Decisão da SAE pode extinguir a cooperativa Recicla Ourinhos e deixar mais de 100 famílias desamparadas

No final do mês de janeiro, a Superintendência de Água e Esgoto (SAE) publicou um aviso de licitação para informar a procura de uma empresa especializada para a prestação de serviço de reciclagem. O anúncio, no entanto, pegou de surpresa os cooperados da ACMRO (Associação dos Catadores de Materiais Recicláveis de Ourinhos — Recicla Ourinhos) que dependem da contratação da SAE para manter a cooperativa há mais de 10 anos.

Aviso de Licitação publicado no Diário Oficial.

A Cooperativa Recicla Ourinhos é reconhecida nacionalmente por seu trabalho e, por muitos anos, estabeleceu o hábito da reciclagem e da separação consciente do lixo em milhares de casas ourinhenses.

Em 2014, a cooperativa ganhou um prêmio nacional, o “Pró-catador”, por ser exemplo de sustentabilidade e gestão no aproveitamento de resíduos recicláveis. Na época, a antiga presidente da Recicla Ourinhos, Matilde Ramos da Silva, recebeu o prêmio de Dilma Roussef e ganhou uma viagem para Itália por representar a cooperativa.

Representante do Recicla Ourinhos recebe o prêmio Pró-catador, em Brasília, disputado por 64 instituições de todo o Brasil. / Foto: 2014 COOPCENT ABC

Nas últimas semanas, por meio das redes sociais, a cooperativa e a prefeitura manifestaram-se sobre a abertura da licitação para a apresentação de novas companhias de reciclagem, por meio de um pregão — processo em que empresas apresentam orçamentos para a administração pública e o menor valor, nas condições propostas, é contratado. Em uma das manifestações, o prefeito Lucas Pocay informou que uma das justificativas para o interesse da contratação de outras empresas é o fato da Recicla Ourinhos estar sendo investigado pelo Ministério Público por uma denúncia de 2017 por fraudes da administração da cooperativa.

Segundo as cooperadas entrevistadas, existem incoerências no apontamento do inquérito como um motivo para a possibilidade da contratação de uma nova empresa. Para elas, a existência de um inquérito sobre a administração que ainda não foi sentenciada como culpada, não é justificativa para deixar mais de 100 pessoas de baixa renda, ex-catadoras de material reciclável, ourinhenses e com a experiência de mais de 15 anos no ramo, desamparadas e de volta às ruas. Além disso, se este fosse um critério seguido de forma rigorosa, a gestão do superintendente da SAE e do prefeito não seriam legítimas; Marcelo Simoni Pires já foi investigado pelo Ministério Público e Lucas Pocay, com mais de 20 inquéritos civis já abertos, ainda está sob investigação.

Ainda, segundo a cooperativa, a SAE já vem desestabilizando a Recicla desde de 2017, quando o prefeito, mesmo após ter conquistado os votos dos cooperados com promessas durante as eleições, diminuiu ainda mais as verbas destinadas para o projeto.

A SAE assinava a responsabilidade de comprar o material reciclável que faz a seguinte rota: recolhido nas casas, levado à cooperativa, separado por vidro, papel, papelão e plástico em uma esteira, depois prensado, pesado e vendido para a SAE vender às indústrias.

No ano em que a cooperativa foi premiada, em 2014, a tonelada do material reciclável era vendida para a Superintendência de Água e Esgoto pelo valor de R$470,00, acordados entre as duas instituições. No entanto, o preço do material reciclável cotado pela SAE caiu abruptamente no primeiro contrato determinado em 2017, pelo prefeito Lucas Pocay, caindo para R$412,00 por tonelada, com o limite de 340 toneladas por mês, totalizando a queda de R$ de R$2,2 milhões para R$1,6 milhões anuais para cobrir os gastos da cooperativa e dividir entre, aproximadamente, 110 cooperados. (Notícia de 2017.)

