Um misto de emoções

Segunda dose no braço. Um misto de alegria e preocupação.  Penso em todos os que se foram e em todos que ainda não tomaram a segunda dose. O Brasil passa de décimo lugar para quinto lugar em número de mortes por milhão de habitantes. Algo se passa na nossa sociedade, algo podre ainda teima em emergir das trevas. Não podemos ficar insensíveis a tudo o que nos rodeia, não podemos olhar somente para os nossos umbigos.

E temos a nova variante, a Delta, nos atormentando nem sequer ousemos pensar que a pandemia terminou. Muitos acham que sim, basta ver os que circulam sem máscara, basta ver as festas, aglomerações no comércio e decretos levantando fim de restrições.

Não consigo assistir a tudo de camarote somente porque tomei a segunda dose da vacina. Continuo me resguardando por 14 dias. Continuarei usando máscara até que as coisas melhorem. Não entendo como em um mês o distanciamento passa de 1,5 metros para 1 metro. É tanta asneira praticada nos últimos vinte meses. Verdade seja dita que ninguém sabe como lidar com uma pandemia destas dimensões, mas as tomadas de decisões são no mínimo caso de estudo. Não sou negacionista, não sou terraplanista, mas tem coisas que devemos sim questionar.

Devemos questionar por qual razão as cestas básicas deixaram de ser entregues aos alunos que optaram pelo ensino remoto (já não há crise? já não há pandemia?). Devemos sim questionar o porquê das crianças nas escolas comem ovo, feijão e arroz desde o retorno. São pequenas/ grandes coisas, gestos praticados no passado que agora o mínimo nos preocupa e deixa assustados questionando tudo e todos.

O grande problema é quando vendemos a alma para o diabo, nesse momento deixamos de poder duvidar, só devemos anuir com a cabeça. Deixamos de ser donos de nós próprios. A culpa não é de quem se deixa vender, é de quem compra. Quem compra sabe que a sociedade gira em torno de dinheiro, porque é o dinheiro que faz girar o mundo.

Como falo muitas vezes, é engraçado sem ter graça nenhuma a quantidade de pessoas, servidores de carreira e cargos, para além de outras pessoas, me congratulando pelas crônicas que toda a semana escrevo para o jornal. Todos concordam com o que escrevo, mas não podem exercer o livre exercício de colocar um gosto na crônica, no jornal. O poder instituído não o permite, porque não aceita uma crítica, um julgamento, uma reflexão. Aquele mesmo poder que acredita que está fazendo um excelente trabalho porque quem tem cargo e respetivos familiares têm que concordar com tudo, mesmo que seja contra seus princípios. O que deixa preocupação no ar não são os aplausos silenciosos e anônimos, antes o que deixa certo temor no ar são as reuniões em que esses mesmos cargos não contradizem nada, mesmo que pensem contrário ao estipulado e ao praticado. O problema é quando os corredores dos departamentos falam mais alto que os poderes instituídos e atribuem nomes como a Secretaria Municipal da Humilhação ou a Secretaria Municipal dos Sem Educação.  Lá diz o velho ditado, como se fala nos corredores escuros, volta Ilma que estás perdoada.

Ninguém pensou que o descaso, a humilhação, o vexame estivessem tão presentes como alguma vez se fizeram notar em outra gestão. O que é exaltado são aqueles que estão assistindo e praticando em primeira classe, se achando os maiores do mundo, o último morango do bolo de casamento, esquecendo que os seus pares estão sofrendo e que eles também são da plebe, estão exclusivamente habitando nos palácios reais por tempo determinado. Quando retornarem aos corredores dos plebeus, junto de seus pares, é que notarão o mal que induziram na carne de seus amigos, de seus colegas, de pessoas de carne e osso como eles.

Esta semana este texto é mais de reflexão que de críticas. Não quero nada, somente que as pessoas façam uma introspeção e revejam algumas atitudes praticadas porque está difícil de respirar, as pessoas se sentem perseguidas, pressionadas, pisadas. É demasiadamente desumano, é infernal viver e sobreviver assim. Mas quem mais sofre, para além dos profissionais, são as crianças que até há bem pouco tempo eram consideradas o futuro de Ourinhos. Como em pouco tempo as coisas sofrem mutação? Como é possível falar uma coisa e mostrar outra? Ou eram tempos de campanha em que tudo tinha que ser mostrado como se fosse banhado a ouro? E agora com a garantia de mais 3 anos ainda pela frente tudo se pode fazer contra a população? A política tem como objetivo servir o povo, ajudar o povo, fazer tudo para melhorar as condições de vida de seus munícipes, não para servir interesses pessoais ou de determinados grupos que ajudaram a eleger determinada pessoa. A política deveria servir para praticar o bem, nunca colocar objetivos pessoais à frente de objetivos coletivos. O mundo é vivido e habitado desde que coletivamente, nunca individualmente. Sozinhos nunca somos nada, nunca chegamos longe, nunca conseguimos nada, precisamos sempre de alguém do nosso lado que nos apoie, que nos ajude, que nos incentive e que nos motive. A vida é para ser vivida coletivamente, senão ainda estaríamos no Tempo das Cavernas.

Termino com uma frase de um escritor e filósofo americano Robert M. Pirsig:

“ Quando uma pessoa sofre um delírio, se chama loucura. Quando muitas pessoas sofrem um delírio, isso se chama religião.”

Pedro Saldida

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