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Croônica: “Asfalto, O Preço do Progresso” – Jair Vivan Jr.

Croônica: “Asfalto, O Preço do Progresso” – Jair Vivan Jr.

Era bonito ver a cidade crescendo de vento em popa, se modernizando, boa parte das ruas sendo asfaltadas, muitas ainda com valas para a instalação da rede de esgotos, sinalizando o fim das fossas sanitárias urbanas presentes na maioria das boas casas da vizinhança o que já era um avanço, mas que ofereciam grande perigo era comum vez ou outra, um morrer porque caiu na fossa.

Nas calçadas, os enormes tubos dos canos de concreto que cabia um menino do meu tamanho sentado certinho em seu diâmetro.

Na vala dava para sumir em pé na altura, na descida da parte mais íngreme da rua, e a gente corria de um lado para outro, de uma rua para outra naqueles corredores abaixo do nível do solo que também serviam como trincheiras, emparedadas pelas colunas de paralelepípedos dispostas em carreiras triangulares, nas quais fazíamos alterações transformando em verdadeiras fortalezas.

Era muito alto em alguns pontos, foi muita sorte não ter desbarrancado soterrando de repente um de nós, mas era o nosso caminho underground, era só os trabalhadores irem embora que a gente caía no buraco e começava a correria, tinha que ter cuidado porque acontecia de ter cano atravessando o trajeto e podia levar capote bagaçando a canela e enfiando a cara na terra.

E veio o piche, ficavam dispostos em alguns pontos em tambores onde eram derretidos, com alguma rapidez e agilidade, também contando com a sorte de ter um bem próximo ao muro da minha casa, conseguíamos subtrair uma quantidade ainda em ponto de moldagem que usávamos para atividade extraclasse, como bonecos de piche ou pelotas que acabaríamos usando como munição.

O impressionante e poderoso rolo compressor que veio para dar o acabamento, chapeando a camada de asfalto, limitada pelas faixas de concreto do meio fio com novas sarjetas agora com bueiros, tudo muito novinho e bonito, naquele finalzinho de tarde serviu como uma espécie de porto seguro, como se fosse um blindado, sei lá me dava segurança e quando sentado em seu banco de lata semi acolchoado eu manipulava o conjunto de alavancas e conferia os ralados, cortes e queimaduras no corpo adquiridas naquele dia.

Era já o escurinho do final da tarde o momento que eu me transformava, a hora em que me vinham os lapsos de seriedade e responsabilidade, talvez uma espécie de semi arrependimento, a análise dos estragos do dia e como fazer para remediar, esconder o que tinha que esconder enfim, ir se preparando para entrar, encarar a bronca, torcer por alguma coisa passar batido e enfrentar a real.

Também era o momento em que eu refletia sobre as mudanças, conferia os sons e cheiros que costumavam acentuar nas limitações da tarde com a noite, os sons tendo como coadjuvantes os insetos e pássaros costumeiros seguiam sem grandes alterações, já os cheiros caracterizados pela queimada com poeira, fumaça das chaminés das olarias e o residual de uma ou outra oficina mecânica, agora vinham acrescidos do cheiro do petróleo do nosso lindo asfalto, que também passou a interferir nos cheiros da vegetação molhada, das emissões da fábrica de óleo e do esterco deixado por alguma carroça ou charrete, sempre presentes em nossas manhãs, o cheiro do progresso estava impregnado em nossos dias, era o preço.

JVivan Jr.

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