“A gata do vizinho”. Crônica de Cícero de Pais

Com olhos misteriosos e andar elegante que beira à perfeição, ela, a gata, diz muito sobre o que discutimos a respeito da existência de tantos seres que habitam o nosso belo planeta.
Com sono, a gata fica completamente imóvel num cantinho da sala, sobre a almofada com desenhos de flores do campo, onde sonha os seus sonhos de gata mimada, desde pequenina, quando foi adotada por uns seres que se consideram homo sapiens e exibem a sua foto de felina adorável nas redes sociais. À noite, sobe no telhado para admirar os astros que abrigam outras vidas que jamais conheceremos, perdidas nas distâncias dos espaços imensuráveis, e que fazem as mesmas perguntas que sempre fazemos, quando olhamos as estrelas e mergulhamos em tantas perguntas sem respostas.
Ah, e tem o dia da caça, porque nem só de ração de primeira e cuidados no pet shop, a gata sobrevive! Sim, hoje é o dia da caça, e ela, a gata, descobriu a presa ideal, um filhote de pomba que ainda não pode voar! Aproximou-se cautelosamente daquela vida indefesa e viu o terror nos olhos da pobre criatura e, apesar dos voos rasantes dos pais do bebê pássaro, a gata não se deteve, deu o bote fatal, estrangulou a vítima e sangue e penas restaram como o cenário da luta pela sobrevivência, ali, no quintal onde florescem orquídeas e margaridas de raro esplendor, onde pousam abelhas, joaninhas e borboletas, em notável harmonia.
Saciada a fome ancestral, ela, a gata, retornou ao seu cantinho favorito para sonhar com os felinos de sua espécie e o vasto mundo muito além dos telhados e com a próxima vítima que, naturalmente, cruzará o seu caminho.
Lá fora, outra pombinha, realiza com sucesso, o primeiro voo. Nos próximos meses, construirá o próprio ninho e defenderá até o último instante a vida de seus filhos.

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