Estados americanos elevam idade penal para até 21 anos
Por João Ozorio de Melo do Conjur
O sistema penal americano entendeu, pela primeira vez, que crianças e adolescentes infratores deveriam ter uma “segunda chance” em 1899, quando Chicago criou o primeiro “tribunal juvenil” no país. À época, os reformadores do sistema defenderam a ideia de que adolescentes não deveriam ser colocados em prisões de adultos, para não se transformarem em criminosos permanentemente. Eles deveriam ter “um sistema em que influências benignas ajudem na reabilitação”. Daí a ideia da “segunda chance”.
Porém, o novo sistema, que teve mais altos do que baixos por um longo tempo, desmoronou na década de 1990. Uma explosão da criminalidade no país criou o caldo de cultura para os políticos endurecerem as leis penais. O sentimento da população à época, absorvido pelos legisladores, passou a ser a de que criminosos deveriam ser afastados da sociedade por longo tempo — de preferência, para sempre.
Essa guinada no sistema penal atingiu as crianças e adolescentes. Nessa década, 45 dos 50 estados americanos aprovaram leis que possibilitaram a condenação de menores como adultos, de acordo com pesquisa da Fundação John D. and Catherine T. MacArthur, citada pelo Jornal da ABA (American Bar Association).
“Foi um período de pânico generalizado”, disse a diretora da fundação Laurie Garduque. “Houve uma suspeita de que o sistema de justiça juvenil não estava conseguindo lidar com os adolescentes que cometiam crimes mais sérios, rotulados na época de superpredadores”.
Mas essa situação vem se revertendo gradativamente. Nos últimos anos, sete estados elevaram a idade penal para 18 anos. Cinco outros estados começaram a rever suas leis em 2016, para fazer a mesma coisa. Os defensores dessas medidas legislativas esperam que pelo menos cinco estados irão elevar a idade penal para 18 anos em 2017 e outros poderão elevá-la para 21 anos.
Connecticut adotou uma medida mista, diante das circunstâncias especiais do estado. Havia um clamor popular a favor de elevar a idade penal para 18 anos, pelo menos. Mas, ao mesmo tempo, havia um temor popular de que essa medida poderia resultar na volta de “criminosos perigosos” para as ruas. Assim, Connecticut elevou a idade penal para 18 anos, mas abriu uma exceção: os juízes podem mandar “criminosos perigosos” para a prisão de adultos.
Para os defensores da reforma do “sistema penal juvenil”, a reversão da idade penal para 18 ou 21 anos é, definitivamente, uma tendência generalizada no país, embora ainda tenham estados que resistem. Dos 50 estados americanos, sete ainda não fazem distinção de idade para julgar e condenar infratores e não estão fazendo esforços para mudar isso. Mas, eles acreditam, um dia vão chegar lá.
Fatores políticos e jurídicos
Uma das razões do progressivo sucesso do movimento em favor da “segunda chance” para crianças e adolescentes é o de que ele não é exclusivo dos políticos liberais. Já se tornou um movimento bipartidário (que envolve liberais/democratas e conservadores/republicanos). Por exemplo, o estado de Mississipi, um dos mais conservadores do país, foi um dos primeiros a retornar à idade penal para 18 anos. Esse é um fator que pesa nos EUA.
Além disso, muito do crédito pelo convencimento das autoridades estaduais de que o sistema deve dar uma “segunda chance” aos menores deve ser atribuído à Suprema Corte dos EUA, que emitiu sucessivas decisões em favor das crianças e adolescentes nos últimos anos.
Primeiro, a Suprema Corte decidiu que é inconstitucional executar pessoas por crimes que cometeram quando eram menores. Depois, a corte proibiu a condenação automática à pena de prisão perpétua, por crimes cometidos por adolescentes que não sejam homicídio. Mais tarde, estendeu essa decisão para casos de homicídio. E, em 2016, tornou retroativa a decisão que proibiu a condenação automática à prisão perpétua.
Fatores científicos
A vice-diretora do Juvenile Law Center da Filadélfia, Marsha Levick, disse aos jornais que as discussões chegaram a um ponto em que já se aceita, generalizadamente, o que a ciência do comportamento e do cérebro tem comprovado: o cérebro dos adolescentes é diferente.
A diretora do Center for Law, Brain and Behavior do Hospital Geral de Massachusetts, Judith Edersheim, explica o que diz a ciência sobre essas diferenças. Uma delas é a de que, durante a adolescência, as pessoas perdem “massa cinzenta”, as células do cérebro que se encarregam de toda a “computação” do cérebro.
A perda de massa cinzenta é especialmente concentrada nos lobos frontais, que é responsável pelo autocontrole, planejamento, processo de tomada de decisões e outras funções executivas. Os adolescentes têm mais “massa branca”, as células que passam mensagens entre as partes do cérebro, o que aumenta a velocidade de processamento.
