Decisão do STJ põe em xeque atuação da guarda municipal como força policial e impõe limitações
Uma decisão da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tomada na semana passada reforçou o entendimento de que as guardas municipais, por não estar entre os órgãos de segurança pública previstos pela Constituição Federal, não podem exercer atribuições das polícias civis e militares.
A decisão coloca em xeque a atuação da recém-criada Guarda Civil Municipal (GCM) de Ourinhos e demais municípios onde as corporações foram criadas com finalidade de proteção de bens públicos, serviços e instalações do município, mas que estão exercendo funções e ações atribuídas exclusivamente as polícias civis e militares.
Essa decisão do colegiado do STJ se soma a outras em que a atuação dos GCMs deve se limitar à atividades finais como controle dos espaços públicos, proteção ao patrimônio municipal , escolar, ambiental, proteção às pessoas em situação de risco e dos próprios agentes públicos.
A 6ª Turma considerou que só em situações absolutamente excepcionais a guarda pode realizar a abordagem de pessoas e a busca pessoal, somente quando a ação se mostrar diretamente relacionada à finalidade da corporação.
Desde que foi criada por Lucas Pocay em meados de 2021 e inicio de atividade em abril de 2022, os agentes da Guarda Municipal ourinhense são vistos circulando pela cidade principalmente em áreas centrais e adjacências em rondas diárias fiscalizando o transito e multando motoristas infratores.
São várias as noticias na imprensa local (mídia amiga dos releases oficiais) e no site da própria prefeitura que dizem respeito ao GCMs, sobre o trabalho nas ruas da cidade com abordagens, apreensões, prisões em flagrante de pessoas por porte e suspeitas de tráfico de drogas e outras ações inerentes a Policia Militar.
O relator, ministro Rogerio Schietti Cruz, destacou a importância de se definir um entendimento da corte sobre o tema, tendo em vista o quadro atual de expansão e militarização dessas corporações. Segundo explicou, o propósito das guardas municipais vem sendo significativamente desvirtuado na prática, ao ponto de estarem se equipando com fuzis, armamento de alto poder letal, e alterando sua denominação para “polícia municipal”.
Com efetivo de 37 agentes a GCM de Ourinhos assim como as policias civil e militar faz uso equipamentos como cassetetes, sprays de gás pimenta, arma de imobilização (teaser), possui também armamento pesado calibre 12, pistolas calibre. 40 e munições conforme noticiou o executivo quando da chegada das armas a Secretaria de Segurança Municipal.
De acordo com um balanço divulgado pelo site da prefeitura em junho, o grupamento municipal atuou em mais de 700 ocorrências entre elas perturbação do sossego público, envolvendo à população de rua, abordagens de averiguação de atitude suspeita, ocorrências de acidentes, furtos além de multas por infração de trânsito.
Atribuições da guarda municipal foram definidas na Constituição de 1988
O ministro apontou que o poder constituinte originário excluiu propositalmente a guarda municipal do rol dos órgãos da segurança pública (artigo 144, caput) e estabeleceu suas atribuições e seus limites no parágrafo 8º do mesmo dispositivo. Schietti observou que, apesar de estar inserida no mesmo capítulo da Constituição, a corporação tem poderes apenas para proteger bens, serviços e instalações do município, não possuindo a mesma amplitude de atuação das polícias.
Para ele, seria potencialmente caótico “autorizar que cada um dos 5.570 municípios brasileiros tenha sua própria polícia, subordinada apenas ao comando do prefeito local e insubmissa a qualquer controle externo”.
Não é qualquer um que pode avaliar se há suspeita para a busca
O ministro explicou que a guarda municipal não está impedida de agir quando tem como objetivo tutelar o patrimônio do município, realizando, excepcionalmente, busca pessoal quando estiver relacionada a essa finalidade. Essa exceção, entretanto, não se confunde com permissão para realizar atividades ostensivas ou investigativas típicas das polícias no combate à criminalidade.
Em seu voto, Schietti assinalou que a fundada suspeita mencionada pelo artigo 244 do Código de Processo Penal (CPP) é um requisito necessário para a realização de busca pessoal, mas não suficiente, porque não é a qualquer cidadão que é dada a possibilidade de avaliar sua presença.
Quanto ao artigo 301 do CPP, que permite a qualquer pessoa do povo efetuar uma prisão em flagrante, o ministro observou que não é fundamento válido para justificar a busca pessoal por guardas municipais, ao argumento de que quem pode prender também poderia realizar uma revista, que é menos grave.
A hipótese do artigo 301, segundo ele, se aplica apenas ao caso de flagrante visível de plano, o qual se diferencia da situação flagrancial que só é descoberta após a realização de diligências invasivas típicas da atividade policial, tal como a busca pessoal, “uma vez que não é qualquer do povo que pode investigar, interrogar, abordar ou revistar seus semelhantes”.
Com informações do site do STJ
Leia o voto do relator no REsp 1.977.119.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1977119