O anacrônico sistema de metas de inflação
Diante do colapso do nível de atividade, restam ao país duas alternativas: suavizar o tempo de ajuste do sistema de metas de inflação ou abandoná-lo completamente e fixar o câmbio como nova âncora
por Luiz Alberto Vieira
Os dados do IBGE apontaram para uma recessão de 3,8% em 2015, a terceira maior da história. Como a economia derreteu ao longo do ano, se mantivermos os níveis de atividade do final de 2015 teremos uma recessão de 3,3% em 2016. Dois anos consecutivos de desempenho tão ruim na economia jamais foram registrados, mesmo após a crise de 1929.
Para o primeiro trimestre de 2016, o IBGE apontou para um aprofundamento na recessão, com o uma queda de 4,7% do PIB no acumulado em 12 meses.
A seriedade da situação demonstrou a insuficiência da ortodoxia malemolente do Ministro Nelson Barbosa, que patinou em meio a um austericídio fiscal e uma política monetária anacrônica, que manteve os maiores juros reais do mundo, mesmo numa profunda recessão. Mais grave ainda é a radicalização ortodoxa que vem sendo gestada pelo Ministro Interino da Fazenda, Henrique Meirelles, com o congelamento constitucional da política fiscal por 10 anos, o que colocará na ilegalidade a saída da crise.
O agravamento da recessão mostra a urgência de repensarmos o sistema de metas de inflação, que dá sinais de exaustão há muito tempo.
O sistema de metas de inflação foi implantado em 1999 pelo economista Armínio Fraga, presidente do Banco Central na época, em substituição à âncora cambial. Naquele ano, devido a uma crise cambial de grandes proporções, o Banco Central não tinha mais a capacidade de fixar a taxa de câmbio, que passou a flutuar conforme os anseios do mercado. Como referência para a economia, o Banco Central passou a determinar uma banda de flutuação para a inflação.
O sistema de metas de inflação nunca funcionou sem traumas. O próprio Armínio Fraga, considerado gênio pelo “Deus Mercado”, estourou o teto da meta por duas vezes, pagando a prenda de uma cartinha de explicações ao Ministro da Fazenda.
Foi apenas em 2004 que as bandas definidas pelo sistema de metas de inflação passaram a ser sistematicamente cumpridas. No entanto, o custo para tal cumprimento foi enorme, pois inflação abaixo do teto da meta só foi atingida mediante uma sistemática valorização cambial, que aniquilou nossa indústria, ou com o controle de preços administrados, que trouxe dificuldades ao caixa das estatais e do Tesouro.
Um dos problemas foi a fixação de uma taxa de 4,5% no centro da meta, que é muito abaixo da média histórica do sistema de metas de inflação de 7,28%. Em 16 anos, apenas em 3 ocasiões (2006, 2007 e 2009) a inflação ficou próxima ao centro da meta. Desta forma, o espaço para acomodar choques é praticamente inexistente no nosso sistema de metas de inflação.
Em 2015, o sistema de metas de inflação atuou inequivocamente para jogar nossa economia no buraco. Atuando em duas frentes, a alta da Selic derrubou o nível de atividade e foi muito mais prejudicial às contas públicas do que o famigerado déficit primário. Apenas em 2015, o custo médio da dívida pública interna subiu de 11,44% para 14,24%.
O resultado para inflação? Um retumbante fracasso! A inflação ficou em 10,67%, 4 p.p. acima do teto da meta.
Desta forma, temos a incapacidade do Banco Central em determinar a banda de flutuação da inflação, mas cujos instrumentos levam a uma crise fiscal e a uma profunda recessão. Assim, as altas taxas de juros reais, as maiores do mundo, são o elemento chave para compreender a crise atual. Isto porque tanto reduzem diretamente os investimentos ao criar uma oportunidade de aplicação de recursos altamente lucrativa ao largo do sistema produtivo e como estrangulam fiscalmente o estado, levando a uma redução dos investimentos públicos.
Pela teoria, o sistema de metas de inflação reduziria os custos de reduzirmos a inflação pela criação da reputação de um Banco Central austero. Mas qual reputação cria um Banco Central que descumpre sistematicamente as metas estabelecidas?
Diante do colapso do nível de atividade, restam ao país duas alternativas: suavizar o tempo de ajuste do sistema de metas de inflação ou abandoná-lo completamente e fixar o câmbio como nova âncora.
Em ambos os casos, pode ser possível uma redução das taxas de juros e abrandamento do garrote fiscal, alongando o tempo de ajuste nas contas públicas.
No entanto, a âncora cambial tem a vantagem de traçar um cenário altamente lucrativo para as exportações e tranquilizar os investidores estrangeiros sobre seu retorno no Brasil.
Além disso, conforme o Modelo Mundell-Fleming, numa economia aberta com câmbio fixo a taxa de juros passa a ser determinada pela taxa internacional livre de risco mais o ricos específicos de cada país. Como a dos juros americana é de 0,25% a 0,50% e o EMBI+ Risco-Brasil é de 375 pontos, seria possível reduzir os juros para algo próximo a 9,5% mesmo programando uma desvalorização cambial de 5,5% ao ano para servir de âncora para a inflação e reduzir os riscos de desequilíbrios futuros no balanço de pagamentos.
Em médio prazo, essa redução dos juros permitiria uma economia anual de até 3% do PIB. Algo muito maior que o potencial das medidas fiscais recessivas que vêm sendo implantadas.
Cabe lembrar que a situação é completamente diferente do que em 1999, pois somos credores internacionais líquidos com mais de US$ 370 bilhões em reservas e o câmbio desvalorizado vai incentivar as exportações, ao contrário do câmbio fixo e valorizado de 1999.
Os colapsos fiscais e da atividade econômica já estão no horizonte e exigirão mudanças no arcabouço de política econômica. O caos institucional em que vive o país poderá se aprofundar caso medidas rápidas não sejam tomadas, com a radicalização ainda maior da sociedade.