09 de julho é o feriado da Revolução Constitucionalista de 1932
Entenda a fundo o que foi a Revolução de 32 pelos estudos de um historiador
Juliana Neves
Na data de hoje, 09 de julho, é feriado em São Paulo para relembrar a Revolução Constitucionalista ou Revolução de 32 que ficou marcada para homenagear o levante do Estado de São Paulo contra a ditadura do governo Getúlio Vargas. Mas, ainda, é uma parte da história, do passado do nosso estado não muito aprofundado pela população paulista e existem versões sobre a revolução.
“Por que um estado constrói uma história oficial? Para realçar valores, feitos e cultura de um estado. Pense que você tem um filho e quer que ele torça para o mesmo time que o seu. Você vai contar sobre as derrotas ou vitórias do seu time? Você vai “exagerar” nos feitos para dar a eles ares grandiosos? Você vai exaltar os jogadores como heróis, certo? Vai dar a camisa do seu time, usar as cores dele, cantarolar hinos e outras coisas que chamamos de “símbolos de identidade”. Para que ele crie uma vontade de se identificar, fazer parte, pertencer a um time. Assim também acontece em outras áreas. Países, estados e cidades criam a sua história oficial. Empresas contratam hoje historiadores para fazer a história oficial dessa empresa. E num país tão grande quanto o nosso, é comum cada estado ter um patrimônio histórico próprio. Normalmente, é uma perspectiva estadual se opondo a perspectiva nacional. Chamamos isso em história de narrativas. A constituição de 32 é um exemplo perfeito disso, pois é a data magna do Estado de São Paulo e ajuda a construir uma narrativa de valorização/construção dessa “paulistanidade” com seus heróis e símbolos”, explica o professor de história e historiador Thiago Marquezano Parra.
Diante desta constatação, o professor concedeu uma entrevista ao Jornal Contratempo para contar detalhes da Revolução de 32. Confira na íntegra:
CT: O que é a Revolução Constitucionalista ou Revolução de 32?
Thiago: A Revolução de 32 foi um levante liderado por setores do Estado de São Paulo contra o presidente Getúlio Vargas. A história republicana do país viveu de 1894 a 1930 a segunda fase da primeira república/república velha, chamada de república oligárquica. Levou esse nome porque o poder era exercido pelas oligarquias/elites agrárias locais. A constituição de 1891 adotou o federalismo, concedendo autonomia aos estados para algumas decisões; sendo assim, a política de cada estado passa a ser comandado por tais elites oligárquicas. A política em âmbito federal ficou a cargo das duas principais oligarquias do país (comandavam os estados mais ricos e populosos), São Paulo e Minas Gerais (daí o nome Política do Café-com-leite) que se revezavam na indicação a candidato a presidente (aliança essa, rompida nas eleições de 1910); tais poderosas oligarquias mantinham uma aliança de apoio e não intervenção com as oligarquias dos demais estados. Cabe ressaltar que nesse momento o café era nosso principal produto de exportação, sendo responsável por mais de 60% do PIB nacional, e São Paulo era o maior produtor; além disso, desde 1850 São Paulo vinha avançando economicamente e se tornando a principal economia do país graças a uma infraestrutura como ferrovias, porto de Santos, mão de obra livre e assalariada de imigrantes, urbanização, industrialização etc. Sendo assim, São Paulo era a principal potência econômica e política do país nesse período. São Paulo mandava e desmandava no Brasil. (aqui se você ler o que foi o Convênio de Taubaté, vai entender a força política e econômica de SP). Eis que a crise de 1929 afeta diretamente a economia cafeeira prejudicando São Paulo e o Brasil. EUA e Europa, nossos principais compradores do café, ficaram muito abalados pela crise, com isso o preço do café despenca e, como já supracitado, a economia paulista e brasileira entram em profunda crise. A crise econômica vai trazer consigo uma crise política. O ano de 1930, com a economia ainda abalada pela crise de 1929, era ano de eleição para presidente pelo acordo do Café-com-Leite era a vez de Minas indicar um candidato, mas São Paulo impõe uma candidatura, a de Júlio