Anos de chumbo – O terror nas redações
Por João Teixeira
__ Tem comunistas na sua redação?
_ General, deve ter, assim como tem seminarista, estelionatário, homossexual, marido traído e todo tipo de gente. No próprio Exército tem comunista, o general Nelson Werneck Sodré.
__ Este foi um traidor da Pátria.
Em meados dos anos 70, o general Ednardo D’ávila Mello, então comandante do II Exército em São Paulo, ficou perplexo diante da surpreendente resposta que recebeu do jornalista Moura Reis, chefe de redação da sucursal paulista do jornal O Globo, na entrevista informal que mantinham.
Não era um interrogatório, esclareça-se, mas sim um diálogo amistoso que poderia ter tomado outros rumos.
Trabalhávamos em uma das mais agitadas redações da época, no décimo nono andar do Edifício Zarvos, no quadrilátero jornalististico nas imediações da Biblioteca Municipal Mário de Andrade, que juntava a Gazeta Mercantil e o Diário Popular (Rua Major Quedinho, no antigo prédio de O Estado de São Paulo), o Cidade de Santos, no andar debaixo de O Globo, e o Diário de São Paulo, Diário da Noite e a agência Meridional, na Rua Sete de Abril.
A maré não estava para peixe. Pouco antes do assassinato de Vlado Herzog, no dia 23 de outubro de 1975, o regime militar caçava a cúpula do PCB como condição para a abertura “lenta, segura e gradual” do presidente Geisel.
O general D’ávila Mello, expoente da linha-dura, contrária á distensão de Brasília, foi de uma sutileza elefantina no contato com nosso companheiro Moura Reis.
Travaram, então o tal diálogo, folclórico, porque, ao contrário do que os radicais esquerdistas propalavam naquela época, o jornal de Roberto Marinho era tratado como inimigo dos militares.
Como quase toda Imprensa, aliás. O imaginário esquerdista via O Globo como símbolo do poder militar, assim como o pensador católico Gustavo Corçáo, o escritor Nelson Rodrigues, e o clero conservador.
O veterano Moura Reis, que completou 83 anos no dia sete de abril – dia do jornalista -, piauiense de Oeiras, crítico de cinema por excelência, já naqueles anos de chumbo acumulava vasta experiência profissional.
Moura, escolado na cobertura da área política desde o governo de Castelo Branco, no Palácio das Laranjeiras, no Rio, começou no Binómio, O Globo, O Estado de São Paulo, Diário do Comércio e Diário de São Paulo.
Ultimamente, era diretor da ABI em São Paulo.
Especializara-se em decifrar a linguagem e as metáforas da caserna.
O jornalista desnorteou a autoridade militar, de forma corajosa, hábil e sincera transmitindo, de maneira finamente irônica, as características complexas, democráticas e diversificadas de todo e qualquer agrupamento humano, seja em quartel, seminário ou redação de jornal.
Argumentou com firmeza sem comprometer a instituição ou seus funcionários.
Nosso valoroso companheiro, hábil em conversas azedas, manteve a dignidade da profissão naquele momento difícil e de violenta pressão sobre os civis.
O general Werneck Sodré era do PCB. O general Ednardo foi exonerado por Geisel após o fim de Herzog.
Palavras-chave: anos de chumbo; militares no poder; jornalistas perseguidos.