As origens do Estado de Bem Estar Social segundo John Kenneth Galbraith
Por Camila Nogueira no DCM
Os trechos abaixo fazem parte do livro O Pensamento Econômico em Perspectiva – Uma História Crítica, de autoria do economista e filósofo americano John Kenneth Galbraith (1908 – 2006). O assunto consiste, em primeira instância, no nascimento do Estado de Bem Estar, na Alemanha em meados dos anos 1880, e em sua implementação nos EUA, nos anos 1930. Utilizamos, em parte, a tradução da Editora Pioneira.
O senhor diz, em seu livro O Pensamento Econômico em Perspectiva, que a implementação nos Estados Unidos do que seria chamado de Estado de Bem Estar foi uma das mais importantes reações à Grande Depressão americana. Falemos disso. Como nasceu o Estado de Bem Estar? Teria se originado nos anos 1930, nos Estados Unidos?
Na realidade, nenhum americano poderia reivindicar para si a criação do Estado de Bem Estar. Para compreendermos as origens contextuais e intelectuais desta alteração da vida econômica, devemos ir até a Europa e retroceder meio século. O estado para o bem-estar dos cidadãos nasceu na década de 1880, na Alemanha, com Otto von Bismarck.
Qual o contexto histórico de sua criação?
Um dos maiores temores das classes dirigentes da Prússia e da Alemanha era a instrução e a inteligência ativa de uma classe trabalhadora em rápida expansão, e sua receptividade ostensiva às ideias revolucionárias de Karl Marx. O medo de uma revolução inspirou uma série de reformas, com Bismarck insistindo no abrandamento das crueldades mais claras do capitalismo. Entre 1884 e 1887, foram aprovadas no Reichstag leis que protegiam, de maneira ainda rudimentar, os trabalhadores de acidentes, doenças e velhice.
Outras nações seguiram esse exemplo?
Diversas nações europeias, como a Áustria e a Hungria, o fizeram. Um passo ainda mais abrangente foi dado na Grã-Bretanha vinte e cinco anos depois da iniciativa de Bismarck. Graças a homens, mulheres e organizações socialmente engajadas, como George Bernard Shaw, Sidney e Beatrice Webb, H.G. Wells, a Fabian Society e os sindicatos, já poderosos e bem organizados, e sob o patrocínio de David Lloyd George, ministro da fazenda, foram aprovadas em 1911 leis que instituíam o seguro contra doença ou invalidez e, mais tarde, o seguro-desemprego.
Como a parcela mais privilegiada da sociedade reagiu?
Tal como a alemã, a legislação britânica de previdência social provocou conflitos políticos sem precedentes. Embora as medidas de bem estar social tivessem sido feitas a fim de os proteger de futuros ataques violentos, os privilegiados da época mostraram-se furiosos e insatisfeitos.
E quanto aos Estados Unidos?
Em meados da década de 1930, surgiu, entre os economistas americanos, um grupo que estava comprometido com o propósito do bem estar social. A Universidade de Wisconsin foi o berço tanto das ideias quanto das iniciativas práticas fundamentais para a legislação de bem estar social. Entre os seus intelectuais mais influentes, John R. Commons é visto como o equivalente americano de Bismarck e Lloyd George. Presumo que qualquer visita às origens do Estado de Bem Estar deve incluir uma parada em Madison, Wisconsin.
Quais as características da obra de Commons?
Seus livros expressavam sua preocupação com a posição das organizações – inclusive do Estado – frente ao cidadão, detalhando os fundamentos jurídicos desta relação, tal como a sua história prática e teórica dos séculos. Hoje, seus livros são pouco lidos. O seu maior feito foi ter reunido e liderado um grupo brilhante de alunos e colegas que partiram para enfrentar de maneira eminentemente prática as injustiças sociais evidentes da época.
Em que momento as ideias desse admirável grupo transformaram-se em um conjunto de leis?
Em 1935, tais leis foram redigidas por Thomas H. Eliot, um advogado de Massachusetts, mais tarde congressista daquele Estado. Elas concediam uma verbas que permitiam que os Estados cuidassem adequadamente dos membros das parcelas menos privilegiadas da sociedade, estipulando também um sistema compulsório de aposentadoria para aqueles que trabalhavam nos setores industriais e comerciais da economia, tal como um sistema de seguro-desemprego.
Como reagiu a comunidade empresarial?
Nenhuma lei da história americana foi mais amargamente criticada pelos empresários e por seus porta-vozes do que o Social Security Act de 1935. James L. Donnelly, da Illinois Manufacturers Association, proclamou-a um projeto para danificar a vida nacional, que acabaria por “sufocar a responsabilidade individual”. George P. Chandler, da Câmara de Comércio de Ohio, explicou, um tanto inesperadamente, que a queda de Roma podia ser atribuída a medidas semelhantes. A National Association of Manufacturers afirmou que a legislação proposta iria facilitar “o derradeiro controle socialista da vida e da indústria”. Numa paráfrase abrangente de todas estas posições, Arthur M. Schlesinger Jr. escreveu: “Com o seguro desemprego ninguém irá trabalhar; o resultado será a decadência moral, a bancarrota financeira e o colapso da república”. A oposição republicana votou para que o projeto fosse submetido a uma nova comissão – ou seja, para destruí-lo. No entanto, a lei acabou por ser aprovada por uma considerável maioria.
O que aconteceu a partir daí?
O Social Security Act de 1935 foi apenas o princípio. Estavam por vir assistência médico-hospitalar, auxílio pleno a famílias com crianças, moradia para famílias de baixa renda e subsídios habitacionais, entre outras coisas. Estava igualmente para surgir um intenso e ininterrupto fluxo de reclamações por parte daqueles que consideravam estas medidas a inimiga natural da livre iniciativa, a destruidora da motivação que faz com que o sistema funcione. Mas esta farta e efusiva retórica não se traduziu em ação. Colocados face a face com a realidade – que incluía as inegáveis consequências políticas adversas de qualquer tentativa de desmantelar o Estado de Bem Estar – os governantes recuaram. Apesar das críticas e do ódio que muitos lhe devotavam, o Estado de Bem Estar se tornara uma parte essencial do capitalismo moderno e da vida econômica moderna.
De certo modo, pode-se dizer que os grupos empresariais e seus porta-vozes apresentaram oposição a medidas econômicas concebidas para proteger um sistema do qual se beneficiavam. Isso ao menos faz sentido?
Muitos atribuem esta resistência à miopia, à imprevidência à ausência de tato e ao baixo nível intelectual dos homens de negócios em geral, mas presumo que essa explicação seja incompleta. O fato é que fazer negócios não é apenas buscar dinheiro; é buscar distinção, eminência e a resultante autoestima. Em períodos de desgraças generalizadas, o homem de negócios bem-sucedido consegue ver claramente o que obteve graças aos seus esforços ou aos de um antepassado ilustre. Entretanto, se todos forem bem dotados, este exercício de autoaprovação e autossatisfação torna-se menos compensador, uma vez que deixa de ser possível enunciar aquela afirmação tão gratificante: “Bem, eu consegui”. Em resumo, muito deve ser atribuído ao prazer de sagrar-se vencedor em um jogo em que quase todos saem perdendo.