A diminuição dos investimentos da SAE provocaram a queda do salário dos cooperados e da qualidade dos recursos da cooperativa. Por consequência, o serviço oferecido à população também foi prejudicado.

A Recicla Ourinhos, aos poucos, perdeu condições de manter a manutenção de sua estrutura. Exemplo disso, foi a suspensão das sacolas azuis distribuídas de casa em casa, que resultou na diminuição da separação do lixo pela população e das toneladas vendidas por mês, prejudicando ainda mais a renda e a sustentação do projeto, que hoje, mesmo sob essas condições, luta para manter-se na coleta e destinação dos materiais recicláveis ourinhenses.

Recicla Ourinhos realizou protesto na sessão da Câmara Municipal de Vereadores, no dia 5 de fevereiro.

O posicionamento da assessoria jurídica da cooperativa apontou que a licitação e a contratação de uma empresa privada para a reciclagem do lixo ourinhense transgride a Lei Municipal nº 5731, de 20 de dezembro de 2011. Esta diretriz estabelece exclusividade das cooperativas ou associações autogestionárias promotoras de inclusão social e econômica dos catadores de materiais recicláveis na realização do serviço público de coleta seletiva e reciclagem em Ourinhos.

Por conta das contestações da Recicla Ourinhos, a abertura do edital da licitação foi publicado duas vezes, primeiro, no dia 21 de janeiro, depois fechado para a revisão da promotoria da SAE e reaberto na última sexta-feira, 15 de fevereiro.

A SAE foi consultada pela reportagem do Jornal Contratempo e afirmou a legitimidade da abertura da licitação. “Importante ressaltar que o ordenamento jurídico vigente estabelece como regra nas contratações pelos entes públicos a obrigatoriedade de licitar, mediante processo com ampla concorrência de mercado. A Lei 8.666/93 estabelece as regras a serem observadas no certame. Há possibilidade de contratação direta apenas em caso de inexigibilidade, quando é impossível a concorrência, ou em casos de dispensa. As regras estabelecidas na Lei de Licitações e Contratos Administrativos, expressa proibição de cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo, que estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato (art. 3°, §1°, inciso I)”, respondeu a assessoria da superintendência.

Na compreensão da promotoria da SAE, pela Lei de Licitações, o Poder Executivo não pode dar preferências para uma empresa, seja ela cooperativa ou não, para que o direito da livre concorrência possa ser exercido.

Para justificar que a decisão é calcada nesta ideia, a SAE afirmou a permissão da participação da Recicla Ourinhos na licitação publicada. No entanto, a Recicla Ourinhos declara não ter como corresponder às condições impostas no edital da licitação em diversos quesitos, principalmente nos que dizem respeito às condições financeiras e de patrimônio exigidas pela SAE. (Edital publicado pela SAE.)

Sede da Associação dos Catadores de Materiais Recicláveis de Ourinhos.

Para a cooperativa e para a oposição da Prefeitura, a SAE está na mira de um projeto de privatização e a Recicla Ourinhos é uma das “pedras no sapato” para esse processo. No último semestre, a crise de funcionamento e aumento de taxas aprofundou-se e gerou centenas de reclamações em Ourinhos. A falta de água há meses, as dúvidas quanto aos cargos de confiança sem especialização responsáveis pela superintendência, o aumento excessivo das faturas, a reivindicação dos coletores de lixo e a investida da abertura de uma CPI negada, alimentam a hipótese de um plano de sucateamento para a suscetiva entrega da SAE ao setor privado.

A Recicla Ourinhos e seus cooperados esperam pelo apoio da prefeitura e da população, por respeito à sua história de responsabilidade, sustentabilidade e de luta pelo reconhecimento, inserção social e dignidade dos catadores de material reciclável. E afirmam: sem este apoio, a cooperativa, que constitui um patrimônio ourinhense, não poderá continuar.

 

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