Preste, criando uma ruptura entre São Paulo e Minas. Sentindo São Paulo enfraquecida e sem sua principal aliada política, as demais oligarquias brasileiras (Rio Grande do Sul, Paraíba entre outras), que sempre foram coadjuvantes, resolvem se unir em uma aliança para derrotar SP nas eleições, dando origem a chamada Aliança Liberal; que indica para as eleições de 1930 o gaúcho Getúlio Vargas. As eleições de 1930 então foram disputadas pelo candidato do PRP (Partido Republicano Paulista) Júlio Prestes e pelo candidato da Aliança Liberal Getúlio Vargas, este último contando inclusive com o apoio de Minas Gerais. A eleição é vencida por Júlio Prestes, sobre fortíssimas evidências de fraude (fraude nas eleições era prática comum e recorrente durante a primeira república). Alguns fatos desse período fazem com que o resultado da eleição seja questionado (aqui se você quiser eu me prolongo, mas adianto que é um extenso) e eclode uma revolução, conhecida como Revolução Liberal de 1930 que depõe o Presidente Washington Luiz e impede a posse do presidente eleito Júlio Prestes, e conduz a presidência o candidato derrotado, Getúlio Vargas. Então, aqui vem um ponto chave pra entendermos o 9 de julho. São Paulo era a principal liderança política do país e perde isso para uma revolução (ou golpe se preferir, embora nesse caso esteja realmente mais para uma revolução) que conduz Getúlio ao poder. Getúlio e SP se tornam inimigos. São Paulo considera Getúlio um usurpador do poder. Getúlio considera que São Paulo só pensa em si mesmo e não liga para o resto do país (vide Convênio de Taubaté por exemplo). Getúlio governa o país por 15 anos, de 1930 a 1945; sendo a primeira fase conhecida como Governo Provisório com duração de 4 anos até a elaboração da Constituição de 1934. Durante o governo provisório, Getúlio governa de maneira bastante autoritária. Ele rasga a constituição de 1891 e passa a governar por decretos, fecha os poderes legislativos do país e nomeia interventores nos estados. Interventores seriam os administradores dos estados (espécie de governadores hoje), porém sem eleição e sim com indicação do presidente. O presidente escolhia e determinava os interventores dos Estados. E é aqui que o conflito SP x Getúlio se acentua. São Paulo começa acusar Getúlio de ditador e inimigo de São Paulo. Ditador principalmente por ele governar por decretos e sem uma Constituição. Inimigo de São Paulo, pois Getúlio tende a nomear como interventores pessoas naturais do estado que administrariam; porém em SP ele nomeia João Alberto Lins de Barros, pernambucano considerado um péssimo administrador pelos paulistas. Com isso, no dia 23 de maio de 1932, paulistas protestam contra o governo Vargas, durante o protesto ocorre a morte de alguns manifestantes, entre os de maior destaque quatro jovens de sobrenomes Martins, Miragaia, Dráuzio e Camargo. As iniciais desses quatro sobrenomes formarão a sigla que batizará o movimento paulista anti-getúlio, MMDC. Importante ressaltar que nesse evento São Paulo protestava por uma nova constituição e por eleições, porém Getúlio já havia convocado eleições para a formação de uma Assembleia Constituinte em 14 de maio de 1932, por meio do Decreto N° 21.402; sendo assim, o presidente acusa São Paulo de na verdade ter pretensões separatistas realçando o discurso de que São Paulo pensava somente nos seus interesses e não no Brasil. E em 9 de julho eclode a Revolta.
CT: Quem estava certo nesta revolução?
Thiago: Ninguém. Getúlio realmente estava sendo autoritário e é absurdo pensar que ele governava sem uma constituição (aqui se faz necessário um adendo: governos autoritários eram moda na época, não estavam ocorrendo apenas no Brasil, muito pelo contrário, governos assim eram vistos como modernos, com uma visão nacionalista e preocupado com questões sociais), mas São Paulo não fazia isso por ideais democráticos. São Paulo queria o poder de volta. Poder esse que lhe fora tomado em 30. São Paulo ganhava eleições na base da fraude, do voto de cabresto… não era lá muito preocupada em democracia não. Porém, essa não é a história oficial paulista né?
CT: Qual era o objetivo da revolução?
