Coluna do Márcio Camacho – Sobre Dom Pedro Casaldáliga
PEDRO
O mês de fevereiro de 2018 foi marcado por notícias surpreendentes. Escolas de samba desmascarando o golpe político em curso no país, e as novas formas de escravidão no Brasil; o governo golpista de Michel Temer determinando intervenção militar na no Rio de Janeiro, considerando que se reprimi a violência oprimindo ainda mais os pobres… entre outras notícias bombásticas, quase diárias. Mas há alentos e motivos para renovarmos a esperança, mirando-nos nos exemplos de resistência, e denúncia de todo tipo de injustiça social.
Dom Pedro Casaldáliga, bispo da Prelazia de São Felix do Araguaia, é um desses ícones a nos apontar o caminho da resistência e da esperança. Desde os pesados “anos de chumbo” das décadas de 60/70, vive em terras brasileiras, esse espanhol/catalão, franzino padre clareatiano (congregação fundada por Santo Antonio Maria Claret, também espanhol). Chegou ao Brasil no mesmo ano em que eu nasci, 1968, para trabalhar como missionário no Mato Grosso.
Três anos depois, em 1971, foi nomeado, pelo Papa Paulo VI, Bispo da Prelazia de São Felix do Araguaia, naquele mesmo Estado. Desde então escreveu, com sua vida, mas também com poesias e artigos, uma história de profetismo e denúncia da violência e morte imposta aos indígenas e trabalhadores do campo, e de todo tipo de injustiças contra “os pequenos”, como menciona o Evangelho. Como Bispo da Igreja Católica, não se acomodou num palácio episcopal, nem se conformou com atividades burocráticas e de administração eclesial. Escolheu levar a sério sua condição de “pastor” para a qual foi designado, exercendo-a com coerência evangélica, no meio do povo, e em sua defesa. Coerência com o Evangelho, lido na perspectiva da opção pelos pobres, tão presente nas palavras e atitudes de Jesus Cristo.
Enfrentou poderosos latifundiários, sofreu perseguição de todo tipo, foi vítima de tentativas de atentado, um dos quais acabou por vitimar o padre João Bosco Burnier, jesuíta que o acompanhava numa visita a uma delegacia em que, segundo denúncias, estavam sendo torturadas duas mulheres trabalhadoras rurais. Sofreu, também, perseguição por parte de algumas pessoas da própria igreja católica, como no caso em que recebeu e-mails de um apresentador de tv católica, insinuando que desejava a sua morte, uma vez que sua presença “manchava a imagem da igreja”.
A história completa de sua vida pode ser verificada em inúmeros escritos, livros e sites de internet. Recentemente foi contada, também, num filme intitulado “Descalço sobre a terra vermelha”, ganhador de inúmeros prêmios mundo afora. Não sendo possível descrever essa historia tão cheia de vida e luta em poucas linhas, e havendo a possibilidade de encontrar essa história em outras fontes, me restrinjo a trazer algumas experiências pessoais.
Estive duas vezes na presença de D. Pedro. Uma delas em Bauru, onde palestrou para estudantes da Universidade do Sagrado Coração. Me marcou, nessa palestra, quando ele chamou a atenção de que qualquer “revolução” no aspecto social, começa com atitudes de coerência cotidiana com os valores que defendemos. Perguntou, como exemplo: “Você, jovem, quer ajudar a mudar o mundo para melhor? Você cuida das suas coisas, guarda seus sapatos no armário, ou os deixa em qualquer lugar da casa, por saber que alguém, de forma serviçal, vai guarda-lo?”. Ou seja, quem quer libertação, não pode ter atitudes de dominação… mesmo as mais simples e, aparentemente, imperceptíveis.
A segunda vez foi durante um retiro com lideranças da pastoral da juventude. Novamente, sua simplicidade nos fazia sentir que a força de transformação e de denúncia podem brotar de uma aparente fragilidade. Não está no tom da voz ou na estatura, mas na coerência de vida e na coragem de se entregar sem medida, sem medo.
Hoje, completando 90 anos de idade, mesmo com corpo já bem fragilizado, segue sendo referência na luta por justiça social e fim das opressões, na sociedade. E, na Igreja, de coerência com a mensagem evangélica de opção pelos pobres e injustiçados. Obrigado, Pedro, por nos instigar a sair do comodismo e apatia diante da realidade social, neste momento de retrocessos dos direitos do povo. Continue a nos ajudar, sempre, com seu testemunho profético, a não perder a esperança e a ousadia de denunciar.
Márcio Gomes Camacho, formado em Direito, mestre em comunicação social, trabalha como assistente jurídico no Tribunal de Justiça de São Paulo. Formou sua consciência cidadã nos anos de militância na Pastoral da Juventude, a que ajuda, atualmente, na assessoria. É membro do Instituto Paulista de Juventude. Em constante aprendizado, vida afora…