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ANOS DE CHUMBO – O calvário de Madre Maurina na Guerrilha de Ribeirão Preto – Parte II

ANOS DE CHUMBO – O calvário de Madre Maurina na Guerrilha de Ribeirão Preto – Parte II

ANOS DE CHUMBO
O calvário de Madre Maurina na Guerrilha de Ribeirão Preto – Parte II
João Teixeira*

As relações entre a Igreja Católica e o regime civil-militar (1964/85), praticamente rompidas a partir de 1968 após a decretação do golpe dentro do golpe – o Ato Institucional número 5 de triste memória que aboliu a Constituição – agravaram-se quando religiosos passaram á contestação do regime.
O embate entre a fé cristã e a violência militar azedou as relações entre o Vaticano e o poder central de Brasília.
O explosivo confronto entre os membros da Igreja progressista representada pela Teologia da Libertação – a opção preferencial da Igreja pelos pobres – e o poder burocrático-militar que tocava a modernização conservadora do Brasil teve dois episódios marcantes.
O primeiro foi o envolvimento dos freis dominicanos no apoio ao terrorismo de esquerda da Ação Libertadora Nacional, de Marighella.
O segundo foi a prisão, tortura, estupro e possível gravidez na cela da mártir da Inquisição cabocla, a Madre Maurina Borges da Silveira, superiora do Lar Sant’anna, “aparelho” da Frente Armada de Libertação Nacional (FALN), em Ribeirão Preto.
O filme sobre a vida de Madre Maurina acaba de ser premiado na Espanha.
O governo militar voltou-se contra todas correntes e personalidades democráticas, fossem elas católicas, evangélicas, luteranas, metodistas, espíritas, umbandistas ou atéias, principalmente a liderança católica que desempenhou importante papel em defesa da democracia e dos direitos humanos.
A FALN começou a ser desarticulada pelos órgãos de segurança na noite de 18 de junho de 1969, quando os seguranças da velha Estação Rodoviária de São Paulo, ao lado da Estação Júlio Prestes e da polícia política (Dops), em plena “Boca do Lixo”, na Luz, estranharam a pesada mala que era carregada pelo estudante Guilherme dos Santos Carvalho.
Documento confidencial da IV Zona Aérea, QG do Ministério da Aeronáutica registrou a ocorrência.
Preso e revistado, acharam matéria prima para fabricação de explosivos, em poder do estudante.
Guilherme era do Grupo Tático Armado (GTA) da ALN.
Entregaram-no ao Exército, que achou mais material explosivo, além do telefone de outro militante, Ari Almeida Normanha, que morava no Planalto Paulista.
“O material recebido de Haroldo seria enviado a Paulo em Ribeirão Preto, onde seria usado para a destruição dos depósitos de algodão na zona rural”.
As autoridades desfiavam o novelo da organização armada clandestina.
“No dia 20…(1967), por volta das 23 horas, ocorreu uma série de explosões em cinemas, sem danos materiais ou pessoais, só emocionais”.
A FALN explodiu bombas em locais públicos de grande movimento em Ribeirão Preto, na Igreja Mórmon, no Terceiro Batalhão da Polícia Militar, no Mercado Campos Elíseos, nos Correios e Telégrafos, nos cinemas Centenário, São Paulo, Pedro II e Suez, além das Lojas Americanas, origem da maior rede varejista do País que acaba de desfechar um dos maiores rombos financeiros na economia brasileira.
O barulho era ensurdecedor no interior paulista.
Espalhavam panfletos com o retrato de Che Guevara nos locais das explosões, conclamando a população á resistência armada contra a ditadura militar.
O povo estava apavorado.
“Como grande centro de nível universitário, Ribeirão Preto, uma cidade opulenta pelo comércio e a terra, nunca foi foco de subversão ou alteração da ordem social”.
Os órgãos de segurança registravam a perturbadora novidade da propaganda revolucionária nas cidades da região.
“Das cinco bombas, engenhos feitos com latas de fluídos de isqueiro, simples, uma não explodiu. Foram encontrados panfletos com os dizeres: ‘Nossa homenagem ao mestre Che Guevara. Viva Che”.
A repressão foi feroz contra a FALN, que chegou a ter 20 presos políticos na Oban, na noite de 25 para 26 de outubro de 1969, o maior contingente entre as organizações armadas naquele momento, segundo a grade de presos do QG/Oban enviado ao Ministério do Exército.
O ex-estudante de Direito Wanderley Caixe, dissidente do PCB, foi apontado como comandante da FALN.
O calvário de Madre Maurina, natural de Araxá (MG), conhecida de vários militantes, superiora do Lar Sant’anna, de Vila Tibério, “aparelho” da FALN, transcorreu neste cenário de terror da guerra interna.
Perseguição, prisões e torturas deixaram em polvorosa o interior paulista.
48 pessoas foram presas e enquadradas na Lei de Segurança Nacional (LSN).
O delegado Renato Ribeiro Soares, excomungado da Igreja Católica por causa da prisão de Madre Maurina, presa em Cravinhos e Tremembé, negou a gravidez da prisioneira.
O suplício desta mártir (“ela não era de esquerda coisa nenhuma”) prosseguiu rumo ao exílio forçado.
Maurina não queria deixar o Brasil.
No sequestro do cônsul japonês Nobuo Okuchi, em 1970, ela viajou rumo ao México em companhia de outros presos políticos trocados pela vida do diplomata nipônico sequestrado pela Rede, de Eduardo Leite (Bacuri), e a VPR, do capitão Lamarca.
Maurina Borges da Silveira rumou para o exílio em companhia de Diógenes José de Carvalho; Shizuo Ozava (Mário Japa); Otávio Ângelo (Tião); e Damaris Lucena e seus três filhos pequenos, Telma, Adilson e Denise.
“Madre Maurina merece todas as homenagens, ela foi muito solidária conosco” – afirma Telma Lucena.
“Ela era muito querida e educada, tenho ótimas lembranças de nossa convivência no México”.
Madre Maurina, falecida aos 82 anos num convento em Araraquara, jamais fez qualquer declaração pública sobre sua possível gravidez.
Com uma única exceção:
“É um tema nojento que ela conversou com minha mãe, porém Damaris levou o segredo para o túmulo. Acredito que fosse verdade”.
Palavras-chave: anos de chumbo; o calvário de Madre Maurina.
*João Teixeira, jornalista e escritor, integra o Conselho Editorial do Jornal Contratempo.

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