Thiago: Na revolta, São Paulo tinha a esperança de que estados que em 30 apoiaram Getúlio, mas que a essa altura também eram críticos ao governo, como Minas e Rio Grande do Sul, apoiassem. Mas esses estados escolhem se manter leais ao governo federal. São Paulo recebe apoio apenas de uma parte do Mato Grosso (parte que hoje corresponde ao Mato Grosso do Sul, mas que na época era um estado único). As principais batalhas acontecem na fronteira com Minas, Sul de SP na divisa com o Paraná e no Vale do Paraíba. São Paulo passava por enormes dificuldades (afinal, em 1932 a crise de 29 ainda assolava a economia), incentivou a doação de ouro entre sua população (quem doava recebia um anel ou uma plaquinha com a inscrição “eu doei ouro pelo bem de São Paulo”) e chegou a criar a “matraca”, instrumento cujo som imitava o de uma metralhadora, usado para tentar intimidar de maneira ludibriosa seus adversários, visto que São Paulo não tinha dinheiro para comprar muitas armas (e o que tinha investiu muito em aviões de combate). Para se ter uma ideia do despreparo bélico de São Paulo, o estado tem 200 mil alistados, mas apenas 40 mil são enviados ao front por falta de armas. Com a Marinha Brasileira cercando o porto de Santo, principal porto paulista, em poucos meses São Paulo sofre uma marcante derrota, se vendo obrigado a assinar rendição. Tem uma frase de um historiador gaúcho sobre a Revolução Farroupilha que eu gosto muito e acho que cabe aqui, ele diz: Uma revolução que perdemos contamos como se tivéssemos empatado e comemoramos como se tivéssemos vencido. Por que contamos somo se tivéssemos empatado? Pois na história oficial paulista a narrativa predominante foi: se não fosse por nós, Getúlio não teria convocado a constituição de 34. Então nos rendemos, mas atingimos o objetivo de um governo democrático e constitucional. Isso é balela né?
CT: Por que 09 de julho é feriado?
Thiago: Para São Paulo é porque é a data histórica em que São Paulo defendeu o Brasil da tirania de Getúlio. Mas vamos além. São Paulo era disparado a principal potência econômica do país. E vinha num momento de pujança, imigração, urbanização, ferroviais, industrialização e a Semana da Arte Moderna de 22. E em 1954, se comemoraria o 4° Centenário da cidade de São Paulo e em meio a tanto êxito e sucesso um Getúlio que peitava tudo isso. Mas enfim, esse sucesso todo paulista precisava de uma narrativa heroica, exitosa e é nesse contexto também (embora de décadas antes de 32, lembrando que SP vinha nesse crescimento desde 1850) que uma elite cultural paulista vai remodelar a imagem dos bandeirantes, transformando-os em heróis, com trajes que se assemelhavam a nobreza portuguesa etc. Tudo isso para legitimar e valorizar essa “paulistanidade” que era um sentimento muito forte, porém com ego ferido. E aqui a narrativa dos heróis que se levantaram contra a tirania, do valor e do orgulho paulista. Aqui essa narrativa ganha força e a parte de São Paulo até alguns anos antes mandar no país, tirar proveito econômico disso (vide Convênio de Taubaté), fraudar eleições etc. é jogada para debaixo do tapete. Procure no Google imagens, a imagem do Obelisco do Ibirapuera, erguido em homenagem aos heróis de 32. Lá estão enterrados os homens do MMDC (enterrados juntos, sendo que na realidade eles nem se conheciam) e outros combatentes. Na entrada está escrito: “Viveram pouco para morrer bem. Morreram jovens para viver sempre”, e procure também imagens internas do Obelisco. Procure pelas avenidas 9 de julho e 23 de maio em São Paulo. São as duas maiores e mais importantes avenidas da cidade. Agora procure pela avenida Getúlio Vargas em SP capital: não tem. Não existe uma avenida com o nome dele. Isso é à toa? Não, é simbolismo para a construção de uma valorização/legitimação dessa narrativa do heroísmo, da honra e luta paulista contra a tirania. Que visa mostras a força de São Paulo e seu compromisso com o Brasil e a democracia. E na verdade, São Paulo só estava fazendo birrinha e querendo se impor para ter o poder de volta. Então, temos a visão histórica e a visão oficial paulista.