“A rua Rio de Janeiro” – Crônica de Jair Vivan Jr.
Seu Branco tocava na banda, mas na lida era sapateiro ou lixeiro não lembro, sei de ser importante membro de nossa banda marcial. Agora sim fui lembrando, manco, varria calçadas, meu ídolo, não só meu, mas da criançada, cumprimentava, dava conversa, mas quando tocava era sério, quase nem olhava para os lados.
Subiam a Rio de Janeiro em uns cinco ou seis, cada qual com seu instrumento, de sopro ou de couro, rumo à praça para o encontro com os demais para compor a formação. Era bonito, seguiam em uma espécie de semi marcha compassada, cada um dando um toque em seu instrumento, o que parecia amenizar um pouco o percalço da subida.
Seu Branco puxava fila, o que vinha mais atrás com um bumbo, parecia ser o responsável pelo carneirinho que o seguia bem ao lado, sem amarras. E a gente acompanhando, quando percebíamos a aproximação, corríamos até a esquina com a Paulo Sá e dava para segui-los por uns três quarteirões até atrás da igreja, nos posicionávamos logo atrás do carneirinho ao som da semi marcha: fom tum, fom tum, fom tum, que até hoje não me sai da cabeça.
Logo mais à noite na Praça, já de banho tomado e ainda arrumadinho de frente para o coreto, eu olhava firme para o seu Branco, mas ele não via, ou fingia, desviava o olhar. Eu pensava será que ele me reconhece, faço parte desta banda, amanhã vou falar com ele, sei que ele vai debruçar no cabo da vassoura e falar comigo. Seu Branco era humilde, era meu ídolo.
A Rio de Janeiro em sua metade paralela à linha (no encontro com a Cambará o trem quebra à direita e a Rio segue em frente) foi palco de tudo, de estouro de boiada, foi feira, foi curso de procissão, caminho de caminhão, de charrete balaio, charretes de bucheiro, padeiro e leiteiro que quando alguém abria a torneirinha do tambor sem que ele visse, saía deixando aquele risco branco na rua… e de carroça de roda de ferro triscando, soltando faísca, quicando nos paralelepípedos, às vezes até levando passageiros sentados na tábua que servia de banco atravessada em cima.
A longa calçada lisa da Shell, famosa pista de corrida de carrinhos de rolimãs, era a única que suportava a circulação de nosso carrinho para dez moleques. De tantas boiadas que passavam, vi uma estourar, era boi para todo lado e boiadeiro endoidado nos gritos de aboio, pelejando no reagrupamento do rebanho.
Além de muita sujeira (acho que porque o boi fica nervoso) teve como saldo o muro do vizinho despedaçado e por ser muro padronizado das casas da Rede, não foi restaurado e aquele pedaço de muro nunca mais foi o mesmo, lembrando sempre o estouro.
Dizem que era fácil promover um estouro de boiada, era só fazer uma cruz de sal grosso no caminho que o gado ia passar e não dava outra. A Rio de Janeiro era meu caminho e assim como a Souza Soutelo, desembocava na minha casa. Onde eu estivesse dava um jeito de chegar à uma delas, por saber que o caminho mais próximo entre dois pontos é sempre a reta.
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JVivanjr