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“A Rainha do Lar e a Modernidade”, na crônica de Jair Vivan Jr.

“A Rainha do Lar e a Modernidade”, na crônica de Jair Vivan Jr.

A minha mãe foi do lar, isso quer dizer que ela trabalhava dobrado, tinha que cuidar da casa, dos filhos, da comida, das roupas, do cachorro, do passarinho, do porquinho da Índia e do marido que por sinal era muito exigente, quando chegasse para a hora do almoço queria todos lhe esperando asseados, já de mãos lavadas para sentar à mesa, cada qual em seu lugar, sem brincadeirinhas ou gracinhas, salvo algum risinho maroto e disfarçado de um de nós que culminava em explosão de gargalhadas coletiva sem o menor motivo e sobrava para todos, o velho de seus trinta e poucos anos era rígido em nossa educação, de muito bom coração mas bem severo.

Minha mãe levava a gente na linha mas dava mole, acabava aliviando para os filhos, escondia muita coisa, mantinha o controle
aplicando penas leves e assim evitando castigos maiores, esporádicos mas bem aplicados.

Ela tinha que nos envolver nas tarefas, ora ajudando, ora atrapalhando, coisas secundárias como enxugar louças, varrer e lavar quintal ou fazer peso sentando no escovão para passar palha de aço no assoalho de tábua corrida, sendo preparado para ser encerado e forrado com folhas de jornal para aguentar lustroso todo o final de semana, esta tarefa era bem divertida, salvo quando a dobradiça da junção do cabo beliscava alguma pele fina do corpo, quando era a mais fina então, doía nheim.

Depois ela adquiriu uma enceradeira, uma modernidade, três escovas, estávamos motorizados pensei, mas não rolou, o peso era demais para o motor e flopava, mas já aliviou bem para ela.

A vida estava começando a ficar mais fácil,
já tínhamos saci para acender fogão à gás, ebolidor com resistência, liquidificador, batedeira e andavam falando em aspirador de pó e até máquina de lavar, já era possível fazer suspiro sem ter que usar dois garfos para bater as claras em neve, muita novidade boa.

Ali a rainha do lar não era fraca, depois de cumprir as tarefas domésticas, sentava na máquina de costuras para contribuir na arrecadação, costureira de mão cheia, era o seu ofício, muito procurada para atender a demanda de roupas para festas e bailes, que quase na totalidade eram produzidas artesanalmente.

Esta atividade laboriosa de minha mãe contrariava meu pai, que defendia garantir sozinho a responsabilidade do sustento da família, mas ela dava seus pulos e vivia cheia de encomendas, o que me proporcionava uma outra diversão, me acomodava no pedal para galopar no galeio do vai e vem da operação de costura, mas teve os dias contados, mesmo porque pelas cabeçadas percebi que estava crescendo e logo não ia dar mais, mas o que houve é que minha mãe foi agraciada pela leva de novidades das inovações que vinham surgindo e conseguiu comprar um motorzinho para a máquina acabando com mais uma chinfra de nosso entretenimento, mas foi bem merecido.

JVivanJr

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