Segundo a diretora, os cientistas acreditam que essas mudanças tornam o cérebro mais eficiente, apesar de perder alguma capacidade computacional. Esse processo de amadurecimento do cérebro continua mesmo depois que o corpo amadurece. Alguns cientistas afirmam que o cérebro não amadurece no dia que o adolescente completa 18 anos. Para eles, esse processo de transformação pode durar até os 25 anos de idade.
Mas, provavelmente, a diferença mais notável, diz a diretora, é a de que os cérebros dos adolescentes têm em circulação mais dopamina, um neurotransmissor que, segundo os cientistas, governa gratificações e o aprendizado — e têm mais receptores em seus cérebros para absorvê-la. A dopamina é liberada quando, por exemplo, a pessoa se sente gratificada, incluindo com novas experiências, bem como com sexo e alimentação. Ela predispõe os adolescentes a buscar mais gratificações pessoais e mais novidades.
É esse processo mental, ela diz, que empurra os adolescentes a deixar o ninho e se lançar no mundo. E o que os adolescentes aprendem durante esse processo ajuda a determinar que partes da massa cinzenta foi perdida.
Fatores sociais
A influência do ambiente em que a criança ou adolescente vive tem uma grande importância, diz a diretora. E uma prisão de adultos certamente não é o melhor ambiente. “No que se refere à absorção do ambiente, adolescentes são uma esponja neurológica. Se você não lhes oferecer uma oportunidade de desenvolver competência social e autoestima, muitas vezes com a ajuda de amigos mais socializáveis, você está estabelecendo para eles uma trajetória rumo à criminalidade, que persiste na vida adulta”, ela afirma.
Em depoimento ao Legislativo do Texas, que discute um projeto de lei para elevar a idade penal para 18 anos, o americano Charleston White, que passou parte de sua vida em um centro de detenção para crianças e adolescentes, contou que viveu em uma comunidade em que se acreditava que “ir para a prisão é o que fazia de você realmente um homem”.
Reeducação
Para os defensores da “segunda chance”, o grande benefício que as instituições prisionais separadas trazem para crianças e adolescentes é o de que, na verdade, elas são centros de reabilitação — e isso não existe nas prisões para adultos americanas. Muitas vezes, tudo que uma criança ou adolescente precisa para mudar de vida é descobrir que existe outro mundo, no qual ele pode viver melhor, e a influência de um bom ambiente.
White disse aos legisladores do Texas que os adolescentes também precisam aprender a tomar melhores decisões ou fazer melhores escolhas. Por isso, ele e o ex-colega de prisão Miguel Moll fundaram a organização “Hyped About HYPE (Helping Young People Excel. Eles visitam centros de reabilitação para ensinar exatamente isso às crianças e adolescentes: tomar decisões certas ou fazer escolhas certas podem mudar suas vidas para melhor. Junto com as próprias instituições, eles ajudam os adolescentes a entender melhor seus próprios pensamentos, sentimentos e ações.
Nos EUA, os políticos começaram a entender as vantagens para a sociedade de oferecer às crianças e adolescentes esse processo de reeducação. Mas, ao mesmo tempo, consideram que isso vem com um custo financeiro muito alto, por causa dos recursos humanos e financeiros que precisam disponibilizar para essas instituições — um custo que não existe nas prisões para adultos, onde não existe qualquer programa semelhante.
Mas há outros dados que os ajudam a aceitar tais programas. Três décadas de pesquisa mostram, consistentemente, que os índices de reincidência dos menores infratores são muito mais altos quando são mandados para prisões de adultos, sem acesso a programas de reeducação.
Por exemplo, um estudo da organização governamental Centers for Disease Control and Prevention mostrou que o índice de reincidência no crime é 34% maior entre crianças e adolescentes mandados para prisões de adultos, em comparação com aqueles que foram colocados em instituições para menores infratores.
De acordo com o diretor do Programa de Política e Administração da Justiça Criminal da Faculdade Harvard Kennedy de Nova York, Vincent Shiraldi, que já foi coordenador de liberdade condicional de menores infratores, o índice de reincidência de adolescentes que foram transferidos para prisões de adultos aos 18 anos é de 78%.
Segundo o Departamento de Justiça dos EUA, adolescentes com menos de 18 anos mandados para prisões de adultos são 19 vezes mais propensos a cometer suicídio do que os adolescentes em geral. E 36 vezes mais do que os adolescentes colocados em instituições para menores infratores.
O Birô de Estatísticas da Justiça dos EUA diz que crianças e adolescentes com menos de 18 anos representam 21% das pessoas estupradas nas prisões de adultos, embora constituam apenas 1% da população carcerária. Em muitas prisões, menores infratores são confinados em solitárias para não sofrer ataques sexuais, uma prática que danifica de forma rápida e catastrófica suas saúdes mentais.
João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.