha havido melhoria nas tecnologias.

A intervenção na Petrobrás se dá porque a mesma segue preços externos, quando tem capacidade de seguir preços internos autônomos e mesmo assim obter bastante lucro. Se assim o fizesse poderia tornar-se um agente desenvolvimentista, investir na economia. Tudo isto porque a Petrobrás não tem concorrência. É inadmissível termos tido um aumento de 34% de reajuste na gasolina e 27% no diesel, tudo isto acrescido ao valor de 5% da inflação leva ao menor poder aquisitivo do brasileiro.

Quando Dilma Rousseff, enquanto presidente, impediu reajustes nos preços dos combustíveis para controlar a inflação e causando perdas bilionárias à Petrobrás, foi criticada e crucificada por quebrar a estatal, agora o silêncio é ensurdecedor, é assustador. Agora, Bolsonaro pode, aliás já percebi que pode tudo, até acordos com o centrão, coisa que ele fugia como o diabo foge da cruz, mas o medo de um impeachment fala mais alto.

O Brasil está órfão de um governo. Não temos Ministro da Saúde, exemplo disso é a aprovação do uso da vacina da Pfizer por parte da Anvisa, mas o governo não assinou acordo para a compra da mesma, não temos Ministro da Economia, Paulo Guedes encontra-se cada vez mais isolado, não temos Ministro do Meio Ambiente, Salles é antes o Ministro de Queimadas, de Garimpo Ilegal, de desmatamento.

O Brasil foi enxovalhado com a política externa de subserviência ao amigo Trump, o Brasil é criticado em todos os quadrantes no combate à pandemia, a educação está pelas ruas da amargura, agora prepara-se para fingir que vai reduzir custos com a reforma da Previdência. Nem nos Direitos Humanos o Brasil escapa de pedidos de esclarecimentos, recomendações ou solicitações.

Este governo quis priorizar a economia, não sei quais as políticas porque os dados estão à vista de todos, e não me falem que foi a pandemia porque antes de março de 2020 já estávamos mal, o PIB já havia encolhido 1,5% no primeiro trimestre, só saber ler os dados, a matemática é infalível, quis proteger empregos ao invés de proteger vidas e não entendeu que quanto mais rápido o país tivesse vacinas mais rápido o novo normal iria raiar. A recessão dura porque não houve avanço relativamente a vacinas.

Não vejo nada de bom neste ano que agora começa, é caso para dizer onde vamos parar? Até quando o silêncio da sociedade?

Para quando o novo grito do Ipiranga “Comida ou Morte”?

Já que no Brasil não temos Fado e Fátima, fiquemos com Sernatejo, Nossa Senhora Aparecida (apelando a Padre Cícero) e Futebol.

 

Pedro Saldida

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